segunda-feira, 10 de junho de 2019

150. Guerra Civil na França

Uma amiga me enviou um email sobre as desordens sociais que hoje acontecem na França. Ela me pediu que escrevesse algo sobre essa realidade francesa atual. Eu estou ousando transmitir-lhe o que escrevi àquela amiga.
Nada disso me assusta. Ao contrário, isso é a Humanidade. Cada indivíduo humano é a sede de um ímpeto de sobrevivência. Qualquer obstáculo à própria sobrevivência ele tenta eliminar. Qualquer pessoa que tente competir na consecução dos meios da vida que ele quer ter, ele tenta preterir ou civilizadamente negociando, ou dominando pela intimidação, ou eliminando mesmo. Um exemplo: a grande maioria dos cariocas quer morar numa linda mansão na praia do Leblon, contemplando aquela portentosa paisagem marítima. A praia do Leblon só comporta uns poucos. Ninguém tem dinheiro para negociar o terreno e construir uma mansão. Mas, alguns têm dinheiro para comprar um lindo apartamento ou um razoável apartamento. Uns ganham o dinheiro honestamente, outros explorando a população vendendo o amor de Deus, outros roubam dos sócios, outros assaltam os bancos, outros desfalcam as empresas, outros subtraem o dinheiro do Governo, outros assassinam um sócio rico ou até a própria mãe velhinha aposentada.
O importante para esses marginais todos é que não possam ser alcançados nem pelas possíveis vítimas nem pelos protetores das vítimas (a Sociedade, o Estado, a Ordem Jurídica). A mentalidade dos marginais é simplesmente esta: o importante é que eu viva com a mais alta qualidade de vida material e para isso usarei qualquer meio, ainda que ilegal. Para ter essa mais alta qualidade de vida, tudo arrostarei até a coação da Lei e a possibilidade de minha própria eliminação pela provável vítima. O importante é fazer de tal modo que nem a Lei me alcance, nem a minha vítima consiga defender-se.
Estes são os vitoriosos na vida: uns poucos vitoriosos dentro da Lei, mas em grande número vitoriosos à margem da Lei. A grande maioria conforma-se com o dinheiro ganho dentro da Lei e nem pensa em realizar essa qualidade de vida (morar na praia do Leblon). Uns poucos tudo arrostam para realizar suas ambições. Essa explicação não é minha: assim falou Maquiavel!!! É a lei do mais forte ou do mais esperto...
Os nossos pais (os seus, os de minha mulher, os meus...) nos ensinaram a ser civilizados, isto é, a viver numa cidade, isto é, numa sociedade, onde há diferença de pessoas em riqueza e poder, numa convivência pacífica decorrente da ordem imposta por um governo (a Lei), e onde se utiliza a escrita e se desenvolvem as atividades artísticas e científicas.
Nossos pais nos deram essa cultura de valorizar, na vida prática, esse tipo de sociedade e nós a desenvolvemos como um valor nosso. A grande maioria não teve essa cultura. Ou recebeu e desenvolveu outra cultura ou teve mesmo a anticultura.
A Neurociência diz que a grande qualidade da mente humana é ser plástica, isto é, ela se amolda às circunstâncias da vida. Portanto, ela se amolda à Cultura que recebe. O grande problema atual é exatamente esse: CULTURA. Transformar a mente humana infundindo-lhe uma cultura que não apenas não destrua a sociedade (a convivência dos seres humanos), mas, muito mais, não destrua o ÚNICO PONTINHO DO UNIVERSO ONDE EXISTE A VIDA INTELIGENTE!
Essa é uma portentosa transformação: aceitar a cultura do desenvolvimento sustentável, muito, mas muito mesmo, diferente da cultura que nos últimos séculos a Humanidade vem desenvolvendo.
Até certo ponto, existir é pensar. Se destruímos a Terra, destruímos o único ser inteligente que existe no Universo. Assim, destruímos o próprio UNIVERSO!

451. Agradecimento (Texto lido no almoço da AAFBB, de junho de 2010)



Agradeço aos diretores da AAFBB a lembrança de publicar, no Antenado do site da associação na Internet, as reflexões que elaborei a respeito da pretensão do Banco do Brasil à parcela, por sinal substanciosa, dos superávits da Previ.

Aproveito para insistir num ponto, a saber, quando o Banco do Brasil entregou à Previ parte correspondente à minha parcela de contribuição mensal, ele cumpriu a sua obrigação de Patrocinador no contrato dele com a Previ. Cumpriu a sua obrigação de passar parte do seu patrimônio para o patrimônio da Previ. A título nenhum - nem a título de compensação, nem de reparação, nem de paridade com os assistidos - o Banco do Brasil pode exigir a devolução daquela contribuição. Nada, absolutamente nada, ele pode exigir. Aqueles recursos, desde o momento em que entram no caixa da Previ, são simplesmente patrimônio da Previ.

O Banco do Brasil não fez um empréstimo à Previ. Não prestou nenhum socorro financeiro à Previ. Ele simplesmente fez a sua contribuição de Patrocinador. Não pode exigir devolução. Diria mais: aquela contribuição do Banco chega ao caixa da Previ, como complementação contratual da minha contribuição. Ela é parte da minha contribuição. E, por isso, ela não mais pode ser identificada nem mesmo como contribuição do Banco do Brasil. Ela ali entrou para, ao longo do tempo, através de boa administração, formar patrimônio capaz de proporcionar um benefício de aposentaria para mim, benefício meu, somente meu, isto é, para permitir que eu continue com o benefício que hoje tenho como assistido, e, se viável, até ampliá-lo, isso mesmo fazer que eu viva melhor do que hoje vivo.

E o Banco do Brasil só obteve até hoje vantagem com sua contribuição duplicada ou paritária para a Previ, já que antes arcava com a totalidade do ônus da aposentadoria e, criado o Instituto do Bancário, com o ônus da totalidade da complementação. Até acho também, que tal vantagem já foi e é tão grande que ele não pode alegar o fato de que no futuro, caso a Previ passe por dificuldades, ele terá que contribuir financeiramente para a solução do problema, tanto mais que hoje em dia são os administradores do Banco que de fato, seguindo a orientação do Banco, conduzem a administração da Previ, cujas decisões também consultam os interesses do Banco, como estamos vendo nestes dias. Nada que o Conselho Deliberativo decidir será implementado, se o Banco do Brasil e o Governo não aprovarem. É o próprio último ex-presidente da Previ que o confessa neste número da Revista Previ de maio último passado.

