domingo, 25 de março de 2018

409. A Marcha Rumo à Barbárie



A humanidade hoje forma uma sociedade global sobre o planeta Terra. Essa seria a constatação do alienígena inteligente que ocupasse a plataforma espacial que orbita o planeta. Essa sociedade global é frouxamente argamassada pelos princípios que regem a Organização das Nações Unidas. Esses princípios fundamentam uma sociedade civilizada, uma sociedade de convivência urbana, cujo valor fundamental e supremo é a dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana é o respeito, a veneração que o valor, a grandeza da pessoa humana inspira. E a grandeza da pessoa humana é suprema, excelente, tudo supera, por que a pessoa humana constrói o mundo em que vivemos: “O Universo não seria grande coisa, se não fosse a morada das pessoas que amamos.”(Stephen Hawking)

As coisas aí estão fora de nós e dentro de nós. Não as intuímos. Elas simplesmente existem. Elas simplesmente nos atingem, nos incitam, nos provocam.  E reagimos, criando o Universo. O Universo é o que o indivíduo humano constrói. (Emanuel Kant) O Universo é o que eu quis e pude fazer. Eu sou a pessoa, que eu quis e pude fazer. O Universo nada mais é que o espaço onde o indivíduo humano realiza sua tragédia individual. O palco onde a pessoa humana encena a peça trágica da própria existência, o naufrágio. (Karl Jaspers) O fim inexorável do ser vivo é a morte, o naufrágio do indivíduo humano. O fim inexorável do ser inanimado é a dissolução, possivelmente a entropia universal, o naufrágio universal.

Nietzsche, o Aristipo dos anos pós-modernos, explica esse Homem contemporâneo, o homem animal racional, o ser mais perfeito, o mais excelente ser gerado pela Natureza, ser da Terra, animal dionisíaco e apolíneo, animal do prazer e da razão: “O super-homem é... o homem que ama a terra e cujos valores são a saúde, a vontade forte, o amor, a embriaguez dionisíaca.” (História da Filosofia, de Reale e Antiseri) Nietzsche é o filósofo da pós-modernidade, do homem contemporâneo, o homem da Belle Époque que se descreveu na lixeira de Paris - “Amar, comer, beber e cantar, isso é a felicidade." - mas, que Nietsche antevia na imagem mais completa do super-homem, o homem egocêntrico, muito mais assemelhado aos senhores da guerra como os Kung, os Putin, os Trump, os Bush: “Existe uma moral dos senhores e uma moral dos escravos... O homem de tipo nobre sente a si mesmo como aquele que determina o valor, não tem necessidade de receber aprovação; seu julgamento é aquilo que é prejudicial a mim, é prejudicial em si mesmo, ...ele é criador de valores... Tal tipo de homem é soberbo justamente pelo fato de não ser feito para a piedade.” Olavo Bilac sintetizou a mentalidade do homem contemporâneo com este verso que ressoa como uma tempestade, como raios e trovão para uma mentalidade  tradicional: “Terra, melhor que o céu! Homem, maior que deus!” O homem contemporâneo “explodiu em vigoroso sentido trágico, que é a aceitação extasiada da vida. coragem diante do destino e exaltação dos valores vitais. A arte trágica é corajoso e sublime sim à vida (História da Filosofia, Reale e Antiseri)

O mundo de Nietzsche já foi aplaudido o como se realizando, no auge do capitalismo liberal, início do século passado, quando Herbert Spencer foi triunfalmente acolhido nos Estados Unidos pela classe dominante, porque antevia, baseado na teoria da evolução, que a humanidade seria depurada dos seres humanos inferiores, as classes inferiores, pela fome, pela doença e pela guerra, sobrevivendo exclusivamente a descendência dos homens mais dotados pela natureza, os da classe dominante, os capitalistas, os donos da riqueza e do poder. (A Era da Incerteza, de Galbraith)

Esse universo de Nietzsche acolhe o grande herói, o solitário vivente, a pessoa humana solitária do Super-homem com o seu capitalismo açambarcador, o capitalismo liberal, o dono de toda a riqueza, capitalismo condenado pelo próprio Adam Smith (“Pessoas do mesmo ramo raramente se reúnem, ..., mas quando o fazem, a conversa termina numa conspiração contra o público, ou então num conluio para aumentar os preços.”), o filósofo que primeiro o analisou; combatido por Karl Marx (“De tudo isso torna-se manifesto que a burguesia não está em grau de permanecer ainda muito tempo como classe dominante da sociedade... Não é capaz de dominar, porque não é capaz de garantir a existência do próprio escravo...”, noutros termos, o acúmulo desmedido de renda nada aloca para o operário que é o adquirente da produção do capitalista...a roda da fortuna capitalista  circulante para.);   e repudiado por Max Weber, o Epicuro da pós-modernidade, um dos quatro mais eminentes personagens da Sociologia (“A ânsia desmedida de ganho não é de fato idêntica ao capitalismo...o capitalismo é idêntico à tendência de ganho em uma racional e contínua empresa capitalista, ao ganho sempre renovado, isto é, à rentabilidade.”); nem mesmo é a descrita pelos economistas como a mais eficiente e muito menos como a mais justa (Introdução à Economia, de Paul Krugman: “Quando os mercados não alcançam a eficiência, a intervenção do governo pode melhorar o bem-estar da sociedade.”).

A Economia, que é adotada em todos os países atualmente, é a economia democrática, a economia social, resultante do consenso direto de toda a população, regida pelo princípio da justiça, operada pelos princípios da eficiência e da liberdade, fundada nos princípios do primado do trabalho e da dignidade da pessoa humana. Essa economia é produto cultural da evolução trimilenar por que passa a sociedade humana e que Max Weber interpreta como desenvolvimento determinístico rumo ao refinamento civilizatório sob o progressivo influxo da racionalidade criadora dos valores que orientam a conduta individual e coletiva. Essa é a característica progressista da cultura contemporânea, a contínua ascensão do espírito apolíneo, da racionalidade, da ampliação do espaço do conhecimento, da ciência, da tecnologia, da cooperação, da ética e do Direito: um mundo construído lealmente por todos os indivíduos humanos e para todos os indivíduos humanos.