Assim, se o Banco do Brasil ou o Governo, seja lá quem for, exige que aquela contribuição do Patrocinador seja devolvida ao Banco do Brasil, está perpetrando um desvirtuamento das finalidades da Previ, para não usar termo mais forte como violência contra aposentados e pensionistas, inclusive viúvas, idosos e idosas fragilizados, física, social, psicológica, financeira e politicamente.

Há nisso tudo algo que me compunge profundamente, porque essa exigência do Banco do Brasil se funda naquela disposição da desconfortadora Resolução 26, que apresenta várias alternativas de distribuição do superávit, inclusive a reversão das contribuições mais recentes para o participante e Patrocinador. Vejo nessa forma de benefício o quê? Vejo exatamente o polêmico benefício da renda certa, que nos foi oferecido numa pílula dourada e equivocadamente aceito por nós participantes, numa infeliz acomodação, uma vez, num passado recente.

Finalizando, permitam-me ainda algumas observações:

A Resolução 26 permite que o Patrocinador de um Fundo de Pensão fechado abra mão do seu quinhão na distribuição do superavit, se isso não prejudicar o equilíbrio do Fundo. Mas, o Patrocinador de um Fundo de Pensão fechado da área do Governo, inclusive de empresa de economia mista, não tem a faculdade dessa renúncia. Por quê?  O patrão estatal goza de menor sentimento social que o patrão particular capitalista?

O que está acontecendo com o Serviço Odontológico? O Governo não obrigou todos os Planos de Saúde a prestarem esse serviço, sem aumento das contribuições? A Cassi não prestará Serviço Odontológico? Será prestado por outro Plano de Saúde?

A Cassi continua fazendo marketing da excelência de seus serviços. Mas, apreciei duas coisas neste último número do Jornal Cassi associados: as idéias de administração democrática do novo presidente da Cassi e o espaço de debate que o Jornal pretende ser. É muito importante o debate, porque ele é o espaço de convivência dos homens livres, dos cidadãos. Sem o espaço do debate, ou se permanece no que se é pela força da imposição ditatorial, ou se muda pela revolução. Nem uma coisa nem outra são dignas do ser humano que nasceu para a Vida, a coisa mais singular que existe no Universo. O debate é a luz para a realização. E o importante é realizar, como expressa o epitáfio do túmulo de Karl Max em Londres. A Previ e a Cassi nasceram dos debates de maravilhosos funcionários do Banco do Brasil.

E por falar em debate, amigos diretores da AAFBB, não vi nenhum artigo de análise dos resultados da Previ e da Cassi, no Atenado do site de nossa associação. Acho até que o debate leal, puro, sem mescla de vantagens meramente pessoais e vaidade, seria extraordinário veículo de nossas aspirações ao aperfeiçoamento de nossas vitais instituições, Previ e Cassi.

Acho que ele ampliaria o alcance de nossa AAFBB. As nossas associações de funcionário ainda precisam de muita ação para difundir sua influência importante sobre os aposentados e pensionistas, haja vista que nesta última eleição para a Previ não conseguimos sensibilizar nem um terço do total de aposentados e pensionistas.






segunda-feira, 3 de junho de 2019

450.A Delegação do Capitão



A eleição de Jair Messias Bolsonaro para presidente da República Federativa do Brasil foi revolução pacífica e democrática. O Povo brasileiro, pacificamente, através do voto e na conformidade das normas constitucionais e legais, decidiu colocar o destino do País sob a direção de governo que administrasse a coisa pública com ética, justiça, legalidade e FRUGALIDADE.

O Povo brasileiro não mais suportava a patente administração da república de forma corrupta: privilégios de parentescos, relacionamentos e interesses pessoais; normas subordinadas discrepantes dos princípios constitucionais; colossal e multifacetado esbanjamento dos recursos públicos; Brasília e seus tentáculos estaduais e municipais usufruindo estilo de vida de fazer inveja aos nobres da corte do Rei Sol!

Claro que a Previdência Social necessita de reforma. É escandalosa e financeiramente inviável a Previdência Social que aposenta pessoas hígidas, com 49 anos de idade e com 100 mil reais de benefício mensal, ou mais até, quando a expectativa de vida do brasileiro já atinge a idade de 73 anos!! Quando se tem notícia de que um juiz pode perceber, seja a que título for, renda mensal superior a 700 mil reais, mesmo que seja uma vez na vida, evidencia-se que há algo de profundamente equivocado na administração dos recursos públicos em geral. E afinal de contas a Previdência Social nada mais é que reduzido espaço especular dessa administração pública geral.

É por isso que insisto que o Capitão foi convocado pelo Povo Brasileiro para esta simples e redentora missão de implantar o regime de existência frugal em Brasília e estendê-la a toda administração pública nos Estados e nos Municípios. O Povo Brasileiro não mais aceita sustentar corte de autoproduzidos nobres de uma Belle Époque extemporânea. O Povo Brasileiro quer trabalho e patriotismo de quem elege para cargos públicos e de quem para eles é nomeado. O Povo Brasileiro não mais aceita ser governado por quadrilha de políticos desprovidos do mínimo pejo de enriquecer com o furto de dezenas, centenas de milhões e até bilhões de reais, desviados do erário e depositados em paraísos fiscais, ou até mesmo guardados em apartamento no Brasil, porque auferem renda insignificante, se não acabarem sorvidos numa falência bancária, se depositados em banco brasileiro. Até penso que a única lei necessária para resolver o problema nacional seria a de exigir referendo para as normas constitucionais e leis que se referem à administração pública: funcionalismo eletivo e trabalhista, cargos e remuneração.

Discordo absolutamente de que o problema da Previdência Social tenha sua origem no tipo de financiamento. Não entendo que a Previdência Social Brasileira seja o pagamento do benefício previdenciário da geração passada pela geração presente. A Previdência Social Brasileira tal qual normatiza o artigo 201 da Constituição Brasileira é uma operação de seguro em que o trabalhador brasileiro (ou outro qualquer cidadão), juntamente com o seu patrão e o Estado, paga mensalmente, durante a vida ativa, o prêmio que lhe permitirá receber, CASO SE INCAPACITE, A RENDA QUE USUFRUI NA VIDA ATIVA, renda, é claro, limitada à de uma vida frugal. A autarquia responsável pela administração da Previdência Social, não sem razão, denomina-se INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL.

O seguro é o instituto financeiro multissecular que sustenta toda a economia mundial e proporcionou a principal fonte de energia que  catapultou o mundo contemporâneo para os altos níveis históricos atuais de progresso. Entendo, pois, que inexista razão para se preteri-lo, dando-se preferência ao regime de capitalização. Recentemente o Mundo atravessou profunda crise econômica exatamente provocada pelo sistema financeiro norte-americano, que monetarizando, diziam, dívidas inquitáveis, se quebrou, quebrou a maior seguradora dos Estados Unidos e do Mundo, e ainda ameaçou quebrar a banca internacional! Tudo isso o Estado norte-americano se viu na necessidade de socorrer!

O instituto do seguro social é o meio mais justo, mais simples, mais barato e mais seguro de financiamento da Previdência Social. É o mais justo porque o trabalho do indivíduo financia seu próprio benefício, retirando do fruto do trabalho individual (salário, renda do capital e tributo) todo o seu financiamento. Mais simples e seguro, porque é retirada direta, imediata e  matematicamente precisa de todo o valor financeiro exigido. E mais barato porque prescinde de qualquer empresa financeira intermediária, que o acumularia ao longo de décadas de existência, em valor aleatório, e até sem garantia alguma de sucesso! Sobretudo aqui no Brasil, onde o oligopólio bancário dá as cartas no mercado financeiro pagando míseros 5% a.a. de remuneração por depósito ou mesmo nada, e cobrando 100%, 200% a.a. por empréstimo. Aliás, tão poderoso é esse oligopólio que em 2003 conseguiu destravar por completo a limitação da taxa de juros em 12% a.a., através da Emenda Constitucional nº 40, e extinguir o crime de usura!

Substituir o regime de seguro da Previdência Social, portanto, pelo sistema de capitalização não encaro apenas como erro técnico. Considero um atentado à dignidade da pessoa humana do trabalhador e a varias normas constitucionais, flagrante desrespeito à Constituição Brasileira do Bem Estar Social (artigo 193, esse artigo, o mais importante da Constituição Brasileira, que os mestres de Direito teimam em não querer comentar!...).

Está-se dessa forma, negando precisamente ao cidadão brasileiro inabilitado por doença, acidente ou velhice o direito à SEGURANÇA de vida digna, que ele conquistou numa existência profícua em benefício próprio e da coletividade. É a suprema injustiça e o mais indigno ato de injustiça, cometido pelo próprio Estado. A Previdência Social é obrigação do Estado. O Estado não pode, não tem o poder jurídico de transferí-la para um agente bancário, de transformá-la numa relação contratual entre pessoas privadas, sobretudo num país onde impera o oligopólio bancário, enriquecido na taxa de usura (quem o diz não sou eu, é a versão constitucional original de 1988) imposta aos depositantes, e em cuja segurança a História não permite se confie, nem mesmo os políticos brasileiros governantes confiam, como os episódios investigativos da Lava-a-jato revelam.

O instinto de sobrevivência, ou como prefere a Psicologia atualmente, a motivação da subsistência, como ensinou Abraham Maslow, há mais de 70 anos, é a mais básica das motivações humanas. Tão básica que o homem a compartilha com todos os seres vivos. Gilgamesh, a primeira epopeia escrita pelo Homem, nos primórdios da Civilização, há mais de cinco mil anos, na cidade sumeriana de Uruk, explorou a temática do anseio do homem pela imortalidade! A primeira lei, de que se tem conhecimento, promulgada também na cidade sumeriana de Uruk, proibia que se subtraíssem os bens às viúvas e ordenava que os fortes protegessem os fracos! Há mais de cinco mil anos, os egípcios redigiram o Livro dos Mortos, cuja cópia era depositada nos túmulos, onde consta uma declaração para ser recitada durante o julgamento no Tribunal de Osires: “...conheço o teu nome e os nomes das quarenta e duas divindades que estão contigo na Sala da Verdade e da Justiça. Não cometi qualquer fraude contra os homens; não atormentei as viúvas;... não obriguei o capataz de trabalhadores a fazer diariamente mais do que o  trabalho devido; não fui negligente; não fui ocioso; ... não prejudiquei o escravo perante o seu senhor; não fiz padecer fome; não fiz chorar; não matei; não ordenei morte à traição; não defraudei ninguém; não roubei; ... não auferi lucros fraudulentos; não alterei as medidas dos cereais; não usurpei terras; não obtive ganhos ilegítimos por meio dos pesos dos pratos da balança; não retirei o leite da boca dos meninos; não cortei a água na sua passagem; ...Sou puro! Sou puro! Sou puro!” O cristianismo, durante dois mil e cem anos, vem moldando a Civilização Ocidental, que hoje está se tornando universal, sob a égide do princípio básico do amor: “Ama a Deus acima de tudo, e ao próximo como a ti mesmo!” Noutras palavras, “o que queres para ti, queiras também para todas as outras pessoas: vida e vida boa!” O projeto de vida egoística do Superhomem de Nietzsche e a máxima elitista e nazista da sociedade darwiniana de Herbert Spencer são simplesmente abominados pela sociedade e pela cultura hoje predominante no Mundo! O grande vulto político da História no século XX é Franklin Delano Roosevelt, o artífice do New Deal e do Welfare State! A renomada historiadora Barbara Tuchman narra que o projeto existencial do vaidosíssimo e egoísta presidente dos Estados Unidos, Lindon Johnson, era ultrapassar a fama de Roosevelt, criando a Grande Sociedade, livre de pobreza e opressão, mediante a implantação dos programas de bem-estar e a legislação dos direitos civis. O Estado do Bem Estar Social recebeu, finalmente, forte impulso quando o Governo Britânico, na década de 40 do século passado, implantou parcialmente o plano Beveridge de combate à escassez, doença, ignorância, miséria e ociosidade. Enfim, o desamparo social – a morte por fome, doença ou homicídio - torna-se atualmente inadmissível, quando historiador de fama internacional, autor de dois livros de sucesso internacional, como o israelita Yuval Noah Harari., ousa afirmar que o indivíduo humano se acha às vésperas da amortalidade.

A substituição do modelo previdenciário constitucional brasileiro securitário pelo modelo capitalista não é mero erro, portanto. Mas, desastroso, tremendo erro político. Equivoca-se quem pensa que está realizando uma façanha progressista. A reflexão, a história e os exemplos dos países que a promoveram demonstram que se trata de tremendo equívoco, isso sim, desastroso ato de regresso para os tempos do HOMEM DAS CAVERNAS!





terça-feira, 28 de maio de 2019

449. Colóquio com Papai Noel (texto lido no almoço da AAFBB em dezembro de 2009)


       
Preste atenção, Papai Noel, dessa forma só quem gostará de você são os marqueteiros da Cassi. Dê-nos neste Natal a assistência médica de excelência que eles alardeiam, inclusive a assistência hospitalar de excelência. Desculpe-me a maldade, Papai Noel: eles parecem que ficariam muito satisfeitos, se nós, os velhinhos, fôssemos despachados quanto antes.