Nossa Constituição de 1988 foi redigida, pois, sob vigorosa influência do mais refinado e atualizado conceito de Humanidade, Sociedade e Estado atualmente existente. Ela se funda no valor supremo da pessoa humana:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, ... constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
 I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
 Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

E, por isso mesmo, ela determina:
 “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Nova redação dada pela EC nº 42, de 2003)
Redação original:
VI - defesa do meio ambiente;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;

:::::::::::::::::::::::::::::::

Art. 173. .......
§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
 Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

Ante tudo isso que foi exposto, concluo que se está regredindo para a barbárie e não avançando para a civilização, bem como afrontando a Constituição, quando o Banco do Brasil ousa propor retirar seu patrocínio e sua contribuição de saúde, CASSI ASSOCIADOS, para o grupo de aposentados e pensionistas, ou se nega a aumentar o valor de sua contribuição, ou quando propõe retirar-se do contrato de patrocínio no plano de previdência para aposentados e pensionistas. Se em 1913, quase um século antes da Constituição atual, os acionistas do BB liberalmente decidiam por esses benefícios por motivo de DIGNIDADE, não podemos logicamente concluir que aqueles acionistas julgariam tais propósitos uma INDIGNIDADE ?

Não seria tudo isso, e também tanto o §3º do artigo 202 da Constituição (igualdade de contribuição do Patrocinador com a do Participante, Emenda 20, de 1998 – Emenda 20, de 1998), quanto o artigo 17 da LC 109/2001 (artigo contratual de execução futura NÃO GERA DIREITO, TANTO QUANTO A DE EXECUÇÃO PRESENTE, MAS APENAS EXPECTATIVA DE DIREITO!) marcha igualmente rumo à barbárie e uma afronta à Constituição Democrática do Brasil?!

Claro que a política de mecanização da atividade bancária deve ser adotada pelo Banco do Brasil. A mecanização é a transferência do fardo do trabalho para a máquina. O homem, na sua história de duzentos mil anos, transferiu o trabalho para forças da natureza como o vento e a correnteza da água, para os animais, para outro homem de diversos modos, até pela escravidão, e agora para as forças químicas e físicas. Isso é faceta importante e característica dessa marcha multimilenar para a civilização. Mas, ela não pode ser feita para o usufruto de apenas alguns, os mais dotados pela natureza ou pela sorte, e prejuízo da grande maioria, simplesmente por um motivo, como há já centenas de anos explicou Étienne de la Boétie e replicou Wilhelm Reich: “O surpreendente não é que os povos se revoltem, mas sim que não se revoltem!” E num ambiente de revolta inexiste sociedade, inexiste esperança de vida para ninguém!... NA MEDIDA EM QUE SE SUBSTITUIR O TRABALHO PELA MÁQUINA, A HUMANIDADE ESTÁ OBRIGADA A REPARTIR O BENEFÍCIO DA MÁQUINA POR TODA A POPULAÇÃO, em razão da dignidade da pessoa humana. É a marcha para a barbárie, substituir o trabalho humano pela máquina, transferir o ônus de sua subsistência para a PREVI, e simplesmente afirmar, do alto de sua imaginária EXCELÊNCIA, nada mais me vincula a esse trabalhador, extinguiu-se meu compromisso de Patrocinador.

Pondere-se, ademais, que toda a riqueza é produzida pelo trabalho humano porque, como expressa a Constituição, o Primado é do trabalho. O trabalhador cria o capital e até a Terra só produz na medida que o homem a cultiva. O trabalhador produz e o capitalista se apropria de toda a sua produção. Logo, no regime capitalista toda a contribuição para um plano de benefício é recurso do empresário, do  Patrocinador, riqueza que ele investe diretamente no plano de benefício, na modalidade de sua doação ou contribuição, e na modalidade de contribuição do Participante. O EMPREGADOR É O RESPONSÁVEL ÚNICO PELA SOBREVIVÊNCIA DO PLANO DE PREVIDÊNCIA E DO PLANO DE SAÚDE DOS EMPREGADOS.

Por fim, fico pasmo, ante os artigos acima expostos de nossa Constituição, com os termos de reforma que nossas autoridades dizem implantar em nosso País. Completa omissão no que tange ao abuso do poder financeiro, quando se cobram juros de 9% (nove por cento) ao mês, 400% (quatrocentos por cento) ao ano e só se vende a preço cotado a prazo, sob o evidente disfarce de que não existem juros num negocio pago a prestações que podem arrastar-se por décadas!

Salta aos olhos. Vive-se numa sociedade maquiavélica. Marcha-se para a barbárie, sob o véu de uma Constituição que pretende nos inserir no movimento mundial rumo à civilização!

  






terça-feira, 13 de março de 2018

408. Diálogo com um Amigo Anônimo. Conclusão



Neste mundo contemporâneo da economia capitalista, o trabalhador produz a riqueza, mas ela pertence ao capitalista. O indivíduo humano produz, mas somente tem valor o que a sociedade ambiciona. O indivíduo humano produz, mas somente é admitido no mercado, a sociedade da riqueza, quem produz algo ambicionado. O marketing estimula a geração de pessoas e só admite a sua eliminação por processo natural, criminalizando até mesmo a opção pela autoextinção em situação de extrema carência. O capitalismo precisa do trabalhador, não como a pessoa que ele é, mas como fator de produção, que é valorizado pela riqueza que produz, pela riqueza que acrescenta à propriedade do capitalista, o dono da riqueza produzida pelo trabalhador.

A ciência econômica nada mais é que uma análise da economia que existe e avaliação de todos os tipos de economia que já existiram. As economias mudaram à medida que os indivíduos humanos mudaram. E outras formas econômicas surgirão à medida que a cultura humana se amplie e a civilização se refine.

A Constituição Brasileira de 1988 fundou um Estado democrático do bem-estar social, cujo primado não cabe ao capital, mas ao trabalho. (Artigo 193) Trata-se, pois, da organização de uma sociedade mais refinada, de uma sociedade que tem raízes numa cultura e civilização que teve início há cerca de três mil anos, quando o povo helênico se imaginou pertencente à família dos deuses, gerado no divino abraço eterno do firmamento (Urano) com a terra (Geia). Essa ideia da origem divina da Humanidade foi herdada pelo  povo romano, que reverenciava seu imperador como um deus e punia os cristãos com a morte, porque recusavam prestar-lhe o culto da adoração. Nada obstante, o cristianismo propagou-se por toda a Europa, reformulando a cultura e a civilização, graças à pregação paulina da divinização do indivíduo humano (Romanos 9: “...o Espírito de Deus habita em vós...”e 12: “Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus.”).

Essa ideia multimilenar de uma predominância humana sobre todas as coisas voltou a sofrer influência dos primórdios da filosofia grega no início do segundo milênio da Era Cristã e, sob a influência de Emanuel Kant e as informações da Ciência, constitui a estrutura da cultura e da civilização contemporânea, a tal ponto que levou Olavo Bilac, naquela que julgo a mais importante poesia por ele escrita, “A Alvorada do Amor”, irromper num verso excepcionalmente sintético, porém blasfemo, horripilante e insano para uma mente religiosa: “Terra, melhor que o céu! Homem, maior que Deus!”.

O homem é a medida de todas as coisas, afirmou Protágoras. A partir de então, há dois mil e seiscentos anos, o Homem passou a compreender o Mundo, a sua existência e a sua dignidade. Esse pensamento de Protágoras, repensado por Emanuel Kant, que tinha a consciência de haver, como Copérnico, revolucionado também a cultura humana, já que invertera a centralidade do Universo do objeto conhecido, a Natureza, para o sujeito conhecedor, o homem: o homem cria o Universo em que vive.

O valor das coisas é um julgamento humano, que é uma medida, porque é uma comparação, uma avaliação. O que é um valor? É o que é útil, o que é bom para alguma coisa. Mas, as próprias coisas, tais quais exatamente as vivencio, são criações minhas. Cada pessoa cria o seu mundo. O mundo, que crio (eu crio a luz, eu crio o som, eu crio o medo, eu crio o amor, eu crio o ódio, eu crio a alegria, eu crio o prazer, eu crio a dor, eu crio o sofrimento, eu crio a palavra, eu crio o pensamento, eu crio o julgamento, eu crio a verdade, eu crio o bem e o mal)) e em que vivo, é, via de regra, muito semelhante ao do outro, que está ao meu lado, cria e em que vive, mas não é exatamente igual.

A convivência entre as pessoas é convivência de mundos diferentes. Por vezes, é até convivência de mundos muito diferentes. Há pessoas que vêem pessoas e até monstros que somente elas vêem, que ouvem vozes que somente elas ouvem,  que vivenciam coisas que somente elas vivenciam. Os seres mais importantes do mundo, portanto, são os seres que criam os mundos, a saber, os seres humanos.

A sociedade, pois, é a convivência de mundos semelhantes e até bem diferentes. Assim, o mais importante na sociedade são os indivíduos humanos, os criadores do universo vivente. São os senhores do universo. São a medida do bem e do mal, da verdade e do erro. São seres autônomos, livres, senhores de seu mundo, um mundo indevassável.  A pessoa humana, pois, ostenta o máximo valor entre as coisas do Universo. A dignidade da pessoa humana, portanto, é suprema, é absoluta.

Dignidade é o respeito, a reverência, a veneração que o valor de um indivíduo inspira. Quanto mais valioso o indivíduo, mais digno ele é. Ora, nada pode superar o poder de criar o mundo. A dignidade corresponde ao grau de excelência de uma pessoa. Excelência é a superação, o valor supremo.  Pessoa humana, o criador do mundo, é a superação suprema, a máxima excelência. A pessoa humana orna-se da máxima dignidade.

Foi por isso que a Constituição Brasileira fundou o nosso Estado, a nossa sociedade organizada, no valor da pessoa humana, o valor supremo do Universo. O Estado Brasileiro existe para que o indivíduo humano viva com a dignidade do criador do Universo, realizando-se e criando um mundo venturoso, enquanto hígido, e indefectivelmente certo de que a geração de seus descendentes cumprirá respeitosa, reconhecida e lealmente o contrato previdenciário de uma existência condigna nos anos de invalidez e incapacidade.

O valor supremo da pessoa humana impõe que, ao longo de toda a sua existência, se comporte com a máxima dignidade - conduta ética irrepreensível – e usufrua de condição de vida confortável, isto é, numa sociedade organizada, democrática, operosa e do bem-estar social.

É, pois, incompreensível, absurdo, nos dias atuais, e ante as cláusulas do contrato constitucional brasileiro, que se pretenda colocar sob a responsabilidade do assistido – o incapacitado, o inválido – o ônus previdenciário de sua sobrevivência, tanto mais que, desfalcado seja pelo motivo que for, esse seguro já foi pago, na época de atividade e nos valores tecnicamente calculados que lhe foram impostos, e colocado pela LC 109/2001 sob a supervisão do Patrocinador, o proprietário de toda a renda, e a fiscalização do Estado.


domingo, 4 de março de 2018

407. Diálogo com um Amigo Anônimo (continuação)


4. “Porém, o termo patrocinador, adotado pela legislação da previdência complementar brasileira por influência da legislação norte-americana, não traduz fielmente a realidade, pois em geral os planos de benefícios brasileiros, operados por EFPCs, não são financiados exclusivamente por seu patrocinador, mas também pelos seus participantes. Copiou-se, pois, o termo técnico “patrocinador”, e não o seu significado. No Brasil, em termos práticos, a regra geral é o copatrocínio por parte dos empregadores, já que o financiamento do plano de benefícios é compartilhado pelo patrocinador e pelos participantes e assistidos.”