Papai Noel, empréstimo até que não é ruim. Mas, boa mesmo é a aposentadoria que o paga, e até que faz prescindir do empréstimo.

Papai Noel, como é que você permite que a Previ faça superávit fabuloso, extorquindo 40% na pensão das viúvas?  Isso já é história que se prolonga por décadas de natais.

Você sabe, Santo Velhinho, que Governo adora mandar e eu não gosto de quem gosta de mandar em mim. Aliás, você me ensinou que Governante gosta de mandar para ser uma classe social especial: a classe que pode legislar privilégios para si própria. E isso no Brasil é praga...

Pois bem, o Governo agora se arrogou o direito de cogestor dos Fundos de Pensão. E sabe o que Governo e a Previ, segundo a ANABB, até inventaram contra nós, os sócios contribuintes? Paradigmas flexíveis! Sabe que eles descobriram que minha expectativa de vida é flexível? Sim, nos anos de superávits minguados o associado da Previ vive tanto quanto os demais brasileiros, mas nos anos de superávits abundantes o associado da Previ vive mais que os demais brasileiros! Os portugueses devem estar rindo de nós, brasileiros. Sim, segundo a ANABB, Governo e Previ e Banco do Brasil inventaram paradigmas flexíveis que transformaram 30 bilhões de superávit em menos de 2 bilhões.

Já existem índices flexíveis contra nós, por que não podem existir a nosso favor? Quando falei aqui pela primeira vez sobre isso, até pensei, Simpático Velhinho, que estava pretendendo o impossível, a utopia. Agora vejo que a utopia malvada já se transformou em realidade, justificando o que disse Einstein: ALGO SÓ É IMPOSSÍVEL ATÉ QUE ALGUÉM DUVIDE E ACABE PROVANDO O CONTRÁRIO.

Papai Noel, todos agora temos no máximo 360 contribuições para a Previ. Mas, estranho, o valor da aposentadoria não corresponde para todos esses contribuintes à totalidade do salário de contribuição! Você não pode mandar reparar essa injustiça flagrante?

Não nos iludamos. O mundo está cheio de empreendimentos que, subitamente, apesar de todos os informes legais fornecidos periodicamente, surpreenderam os sócios com insucesso irrecuperável. A própria história da Previ, mandada editar por recente diretoria, fala de dificuldades enfrentadas no passado pela instituição, em razão de desvios administrativos. Por isso, acho que temos o direito à transparência muito mais ampla, a respeito da Cassi e da Previ.

Vou me deter por aqui. E peço para concluir, inclusive como mensagem de Natal e Ano Novo, tratando brevemente de assuntos mais amenos.


“Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho. A felicidade é a viagem, não é o destino.”
Henfil

“Quem tem um porquê na vida, sempre conseguirá o como.”
Nietzsche

Cortar o Tempo
Carlos Drumond de Andrade

Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
A que se deu o nome de ano,
Foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança
Fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano
Se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez,
Com outro número, e outra vontade de acreditar
Que daqui para adiante vai ser diferente...

...Para você,
Desejo o sonho realizado.
O amor esperado.
A esperança renovada.

Para você,
Desejo todas as cores desta vida.
Todas as alegrias que puder sorrir.
Todas as músicas que puder emocionar.

Para você neste novo ano,
Desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
Que sua família esteja mais unida,
Que sua vida seja mais bem vivida.

Gostaria de lhe desejar tantas coisas.
Mas nada seria suficiente...

Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos.
Desejos grandes e que eles o possam mover a cada minuto,
Ao rumo da sua FELICIDADE!!!

Nota. Em 2009, apenas tínhamos aqui no Rio dois hospitais de primeira categoria: os Copa d'OR da Barra e da Quinta da Boa Vista. Passava pelo Copa d'OR de Copacabana e por vezes ia ao Hospital São José, e não entendia por que não podia neles ser atendido. Estes, então, viviam cheios de clientes, inclusive de funcionários da Petrobras. O São José readmitiu os associados da CASSI e o Copa d'Or de Copacabana ingressou no rol dos conveniados com a CASSI  Ainda agora, todavia, não temos condição de ingresso em vários dos melhores hospitais do Rio de Janeiro.








sábado, 18 de maio de 2019

448. Educar Para Administrar, Governar e Progredir (Texto lido no almoço de março/2010 da AAFBB-Rio)


Época de renovação das diretorias da Previ e da Cassi, as  instituições com a delegação de cuidar da segurança da sobrevivência dos aposentados do Banco do Brasil e seus dependentes, o valor máximo na vida de cada um de nós.

A forma atual do processo da indicação dos diretores é a eleição. Assim, surgem aqueles que querem ser eleitos e se julgam qualificados para essas diretorias. Difundem sua intenção. Muitos até se fazem conhecer, mais ou menos, nessa oportunidade.

Cada pretendente tem suas motivações próprias, as explícitas e as implícitas. Buchanan, um Nobel de Economia, formulou a teoria de que em Política o indivíduo humano age egoisticamente, como em Economia. O importante e o ético, isto é, o aceito na administração dessas instituições é que o interesse próprio não avance contra o interesse da coletividade. Outra qualidade imprescindível é a eficiência.

A eleição é a forma atualmente consagrada do processo de indicação dos gestores dessas instituições. É democrática, dizem. Mas, há diversas formas de eleições democráticas: a brasileira, a norte-americana, a venezuelana, a inglesa, a russa, a chinesa, a cubana. Ninguém ousará afirmar que não há nem haverá outra forma de se indicarem os gestores de instituições, nem outra forma de se organizarem as instituições, a não ser esta, a verticalizada em voga nos dias presentes.

No domingo atrasado, o Globo trazia reportagem com o consultor financeiro do Sr. Abílio Diniz, inclusive para as aquisições do Ponto Frio e da Casas Bahia, o mais bem sucedido consultor de negócios no momento presente no Brasil. Na sua empresa não existe presidente nem diretores. Há gestores, todos investidos de poderes iguais. Ninguém ali manda em ninguém. Tudo se decide democraticamente, no diálogo. A cada semana, os gestores se revezam na gestão dos diferentes portfólios da empresa, empresa com organização horizontalizada. É mais democrática. É novidade. É mudança para melhor. É gestão mais transparente.

E nas eleições deste ano estamos assistindo a uma novidade: AAFBB e ANABB estão compondo chapa única, mas cada delegado representando o pensamento de cada delegante.

No próprio Banco do Brasil, há o processo normal de preenchimento de cargos por concorrência. Mas há também aqueles casos em que a nomeação se faz por escolha. Ano de 1950, o Presidente Clemente Mariani preocupava-se com a administração da Agência Centro de Salvador, capital de seu Estado natal. Confiava no Inspetor Medina. Pede-lhe, então, que indique um funcionário competente para exercer a função de Contador daquela Agência e lhe restabeleça a ordem. O Inspetor não hesita: O atual Contador da agência de Limeira. Não está credenciado pelas instruções do Banco, porque não é nem  Conferente de Seção. Mas, esse é o cara. O Contador da agência da desconhecida Limeira foi nomeado Contador da Agência Centro de Salvador, após entrevista com o Presidente do Banco. Isso, os romanos chamavam clara cum laude notitia, isto é, FAMA. Décadas de 60 a 80, o Banco precisava de um Gerente para criar a Carteira de Câmbio de Conta Própria, Eduardo de Castro Neiva, sem concorrência, foi nomeado. Para abrir a agência de Londres, Neiva, sem concorrência. Para criar a trading company, Neiva, sem concorrência. Para criar a Diretoria das Agências do Exterior, Neiva, sem concorrência. Para criar a Vice-Presidência da Área Externa, Neiva, sem concorrência. Neiva, nunca advogou uma posição de mando para si próprio. Ele chegava lá, porque era o cara. Era a clara cum laude notitia, a FAMA.   

Cada época tem o seu Homem. Há sete mil anos, o Homem não escrevia. Há dez mil anos, não vivia em cidades. Há setenta mil anos, não pintava. Há duzentos mil anos, já existia, mas ainda não falava. Há trezentos mil anos, nem mesmo existia o Homem.

Todos os outros animais nascem com sua essência formada. O Homem é o único animal que se constrói, dizem os filósofos existencialistas. O Homem não é uma essência. É um processo, cada dia uma nova síntese entre tradição e novidade. Para alguns filósofos a democracia não é o governo da maioria, mas a sociedade do diálogo, onde sempre se faz ouvir a novidade, através da voz das minorias. O Direito e a Nação são os espaços do eterno diálogo. É a eterna tentativa da coexistência das gerações, do passado com o futuro, da tradição com o progresso, da transformação sem revolução. É o enigma social expresso na mitologia grega.

Certamente não verei a Previ e a Cassi com gestões horizontalizadas. Nem verei as gestões da Previ e da Cassi democratizadas de tal forma que sejam entregues pelos associados aos seus delegados, através não de batalhas eleitorais, mas através de um diálogo diáfano, porque iluminado exclusivamente pelos raios da FAMA inconteste daqueles, que mereçam ser ungidos com a missão da gestão dos bens, que asseguram a permanência daquilo que constitui o valor máximo na vida de cada um de nós, a sobrevivência própria e dos dependentes. Votarei para as diretorias da Previ e Cassi naqueles que penso conhecer, mas sobretudo em quem se comprometa ser leal aos associados e manter permanente diálogo com eles, sobretudo que infunda confiabilidade através de uma vida que se faça admirada pelo sucesso em realizações em prol da coletividade dos associados.

Mas, os mais novos que me estão ouvindo, esses assistirão a uma nova era. A cultura e a civilização atuais não mais suportam indivíduos humanos que pretendam assumir atitudes de dominação sobre os outros. Fossem os humanos capazes de lidar bem com sistemas políticos isentos de sanções, muito provavelmente não precisariam de muito – ou nenhum – governo, afirma Christoper W. Morris. Em um mundo assim, O Estado não é abolido. Ele morre, afirmou Friedrich Engels. Isso é uma tradição milenar que já se fazia ouvir, na voz do grande legislador de Esparta, Licurgo: A educação, baseada numa concepção exata da vida, transformaria a face da Terra. E a neurociência hoje suspeita que a amoralidade é uma doença. E tem cura. Outras podem ser, muito outras, as relações entre Estado, Banco do Brasil, Previ, Cassi, funcionários do BB e associados da Previ e da Cassi. E serão, um dia...

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso.
Eu não era negro.

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário.

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque não sou miserável.

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho emprego
Também não me importei.

Agora estão me levando
Mas já é tarde
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

                   Bertold Brecht


domingo, 12 de maio de 2019

447. Foi Isso Que me Ensinaram o Ano Inteiro?



Como informei no texto anterior, em princípios de agosto de 1952, já quase findando o triênio de experiência de apostolado, os jesuítas da Vice-Província do Norte do Brasil nos enviaram a mim, para Louvain, na Bélgica, e o Lira, para Roma. O Lira, portanto, iniciou, então, o curso de Teologia na Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana,
 mantida pelos padres jesuítas em Roma, e considerada de alto padrão de ensino conservador, e eu na Faculté Saint Albert de Théologie, também dos padres jesuítas, igualmente de elevado conceito, mas de estilo de ensino progressista.

No meu trajeto para Louvain, fiz, em 7 dias, a viagem transatlântica de Salvador a Lisboa, cidade onde me demorei quase um mês, num navio da linha C italiana. No trajeto Lisboa a Paris, tive a oportunidade de permanecer uma semana no convento dos jesuítas, no castelo de Loiola, o castelo que foi propriedade de Santo Inácio de Loiola, quando era apenas um nobre de Navarra, onde ferido em batalha, viveu o processo de conversão para a vida religiosa, fundando a Companhia de Jesus, de religiosos, militares de Cristo, os jesuítas (“assim como Jesus”), dedicados, sob especial submissão ao Papa, à conversão do mundo infiel ao cristianismo romano católico, à luz do lema “ad maiorem Dei gloriam” (“para a maior glória de Deus”).

A Faculté Saint Albert de Théologie funcionava num belo e moderno edifício de cor rosa escura, edificado sobre uma colina, algo afastado do centro populoso da cidade, e era frequentemente alvo de voos rasantes de caças da força aérea belga, em treinamento naqueles anos da guerra fria entre o Oeste e o Leste.

Os dois principais professores eram o Padre Pierre Charles e o Padre Lambert. O Padre Pierre Charles gozava de elevadíssimo prestígio e dizia-se que ele era um dos doutores consultados pelos Papas sobre assunto de ortodoxia católica. Na década anterior, quando as tropas alemãs invadiram a Bélgica, ele foi aconselhado a emigrar, embarcando às escondidas em pequeno veleiro, numa vagem transatlântica aventurosa para o Brasil, onde coadjuvou o Padre Franca na fundação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Ele era inteligentíssimo. Suas palestras encantavam pelo brilho, conteúdo, surpresa e humor. Nunca esqueci o início de sua primeira aula, do curso De Deo Incarnato, o dogma da Encarnação, quando ele, usando o discurso, fez da plateia o que bem quis: pôs-nos a rir e até a tamborilar nas carteiras, revelando em seguida que essa reação fora por ele exatamente intencionada, e ainda nos provocou, os alunos de língua portuguesa, informando que se poderia com ele comunicar em qualquer língua, até em Português. O Padre Lambert, professor de exegese do Antigo Testamento, era também um poliglota, que em seu primeiro dia de aula, esclareceu que se podia comunicar com ele em qualquer idioma pátrio dos alunos presentes, exceto Português. O Padre Lambert era autoridade universalmente consultada em matéria de exegese bíblica.