Concordo neste ponto: a legislação brasileira pode ter sido influenciada pela norte-americana no adotar o conceito de patrocinador para designar uma pessoa jurídica que decida doar recursos para serem gastos nas despesas de sustento de necessitados, incapacitados. Tudo mais que esse texto insinua me parece grave confusão, pois penso ser inadmissível aceitar-se que alguém, mormente um incapacitado, um necessitado seja seu próprio patrocinador. Patrocinador é patrocínio, é relação misericordiosa, dadivosa, de ALTERIDADE de quem tem sobrando com quem está penando por carência. Patrocinador tem a ver com pai, com patrimônio. Tudo isso se liga ao pater famílias da sociedade romana, o poder absoluto do genitor sobre a descendência, as mulheres, os familiares (fâmulos), os serviçais e os bens, as terras, os animais e os escravos, poder esse que, em determinadas circunstâncias, abrigava até aquele, o máximo, sobre a vida e a morte de um recém-nascido.

O conceito fundamental da previdência social brasileira é a proteção social, é o negócio entre o indivíduo e a sociedade, entre o indivíduo e o Estado, entre a geração presente e a geração futura, entre genitores e descendência, como está lá bem claro no artigo 201 da Constituição: o benefício previdenciário é um seguro do Estado, único representante possível de gerações, da sociedade.  O beneficiado é um segurado pelo Estado. É clara a influência bismarkiana: o conceito bismarkiano de previdência social, aprimorado por um século de cultura sob os holofotes beveridgeanos, tradição cultural europeia. E a Previdência Social brasileira foi isso durante quatro décadas, de 1930 a 1970.
                                                                                            
Ela sofreu alteração legislativa na década de setenta do século passado, através da Lei 6435 de 1977, que pretendeu, acredite-se, manter o vinculo entre gerações, entre indivíduo e Estado, embora transplantando parte da responsabilidade previdenciária para o Direito Privado. O que era uma relação entre gerações, uma retribuição filial da geração presente para os incapacitados da geração passada, transformou-se, de fato, num negócio particular de seguro, resultado de mera acumulação de rendimentos de capital, proveniente de eventual ato de benevolência do patrão, o pater familias, o dono de toda a renda - da renda da terra, da renda do capital e da renda do trabalho – o Patrocinador da Previdência Complementar, já que, na sociedade capitalista contemporânea, toda renda da EFPC tem origem na riqueza produzida por uma empresa, seja ela instituída por empresa privada – individual ou coletiva - ou estatal. A renda do trabalho, com efeito, e até a renda da aplicação dos recursos do fundo têm origem na empresa, a fábrica do lucro, da riqueza.

Essa unidade ôntica foi acolhida pela legislação previdenciária, que foi propositadamente elaborada para limitar a responsabilidade do Patrocinador ao valor que decidisse comprometer na seguridade previdenciária. Assim, instituída a EFPC (Estatutos e Regulamento Básico), o empregador a ela se vincula, por um ato de adesão, o convênio de Patrocínio entre empregador e EFPC (artigo 61,§1º do Dec. 4942/2003, artigo 13 da LC 109/2001 e o artigo 9º da Resolução CGPC Nº 12, de 2002), que cria o relacionamento de Patrocínio, relação jurídica entre empresa patrocinadora e EFPC, inclusive a obrigação de pagar benefício previdenciário, e pode até conter a obrigação de periodicamente pagar contribuição. Já a adesão de Participante, que cria a relação jurídica de Participante, se processa pela simples filiação ao plano de benefícios previdenciários, relação jurídica essa entre pessoa física e EFPC, que cria o direito de a pessoa física perceber benefícios previdenciários, e pode incluir, por mais incrível que pareça, até a obrigação de assistido pagar contribuição (artigo 21 da Lei 109/2001)!

Esses conceitos e relações jurídicas de Patrocínio e Participação são bem distintos e inconfundíveis. O Patrocinador é pessoa jurídica que doa recursos à EFPC para pagar benefícios previdenciários, recursos esses que podem assumir a forma de contribuições periódicas, bem como tem a obrigação legal de supervisionar a EFPC. (Artigo 41,§2° LC 109/2001) O Participante é pessoa física que, preenchidas determinadas condições, adquire o direito a perceber benefício previdenciário pago pela EFPC e pode ter a obrigação de fornecer recursos à EFPC na forma de contribuição.(Artigo 8º, 18 e 19 da LC109/2001)

A legislação previdenciária, em parte alguma, se refere a copatrocínio de Patrocinador e Participante. Ela trata, é claro, de copatrocínio de pessoas jurídicas, de Patrocinadores (Artigo 13 da Lei Complementar 109/2001). Patrocinador gasta, Participante percebe. Patrocinador protege, Participante é assistido. Patrocinador tem renda, Assistido não tem. São polos opostos de uma realidade, de uma situação existencial totalmente oposta, que a lei separou por um biombo protetor, a EFPC, que protege a integridade do capital do Empregador bem como a sobrevivência do empregado incapacitado.

(continua)


domingo, 25 de fevereiro de 2018

406. Diálogo com um Amigo Anônimo

Sensibilizou-me a mensagem que me enviou no blog do Ari Zanella às 16:03 do dia 19/02/18. Tratou-se de um texto elegantemente redigido e expressando ideias bem justificadas. Compreende-se, pois, que experimente irrefreável impulso de analisa-lo detidamente e manifestar, no meu entendimento, as ideias que comungamos e aquelas em que divergimos.

1. Logo de início fui emocionalmente desestabilizado pela expressão vocativa “prezado amigo”. Dizem que Friedrich Nietzsche, o filósofo da pós-modernidade, entendia que a busca conjunta pelo conhecimento seria uma amizade: “Sonho com um amor em que duas pessoas compartilham a paixão de buscar juntas uma verdade mais elevada. Talvez não devesse chamá-lo de amor. Talvez seu nome ideal seja amizade.”

2. “Para clarear ideias acerca de patrocínio, com base em argumentos sólidos, sem achismos.”

Também me horroriza a difusão de ideias irracionais, absurdas, irresponsáveis. Até a opinião, o achismo, para ser respeitável, precisa ser justificada.