Os conventos dos jesuítas no Brasil, em Portugal, Espanha e Itália abrigam duas classes de religiosos, os sacerdotes e os irmãos, isto é, os que não são sacerdotes, porque sem nível de instrução para exercer o sacerdócio.  Os irmãos dedicam-se à prestação  dos serviços materiais do convento. São cozinheiros, marceneiros, pintores, motoristas, enfermeiros; fazem as compras, os pagamentos e os recebimentos; conservam e limpam o convento e a igreja; cuidam da horta, do jardim e de pequenas criações, etc.  Assim, é claro, na Faculté Saint Albert não havia irmãos jesuítas, apenas padres jesuítas, em razão do alto nível intelectual da sociedade. O cozinheiro era um leigo contratado que, todos os dias úteis da semana, chegava bem cedinho à Faculté na sua camioneta, que à tarde usava na atividade da empresa de representações que possuía. Certo dia, dirigi-me, aí pelas dez horas da manhã, ao auditório da Faculte para ouvir a conferência do famoso Robert Schuman, o luxemburguês que promoveu a criação do Mercado Comum Europru do Carvão e do Aço e me surpreendi ao encontrar o cozinheiro sentado à porta de entrada do auditório, lendo o número do dia do mais conceituado jornal da Bélgica, La Libre Belgique. Detive-me. Provoquei um diálogo e ele me falou do interesse que nutria pelas ideias do notável conferencista. Outra surpresa que admirei casualmente na entrada da Faculté foi a descarga do lixo do edifício. Numa manhã casualmente me deparei com um motorista de um caminhão de lixo, reluzente de limpo, todo fechado, ali parar o veículo, dele descer, recolher a lata de lixo igualmente limpa e perfeitamente tampada, ajustá-la numa válvula na parte traseira do caminhão e devolvê-la fechada e limpa para a calçada! Eu, pagando módica passagem, viajava confortavelmente instalado no elegante, asseado e nunca superlotado bonde elétrico que ligava Louvain a Bruxelas. Os belgas ufanavam-se da autoestrada que cortava o país inteiro, de Leste a Oeste, uns 400 quilômetros, da fronteira com Luxemburgo ao Oceano Atlântico.

Nós, os alunos, éramos de grande variedade de países: belgas, holandeses, franceses, alemães, ingleses, suíços, húngaros, italianos, espanhóis, africanos, oriente médio, indianos, argentinos, mexicanos, chilenos, norte-americanos e até um sul-coreano.

Eu era bem quisto na Faculdade e gozava de prestígio esportivo entre os colegas do internato religioso, tanto que me apelidaram de caoutchou, borracha, por causa de minhas habilidades no vôlei e no futebol. Eu jogava como centro-avante no time de futebol da Faculdade e tinha por principal companheiro de equipe o Dassenois, um jovem jesuíta belga, habilidoso, rápido e driblador ponta-direita, que frequentemente reclamava que eu prendia em demasia a bola e não lha passava. Dassenois era religioso jesuíta belga. Fizera o período de experiência de apostolado como missionário no Congo, completou o curso de Teologia, ordenou-se sacerdote, retornou ao Congo como missionário, onde, durante a guerra da independência, foi assassinado e, se não estou equivocado, é um das dezenas de mártires da Igreja Católica, cultuados na categoria de veneráveis. Poderei, vivo, vir a vangloriar-me de ter sido colega de uma pessoa declarada santa pela Igreja Católica, que convive no céu com Deus.

Quando cheguei a Louvain em setembro de 1952, os famosos padres brasileiros Beltrão e Ávila estavam concluindo o curso de Sociologia na Universidade de Louvain. Ambos eram pessoas de fácil relacionamento e procuraram proporcionar-me condições de rapidamente adaptar-me ao novo ambiente em que me via inserido. Eles residiam num outro convento dos jesuítas no centro da cidade de Louvain. O Padre Ávila, que se tornou membro da Academia Brasileira de Letras e durante décadas foi um dos mais importantes nomes da História da Sociologia no Brasil, me fez herdeiro de um boné usado pelos soldados alemães, invasores da Bélgica na Segunda Grande Guerra. Eu o usava constantemente, quando me deslocava fora da Faculté Saint Albert, embora percebesse que a visão do gorro nazista provocava mal estar por onde eu passava, tanta era a necessidade que sentia de proteger-me do frio. Tive a honra de merecer a confiança do Padre Ávila para coadjuvá-lo na confecção da tese de doutoramento que estava preparando para a conclusão do curso de Sociologia, elaborando o rascunho de modesto tópico de informações históricas nela contido.
                                                                                                    
O clima da Bélgica é frio e úmido. Nascido no nordeste brasileiro, no tórrido clima piauiense, padeci duramente a inclemência do tempo e o tipo de alimentação. Mesmo assim, causou-me surpresa constatar que a mais que milenar cidade de Louvain, cujas ruas escuras e nevoadas no inverno rescendem à tardinha fortemente à batata oleosa assada, guardava ainda nos meados do século XX o costume dos pequenos mictórios públicos, encravados em parede de edifício. Se teve necessidade incontrolável de urinar, porque está frio e bebeu muita cerveja, é só parar, encostar e esvaziar em plena rua! Fui diagnosticado de labirintite, depois de passar por um exame desagradável e esquisito num consultório médico de Bruxelas, em que me colocaram numa cadeira móvel, de movimentos bruscos para cima, para baixo e para as laterais, num vai-e-vem inesperado e preocupante. Recentemente, já neste século XXI, uma médica do hospital Copa d’Or, aqui, no Rio de Janeiro, me garantiu: “Labirintite você não tem!”

Na Faculté Saint Albert éramos dois brasileiros, eu e um gaúcho, ótimo  músico, da turma anterior à minha, que mantinha ótimo relacionamento com o embaixador do Brasil na Bélgica. Por vezes, este com a esposa nos recebia em visita, na própria residência. Naquela temporada passou pela Bélgica o time de futebol carioca Bangu, um dos melhores times de futebol do Brasil e do Mundo naquela época. Fomos convidados, os dois, para assistir à partida de futebol que o time realizou em Bruxelas e nos transportamos para o estádio e do estádio no próprio ônibus da equipe brasileira. O time brasileiro todo era extraordinária atração esportiva, mas, ainda assim, a excepcional habilidade futebolística de Zizinho, meia atacante  da seleção nacional de futebol, era um espetáculo indescritível e inesquecível de dribles em adversários atarantados, que fazia a plateia levantar-se em ondas de aplausos incontidos de palmas, gargalhadas e urros coletivos. Zizinho foi um fenômeno futebolístico! Conseguiram-me a oportunidade de presenciar, na casa de um amigo belga dos padres jesuítas, a transmissão do famoso jogo Brasil x Hungria da Copa do Mundo de 1954, a primeira Copa do Mundo transmitida por televisão. O narrador belga da partida, em língua francesa, Luc Varène, ao longo da transmissão, mostrava-se encantado com a seleção brasileira, que perdeu o jogo por 4 x2, para a famosa equipe de Puskas, e frequentemente mostrava descontentamento com a arbitragem favorável à equipe húngara, acusando a parcialidade do juiz inglês de nada menos que “Voleur! Voleur! Ladrão! Ladrão!” No final não deixei de presenciar a briga da equipe brasileira, no vestuário, inconformada com o resultado, inclusive o arremesso de uma chuteira por Zezé Moreira, o técnico da equipe brasileira, contra o juiz da partida.

Ao longo do primeiro ano do curso de teologia fui experimentando um sentimento de frustação escolar. As faculdades dos jesuítas de filosofia e teologia costumam, ao fim de cada mês, promover uma aula de debate sobre uma matéria do curso,  aula essa explanada pelo aluno que o professor da matéria julga  evidentemente o mais competente para ministra-la. Lembro-me de que o muito justamente escolhido para a primeira explanação foi um jovem aluno espanhol muito inteligente e comunicativo, cuja presença realçava entre os colegas. Estava eu já me conformando com a vulgaridade de meu desempenho, quando, no último mês de ano letivo, maio ou junho, não me lembro exatamente do mês, o Padre Taymans, professor da matéria Teologia Fundamental, a mais importante matéria do primeiro ano do curso, me escolhe para ser o explanador de toda a matéria ensinada no período! Fui à biblioteca, escolhi um livro volumoso e famoso do mais renomado autor, naqueles tempos, sobre a matéria e me tranquei no meu quarto estudando-a durante uma semana. Só me permitia sair para assistir à missa e satisfazer às necessidades de subsistência. No dia aprazado, lá estava eu, sentado na cátedra do mestre, numa sala de aula da Faculté Saint Albert de Louvain, diante de dezenas de universitários do mundo inteiro, o professor Taymans sentado numa cadeira, no meio da minha lateral direita da sala, junto a uma janela fechada com as cortinas descerradas. Abro a explanação resumindo a matéria estudada durante o ano com uma citação de Voltaire que contém o seguinte pensamento: ou o ser humano é um ser da natureza, isto é, um ser natural, cujas capacidades, portanto, são naturais, isto é.  limitadas à natureza, e assim, ele é incapaz de conhecer o sobrenatural, isto é, Deus; ou o ser humano conhece Deus, o sobrenatural, e portanto, não é um ser natural , não é um ser  da Natureza, não é um ser humano, o que é manifestamente um erro. Mal acabara de pronunciar essa introdução, percebi que, no meio da sala, o Howard, um dos colegas norte-americanos da turma, estava de mãos apoiadas sobre a sua carteira, cadeira flexionada para trás, sustentada apenas pelas duas pernas traseiras, e exclamando em voz alta, incontido, emocionado e surpreso: “Foi isso que me ensinaram o ano inteiro?!” Tranquilo e incontinenti replicou o Padre Taymans: “Foi exatamente essa a matéria discutida”.

A resposta do mestre restituiu-me a confiança.

                                                                                                              


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domingo, 5 de maio de 2019

446.O Presidente Foi Meu Aluno



Por 18 anos, dos dez aos vinte e oito anos de idade, fui seminarista e religioso jesuíta. Fui levado para a Escola Apostólica dos Padres Jesuítas em Baturité no Ceará em fevereiro de 1937 pelo Padre Camile Torrend, religioso jesuíta que, no início daquele ano, fora a Parnaíba, minha cidade natal.

No final do ano de 1949 concluí meu curso de Filosofia na Pontifícia Faculdade de Filosofia Cristo Rei, na cidade de São Leopoldo, Estado do Rio Grande do Sul, quando me foi designado o Colégio Nóbrega, na cidade de Recife, capital do Estado de Pernambuco, para início da prática da atividade apostólica, durante três anos, que os jesuítas interpunham, para treinamento de seus futuros sacerdotes, entre os cursos de Filosofia e Teologia.

Mal chegado ao Colégio Nóbrega, no início de 1950, os jesuítas me deslocaram para o Colégio Antonio Vieira, na cidade de Salvador, capital do Estado da Bahia.    O Colégio Antonio Vieira é um dos famosos educandários da rede de ensino dos padres jesuítas no Brasil que, naquela época, abrangia entre outros o Colégio Nóbrega em Recife, o Colégio Loyola em Belo Horizonte, o Colégio Santo Inácio no Rio de Janeiro, o Colégio São Luís em São Paulo e o Colégio Anchieta em Porto Alegre.

Os jesuítas portugueses, expulsos de Portugal em 1910, quando a revolução republicana pôs fim ao regime monárquico, vieram para o Brasil e deram início à Vice-Província da Companhia de Jesus no norte do Brasil. Fundaram o Colégio Antonio Vieira em 1911 e o Colégio Nóbrega em 1917 com o propósito de formar cidadãos cristãos católicos.

O Colégio Antonio Vieira, o Colégio Estadual, o dos Maristas e o  salesiano eram, naqueles anos, os mais conceituados estabelecimentos de ensino da cidade de Salvador. Os Colégios Antonio Vieira e Nóbrega gozavam de elevado prestígio em todo norte e nordeste do País. Embora não mais oferecesse o serviço de internato, o Colégio Antonio Vieira era frequentado por jovens de famílias de alta renda, de todo norte e nordeste,  que   se interessavam por garantir a seus filhos a mais conceituada formação intelectual e moral disponível no País.

Os mais prestigiados educadores do Colégio AntônioVieira naqueles três primeiros anos da década de 50 do século passado éramos eu, que ensinava Matemática e Física nos três anos do Curso Científico e ainda era responsável pela disciplina do externato dos Cursos Científico e Clássico,; o seminarista jesuíta Francisco Menezes, professor de Português e Inglês; e o professor leigo Nascimento, professor de Matemática.