3. “O patrocinador é a empresa (empregador) privada ou estatal, ou o ente público (União, Estados, Distrito Federal ou Município) que patrocina o plano de previdência complementar para seus empregados ou servidores, conforme disposto no artigo 31, I, da LC 109/2001. A figura do patrocinador de plano de previdência já existia sob a égide da legislação anterior (Lei 6.435/1977) e tem como pressuposto o vínculo empregatício. Já o instituidor tem como pressuposto o vínculo associativo, caso de um Sindicato, Associação, Fundação, etc.”

Concordo. Wladimir Novaes Martinez ensina, no seu Curso de Direito Previdenciário, que “Patrocinador particular é pessoa jurídica, normalmente empresa de porte... Preocupada com a entidade propriamente dita a legislação não cuida de descrever a patrocinadora... A própria EFPC pode ser, e frequentemente é, patrocinadora...  Patrocinador estatal. Certa  organização do Estado empreende complementação...as primeiras foram estatais (Banco do Brasil e Petrobras)... Designa-se provedora a PATROCINADORA INCUMBIDA INTEIRAMENTE DO CUSTEIO COM AS DESPESAS COM O FUNDO DE PENSÃO...” Até a aqui o que o direito previdenciário complementar diz desse ente patrocinador.

Mas, no Direito desportivo, ensina Maria Helena Diniz, no seu Dicionário Jurídico Universitário, que patrocínio é transferência gratuita, em caráter definitivo, ao proponente, de numerário para realização de projetos ou cobertura de gastos para realização de projetos pelo proponente. E acrescenta que, na linguagem comum, patrocínio é proteção, auxílio, amparo.

Penso que, numa análise ampla do direito previdenciário, não podemos nos ater simplesmente ao texto da lei. Por que? Porque o legislador pode ter-se equivocado ao produzir a lei. Trata-se, pois, de minha opinião, não apenas de achismo, pois é inegável que, desde o final da década de 30 do século passado, abundam no Brasil as edições de normas previdenciárias questionáveis e o próprio livro comemorativo do centenário da PREVI diz na página 107: “O modelo de seguridade social preconizado na Carta Magna acabou por não ser posto em prática: sua regulamentação foi sistematicamente postergada e, quando ocorreu, tendeu a contrariar, em alguns aspectos, o próprio  espírito da Constituição.”    

3. “Os fundos de pensão americanos nasceram como planos de benefícios definidos-BD. Ao regulamentar a previdência complementar, com a Lei Federal 6.435/1977, depois revogada pela LC 109/2001, o Brasil foi fortemente influenciado pelo modelo americano, razão pela qual, nas décadas de 70 e 80 do século passado, os Planos de Benefício Definido (BD) eram muito comuns entre nós, inclusive o nosso Previ 1 é de Benefício Definido.”

Desconheço a história e a legislação dos fundos de pensão norte-americanos. Entendo que a lei 6435/1977 tenha sido influenciada por toda a cultura previdenciária mundial, inclusive a norte-americana. Penso, não obstante, que duas orientações foram determinantes: repartir o ônus previdenciário direto entre Estado e cidadão, até antevendo o comprometimento progressivo maior deste no custeio com o fluir do tempo, e toda a longa e rica história da seguridade social brasileira. Braz Cuba fundou o primeiro Montepio no Brasil na primeira metade do  século XVI, ainda nos primeiros passos do Brasil colônia. No Brasil colonial já existia o Montepio da guarda imperial. No Brasil império existiam os montepios do Exército, dos servidores do Estado, dos ferroviários, dos Correios, e da Imprensa Nacional.   No fim do século XIX existiam associações mutualistas nas principais cidades brasileiras e centenas delas no Rio de Janeiro. Em 1886, quando os funcionários propuseram a criação do montepio do Banco do Brasil, eles invocaram o exemplo de um banco brasileiro, o COMIND, não se reportaram a nada estrangeiro.  Em 1913, a Assembleia de Acionistas do Banco do Brasil decidiu instituir a aposentadoria por invalidez e por tempo de serviço, por este insigne motivo: a INDIGNIDADE DE UM PATRÃO RICO DESAMPARAR EMPREGADO INVÁLIDO, bem como tempo de serviço EXCESSIVO (ACIMA DE 30 anos) e, atente-se, INDIGNIDADE ATÉ EM EXIGIR EXAGERADO TEMPO DE SERVIÇO! Em 1920, O BB tornou obrigatório o ingresso na Caixa Montepio (pensão). Em 1923, editou-se a lei Eloy Chaves. Em 1933, cria-se o primeiro Instituto de Aposentadoria e Pensão. Toda essa história antecede o new deal de Franklin Roosewelt que, em 1937, declarou em discurso aqui no Rio de Janeiro: “Despeço-me esta noite com grande tristeza. Há algo, no entanto, que devo sempre lembrar. Duas pessoas inventaram o New Deal: o Presidente do Brasil e o Presidente dos Estados Unidos.”
Acho que a ideia de patrocínio, pois, é legitimamente nacional. Pouca influência advinda do estrangeiro, se considerarmos legitimamente brasileira o que nela existe de herança portuguesa. E, atente-se, o próprio autor do New deal norte-americano, o Presidente Roosevelt, se envergonhava de que lhe atribuíssem EXCLUSIVAMENTE a PATERNIDADE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NORTE-AMERICANA. Fez questão de reconhecer publicamente a influência brasileira na sua decisão. O Estado brasileiro e o patronato brasileiro, pois, na minha modesta opinião (não se trata de achismo) possuíam, já na época do New Deal, multicentenar tradição de patrocínio previdenciário estatal e privado. Aquele, o New Deal norte-amricano, foi, sim, influenciado por esta, a providência social brasileira, é o próprio autor do New Deal que o confessa!

(continua)

  

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

405. O Patrocínio no Reino de Maquiavel


No ano de 1891, a Terra já tinha a Previdência Social e Maquiavel outorgava ao povo uma constituição, onde se concedia exclusivamente aos militares e aos servidores públicos o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez. O Banco do reino também concedia aposentadoria por invalidez. Mas, falecido o funcionário, a família ficava à míngua.  

Cinco anos passados, a solicitação dos empregados do Banco do reino para que este, a exemplo do banco dos ricos cafeicultores (Banco Comércio e Indústria de São Paulo), embora com recursos próprios inferiores e até modesta contribuição dos funcionários, criasse o fundo para concessão de pensão, foi negada. Em 1904, a insistência dos funcionários foi coroada de êxito parcialmente: o Banco do reino concordou com a criação do fundo (Caixa Montepio) com recursos regulares dos funcionários e outros que porventura angariassem. Nenhum compromisso de contribuição da parte do do Banco do reino. Verdade seja dita, no final do ano, o Banco do reino doou à Caixa recursos no valor de 2/3 da contribuição dos sócios. Somente em 1911, o Banco do reino assumiu o compromisso de contribuição semestral em determinado valor.

Em 1909, o Banco do reino de Maquiavel ponderou: “Não seria digno do Banco desamparar seus servidores na velhice e na invalidez...” e, em 1913, a Assembleia dos acionistas do Banco aprovou a seguinte regulamentação da aposentadoria: “O empregado que...for considerado inválido, tendo mais de 10 anos de serviço efetivo, terá direito à aposentadoria, ... com tantas trigésimas partes dos vencimentos do seu cargo quantos forem os anos de serviço apurados; ... o empregado que contar mais de 30 anos de serviço efetivo terá direito a ser aposentado com todos os vencimentos do cargo que exercer, provando invalidez.” A aposentadoria integral por invalidez e tempo de serviço (trinta anos) é direito mais que centenário, concedido por assembleia de acionistas! Ressalte-se o argumento: INDIGNIDADE NÃO PAGÁ-LA! APOSENTADORIA TOTALMENTE CUSTEADA PELO EMPREGADOR.

No ano de 1920, o Banco do reino, constatando o sucesso financeiro da Caixa Montepio obriga que todos os funcionários a ela se filiem. A preocupação com a mais segura, exata e eficiente técnica empregada na administração financeira se manifesta no relatório anual de 1922, quando se questiona pela primeira vez o equilíbrio atuarial e se contrata o estudo de dois atuários. Ressalte-se o emprego da técnica atuarial é quase centenário. PENSÃO CUSTEADA PELO FUCIONÁRIO E PELO EMPREGADOR! TEM MAIS DE UM SÉCULO!

No ano de 1923, Maquiavel institui as Caixas de Aposentadoria e Pensão dos ferroviários, que concedia o beneficio de aposentadoria ordinária e por invalidez.

Em 1923, Maquiavel, dizem que pressionado pelas companhias do setor com receio do descontentamento dos empregados, promulga lei criando a previdência privada dos ferroviários. As CAPs eram associações de empregados de uma empresa ferroviária, abastecida por recursos dos empregados e da empresa, e gerida segundo legislação específica. Elas concediam aposentadoria por invalidez e por idade. A aposentadoria por invalidez e a aposentadoria aos 50 anos de idade e 30 anos de serviço tinham por base de cálculo a média dos salários percebidos nos últimos cinco anos de atividade e, dependendo dessa base, poderiam enquadrar-se em um dos cinco níveis, de 90% a cerca de 70% dela: mais alta a base, mais baixa a percentagem.  

Na década de 20 do século passado, o Banco do reino criou um fundo de Assistência aos funcionários afastados do serviço por doença bem como aos atingidos por justificada necessidade financeira. No ano de 1930 cria o serviço médico para os empregados.

No início da década de 30 do século passado, dizem que pressionado também pela corrupção e má administração das CAPs, Maquiavel decidiu substituir as CAPs pelos IAPs (Institutos de aposentadoria e Pensão). Os Institutos eram autarquias ,  abastecidas com recursos dos empregados, empresas e tributo específico, para negociar seguro de aposentadoria e pensão para os empregados de determinada categoria de empregados. A ideia era que somente essas autarquias públicas poderiam ser agentes de benefícios previdenciários.

Nada obstante, em 1934, quando Maquiavel criou o IAPB, os funcionários do Banco do reino, já sócios da Caixa Montepio não foram transferidos para o IAPB. Suspeito que a principal razão haja sido o DIREITO ADQUIRIDO, já que se alegou que o valor da aposentadoria concedida pela Caixa Montepio superava ao do IAPB. NAQUELA ÉPOCA MAQUIAVEL AINDA NÃO TRANSFORMARA DIREITOS FUTUROS EM MERA EXPECTATIVA DE DIREITOS! A partir de então, A Caixa Montepio, em regime de extinção, passou a chamar-se Caixa de Previdência, PREVI. Os funcionários pós-1934 do Banco do reino filiavam-se ao IAPB e contratavam com ele a aposentadoria e a pensão. Os  funcionários pré-1934 pagavam à PREVI a contribuição e dela recebiam aposentadoria e pensão integrais. O Banco do reino de Maquiavel continuou achando que, por motivo de dignidade, estes benefícios deveriam corresponder ao valor do salário no dia da aposentadoria, mesmo para os empregados pós-1934. Por isso, através da PREVI, passou a INTEGRALIZAR-lhes o valor da aposentadoria e da pensão. Assim, a partir de 1934, a PREVI passou a ser a entidade, através da qual o Banco do reino de Maquiavel pagava as suas obrigações de aposentadoria e pensão aos funcionários pré-1934 bem como a integralização de aposentadorias e pensões dos pós-1934. Esse papel intermediário da PREVI era do interesse do banco do reino, porque ele dividia com os funcionários pré-1934 o ônus da previdência, e ambos ainda eram aliviados desse ônus com a renda da aplicação dos recursos da PREVI no mercado financeiro.

Assim, entendo que, DE FATO, DESDE 1934 TODOS OS COMPROMISSOS, inclusive o complemento dos pós-1934, DO BANCO DO REINO COM APOSENTADORIA e pensão PASSARAM MAQUIAVELICAMENTE A SER CUSTEADOS COM OS RECURSOS DA PREVI (do banco, das CONTRIBUIÇÕES DOS FUNCIONÁRIOS PRÉ-1934 e renda da aplicação financeira).