O professor Nascimento era um jovem senhor, extraordinariamente educado e competente. O Francisco Menezes era um jovem cearense, da cidade de Fortaleza, inteligentíssimo, de extraordinária vocação linguistica e ampla erudição.  Sem nunca ter ido aos Estados Unidos, Menezes dissertava sobre esse país, suas cidades, sua história e sua realidade contemporânea como se lá tivesse vivido sempre e de lá houvesse chegado recentemente. Falava e escrevia em uma dezena de idiomas: português, inglês, francês, espanhol, italiano, alemão, russo, japonês, sueco, árabe, latim e grego. Raciocinava e dissertava com extraordinária erudição e brilho. Era, todavia, impressionantemente limitado para a aprendizagem de Matemática!

Meu desligamento da Companhia de Jesus em começo de 1954 teve forte impacto entre os seminaristas das turmas de minha época. O fato calou fundo no ânimo de Menezes que, logo depois, decidiu também deligar-se. Menezes ingressou então na Petrobrás como correspondente em línguas estrangeiras e, em 1964,. quando ocorreu a revolução, Menezes era intérprete do presidente da Petrobras. Ele tinha conhecimento, supunha-se, de muitos dos mais recônditos sigilos empresariais da Perobras.

Rumores narram que anotações escritas de Menezes foram apreendidas, então, pelas autoridades revolucionárias que se depararam com um fato bizarro: em geral, as peças não eram escritas apenas em uma língua, mas em várias, e até acontecia que, por vezes, em idiomas desconhecidos. Assim, as anotações de Menezes exigiam a formação de grupo de intérpretes que, por vezes, se deparavam com escritos indecifráveis. É que o autor tão perito era no uso do Português e das línguas estrangeiras que se divertia escrevendo da mesma forma que, nos tempos de seminário, se divertia misturando em discursos os idiomas e até utilizando os vocábulos na forma invertida. Na Revolução de 64, Menezes foi exilado, trabalhou como locutor em Português na radiofonia oficial egípcia na cidade do Cairo e morou na Suécia.

A genialidade de Menezes se expressava no seu comportamento bizarro. Não posso imaginar como ele soube que eu estava, no final de junho de 1959, em viagem de núpcias, hospedado no Hotel Central de Salvador. Pois ele lá apareceu para nos fazer uma visita. Já tendo saído do hotel, ouvimos um barulho de latas rolando na calçada, e procuramos identificar o que estava ocorrendo. Menezes se divertia chutando as latas de refrigerante que encontrava à sua frente, caminhando pela calçada do hotel!.

Reencontramo-nos novamente em1985, eu, Gerente da Carteira de Câmbio do Banco do Brasil, e ele professor na Universidade de Campina Grande, cidade do Estado da Paraíba, com uma filha funcionária do Banco do Brasil. Consegui satisfazer o desejo dela de transferir-se daquela cidade paraibana para Brasília. Nessa época, eu publicava uns artigos, criticando a política econômica adotada pelo governo do Presidente José.Sarney e Menezes recebia cópia que passava a professor de Economia da Universidade, que colocava em debate pelos alunos.

Como relatei acima, minha função no Colégio Antônio Vieira compreendia, além de ensinar Matemática e Física no Curso Científico, a de orientar o externato dos cursos científico e clássico durante sua permanência diária no colégio pela manhã, e, na parte da tarde, aqueles discípulos que por ventura viessem divertir-se nas duas quadras de futebol que o estabelecimento mantinha à disposição dos alunos.

Havia alunos muito inteligentes. Lembro-me bem do irmão do Orfila, diretor da Petrobras, ambos de minha cidade natal, Parnaíba, no delta do rio Parnaíba; do Albertoni; de um outro, cujo nome omito, que era de família riquíssima e tinha consciência de que não necessitava estudar nem trabalhar para sobreviver e bem; dos filhos do gerente da agência central do Banco do Brasil em Salvador, dois jovens brilhantes; e dos três irmãos Calmon: José, Fred e Ângelo.

Fred preparava-se para submeter-se ao vestibular de Direito e estudava Física somente para passar e eu o apertava nas provas de Física no fim do mês; José era brilhantíssimo em Física e Matemática, e Ângelo, além de brilhante nas duas matérias, era de uma presença e comportamento seguros, dignos, ponderados, racionais e dominantes. Os três irmãos Calmon eram três admiráveis jovens cidadãos!

À tarde o portão de entrada e saída dos alunos ficava aberto até as 18horas e eu permanecia, a tarde inteira, supervisionando os acontecimentos que ali ocorriam e resolvendo os problemas que surgissem. Por vezes participava de partidas de futebol como árbitro e até mesmo como jogador.

Numa daquelas tardes, creio que por abril de 1952, Ângelo já cursando o primeiro ano da Faculdade de Engenharia, eu, batendo bola com alguns alunos na quadra de futebol próxima da entrada dos alunos, o avisto atravessando o portão e caminhando, no seu passo cadenciado, consciente e solene, sob a copa frondosa do mangueiral, em minha direção. Ele estaca diante de mim e me apresenta o primeiro trabalho que acabara de produzir.na Faculdade, uma bela ampulheta, feita sob rigorosas medidas por ele determinadas e de um material leve, fino e belo. E me transmite a mensagem que o trouxera até o Colégio: “Professor Amorim, por que o senhor não ensina na Faculdade de Engenharia? Lá não existe professor algum igual ao senhor!”

Numa tarde de agosto daquele ano de 1952, o externato do Colégio Antonio Vieira em peso estava reunido no porto de Salvador para se despedir dos religiosos jesuítas Amorim e Lira, que embarcavam num navio transatlântico da Linha C com destino à Lisboa, para cursar teologia em universidades da Europa, eu na Universidade de Louvain e o Lira na Universidade Gregoriana de Roma.

Vinte e dois anos transcorridos, três horas da tarde de 28 de fevereiro de 1974, possuído internamente pelo sentimento de tristeza de a vida não me ter dado a oportunidade de assistir à cerimônia de investidura do meu ex-aluno na Presidência do Banco do Brasil, toca o meu telefone de Gerente da Carteira de Câmbio do Banco do Brasil. Atendo. e ouço a voz de meu ex-aluno de Matemática e Física, no Colégio Antônio Vieira, em Salvador no início da década de 50, Ângelo Calmon de Sá: “Boa tarde, professor! Quero comunicar-lhe que acabei de tomar posse na Presidência do Banco do Brasil e que o faço tranquilo, porque você ocupa essa Gerência da Carteira de Câmbio.”

Eu não me esquecera de Ângelo e Ângelo não me esquecera..