Nada surpreendente que essa situação de entidade em regime de extinção da PREVI apresentasse problemas de liquidez. Em 1943, todavia, a PREVI criou o seu serviço médico, que logo em 1949 seria extinto por motivo de economia. Nesses tempos difíceis, o Banco do reino sempre se portou como heroico e até generoso PATROCINADOR. Fez aportes de recursos, quando necessários, e até manteve a aposentadoria aos 30 anos de serviço e 50 anos de idade, quando Maquiavel elevou para 60 anos a idade mínima para o benefício, no ano de 1949. Nada obstante, os valores dos benefícios, mormente o das pensões, foram-se defasando em comparação com os do IAPB a tal ponto que o desgaste passou a provocar o descontentamento dos empregados.

Em 1957 Maquiavel promulgou a Lei 3238 que, segundo interpretação dos sábios do reino, transformou os direitos criados pelas cláusulas contratuais de realização futura em MERA EXPECTATIVA DE DIREITO! Entendo que ESSA INTERPRETAÇÃO É ABSURDA E DESTRÓI TODA TEORIA E PRINCÍPIOS DO DIREITO CONTRATUAL. Destroi os mais preciosos direitos trabalhistas e a própria previdência social. Todo direito do trabalho é cláusula de realização futura e previdência é contrato de seguro, é contrato de realização futura! ELA DESTRÓI O ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL! ELA DESTRÓI A ECONOMIA DE MERCADO!
Dizem que em 1964, as aposentadorias e pensões concedidas pelo IAPB e pela PREVI eram equivalentes! Não surpreende, pois, que, em novembro de 1966, o Banco do reino, OBRIGASSE, AGORA SEM QUALQUER CONSIDERAÇÃO PARA COM OS DIREITOS ADQUIRIDOS DOS EMPREGADOS, a que todos os funcionários, inclusive os pós-1934 se filiassem à PREVI, que para isso reformara os estatutos. A própria PREVI informou que a modificação se operara por instrução de Maquiavel e que ela contava para a realização de sua missão com “o substancial apoio financeiro e colaboração direta” do banco do reino: o banco do reino tornou-se o Patrocinador da PREVI, isto é, provedor de recursos e de colaboração direta na administração.

Nesse mesmo ano, Maquiavel unificou a Previdência Social numa única autarquia, Instituto Nacional da Previdência Social (INPS). Já no ano de 1967, o reino de Maquiavel limitava sua responsabilidade pelas aposentadorias e pensões até 10 salários mínimos, elevada para 20 salários mínimos seis anos depois, e hoje reduzida a cerca de 6 salários mínimos apenas! Maquiavel, então, promoveu a transformação da previdência social de direito de determinadas categorias de empregados urbanos em direito do cidadão brasileiro. Entendo, porém, que o fez desconsiderando, em determinadas providências, a diferença conceitual e jurídica de previdência social e assistência social. Esse equívoco, no meu entender, bem como a má administração da previdência social desde a época dos IAPs, foram responsáveis por muitos problemas apresentados pelas finanças públicas do reino de Maquiavel, ao longo de décadas.

Na década de 70 do século passado, registrou-se, inclusive entre as empresas estatais, o fenômeno da proliferação de fundos de pensão com benefícios definidos de aposentadoria e pensão como o do banco do reino. Maquiavel criou o Ministério da Previdência e promulgou legislação sobre os fundos de pensão.  Maquiavel promulgou, então, em 1977 a lei 6435 sobre a previdência complementar que somente foi revogada em 2001, quando promulgou nova lei sobre a matéria. Naquela lei, como nesta, ele mandava que as decisões na previdência complementar fossem tomadas no interesse do Participante, e a atividade do fundo estivesse engajada na política de PROGRESSO e bem-estar do reino. Nada obstante isso, vedava. por outro lado, qualquer  aumento permanente real nos benefícios previdenciários dos planos de benefícios definidos. Admitia tão só concessão de aumentos temporários de, no máximo, 25% do valor do benefício. Como se vê, O ASSISTIDO DA PREVIDÊNCIA É A ÚNICA CATEGORIA DE CIDADÃO PROIBIDA DE USUFRUIR DO PROGRESSO DO REINO PARA O QUAL, NADA OBSTANTE, É OBRIGADO A COLABORAR! Maquiavel procurou, sobretudo, dotar o reino de dispositivo administrativo eficiente e fiscalizador eficaz. Consta que nessa época o banco do reino atuou, de fato, como Patrocinador, havendo até, entre outras coisas, assumido o ônus financeiro decorrente de fatores estranhos ao plano previdenciário.

Nota: este texto é composto com base no livro “Da Caixa Montepio À PREVI”, comemorativo do centenário da PREVI e por esta distribuído.

(continua)

domingo, 7 de janeiro de 2018

404.A Previdência no Reino de Maquiavel


A Constituição de Maquiavel, como vimos, fundou um Estado republicano democrático do Bem-Estar Social.

Foi dividida em dez títulos, o último tratando das disposições constitucionais transitórias e o penúltimo das disposições constitucionais gerais.  O Título VIII, portanto, é o coroamento da constituição. Trata do assunto exatamente para o qual o Povo se reuniu, através de seus representantes, isto é, ali naquele título, está descrito o Estado que o Povo quis criar. Ali está o que o Povo quis alcançar. É por isso que esse Título se inicia com um diminuto capítulo, o mais diminuto capítulo da Constituição, não completa duas dezenas de palavras, mas o terceiro mais importante, e sob certo aspecto, a finalidade, o mais proeminente: “Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”

O Estado foi criado para criar condições que gerem oportunidades tais que todos os cidadãos hígidos trabalhem em empregos que proporcionem remuneração compatível com a dignidade humana (justiça social) e propiciem a realização pessoal (bem-estar). A sociedade civilizada é, sem dúvida, aquela idealizada pelo lord Beveridge, a sociedade liberta dos grandes flagelos: a escassez, a doença, a ignorância, a miséria e a ociosidade.

O cidadão hígido do reino de Maquiavel, pois, tem o direito ao trabalho e a obrigação de trabalhar, de modo que realize o seu bem-estar, na conformidade de suas potencialidades e de sua percepção, enquanto o homem incapacitado por acidente, doença ou idade tem o direito de ser assistido, em condições de vida digna, pelo Estado que lhe deve retribuição pelas contribuições feitas na época da vida ativa.

Há décadas, desde a de trinta do século passado, segundo o livro “Da Caixa Montepio à PREVI”, quando se criaram os Institutos de Aposentadoria e Pensão, que se fala no reino de Maquiavel, de cálculo atuarial, e no entanto, pasme-se, nos dias de hoje, final da segunda década do século XXI, jovens senhores, cheios de vitalidade, ufanos de realizações  e em pleno gozo de saúde,  entram na fruição de fabulosos benefícios de aposentadoria para os quais nem mesmo proporcionaram as contribuições atuarialmente adequadas.

Na década de sessenta do século passado, Maquiavel concordou com o Banco do Brasil em transferir para o Banco do Brasil e seus funcionários o ônus de sua previdência. Previdência é sobrevivência de incapacitado. É relacionamento sustentado nos laços da dignidade humana que unem gerações, laços de amor e reconhecimento da geração presente para com a geração passada, relacionamento, todavia, não gracioso, porque construído sobre um contrato financeiro da mais elevada qualidade. E é precisamente, por isso, porque contrato entre gerações e fundado na dignidade da pessoa humana, que esse contrato só pode ser pactuado entre o indivíduo humano necessitado, parte da geração presente, com o Estado, o único possível representante, ora existente, da geração futura.

Maquiavel universalizou esse desvirtuamento na década de setenta e consagrou-o como mandamento constitucional na década de oitenta do século passado. Desde então, não é mais sobre o Estado, que recebeu fortunas da geração passada que incide o ônus maior da Previdência no reino de Maquiavel, mas sobre os próprios incapacitados da geração presente, como se lê no livro de Economia de Paul Krugman: “Quem paga a previdência social (FICA)?...A razão por que os economistas pensam que os empregados, e não os empregadores, são os que de fato pagam a FICA (previdência), é que a oferta de trabalho...é muito menos sensível ao nível de salários do que a demanda por trabalho... De acordo com esse raciocínio, ...,os empregadores conseguem facilmente passar para eles a carga do imposto, através de salários baixos.”

Essa lição do mestre norte-americano, abre-me nova inteligência desse fenômeno, que se vem repetindo de o Patrocinador de um Plano de Benefícios previdenciários incentivar a aposentadoria dos seus funcionários. Está claramente transferindo para, pasme-se!, os próprios assistidos, aqueles cidadãos incapacitados que não mais têm renda do trabalho, mas têm uma poupança depositada no Estado para sustento de sua sobrevivência, a responsabilidade pelo seu sustento! O trabalhador paga duas vezes o seu benefício previdenciário: antecipadamente na época ativa e posteriormente na época de incapacidade!  E tudo isso é produzido maquiavelicamente: o Plano de Benefícios tem Patrocinador, isto é, quem garante os recursos do fundo de pensão. E isso foi afirmado solenemente, lá no já longínquo 1967, quando coagiu os funcionários a nele ingressarem. Nem mesmo se interessou, então, por dissimular sua intenção, pois já repartia às claras com os empregados o ônus do fornecimento dos recursos, já que até então o assumia integralmente.

Já no final do século passado, Maquiavel, num ato raro de desequilíbrio, contrariando sua característica forma dissimulada de proceder, decidiu transformar o benefício da aposentadoria para os seus novos empregados, incapacitados por tempo de serviço, a uma mera poupança. A aposentadoria por tempo de serviço não mais garante o nível de vida da ativa.  O assistido fruirá o nível de vida que a poupança lhe facultar. E Maquiavel, desde então, engendra meios de incluir em acordos coletivos de trabalho verbas que não geram contribuições para formação de reservas previdenciárias.

Transcorrem mais alguns poucos anos, e Maquiavel decide modificar a própria Constituição, de modo dissimulado, através de representantes do Povo, mas sem permitir a manifestação direta do Povo, declarando, contra todas as evidências, a inexistência de uma previdência gerada pelo emprego, quando a razão de ser da Previdência é precisamente a existência do contrato de trabalho, da relação jurídica empregador/empregado, e essa previdência do empregado é a mais ampla e a mais importante previdência existente: “Art.§ 2º As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. (Nova redação dada pela EC nº 20, de 1998).” Um Bill Gates não necessita de uma previdência durante séculos. Ele até se arvora em Patrocinador de povos africanos paupérrimos, com um quarto ou mais de sua fabulosa fortuna, que supera a de muitos países! Ninguém pode desconhecer que a contribuição do empregado integra o contrato de trabalho do participante e que a contribuição do empregador só existe porque ele é empregador, isto é, participa do contrato de trabalho!

Maquiavel, desde então, utiliza-se desse artigo constitucional para evitar o julgamento das disputas judiciais previdenciárias pelos tribunais trabalhistas, guiados pelo princípio da proteção do trabalhador, a parte mais fraca.
Poucos anos transcorridos, Maquiavel, com base na lei 3238 de 1957, anterior à Constituição republicana democrática do bem-estar social, através do artigo 17 da LC 109/2001 (“As alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de cada participante. Parágrafo único. Ao participante que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria.) passa a desqualificar os direitos futuros dos participantes, gerados por cláusulas do contrato previdenciário, em mera expectativa de direito, isto é, em nada, que se pode arredar sem qualquer obstáculo quando bem aprouver. 
Civilização é urbanização, informação, conhecimento, paz e prosperidade. Civilização é a sociedade onde todos os homens realizam o ideal de Virgílio: “Feliz é o homem que compreende o que é a existência e domina todas as suas angústias, o implacável destino e a estupidez da morte!” Civilização é a sociedade em que todos os indivíduos podem realizar o ideal de Epicuro: “corpo sem dor e mente sem angústia”. Civilização é uma mãe que acalenta em seu seio o filho desde a concepção até a morte! Civilização, diz a Psicologia, é uma vida feliz de realizações numa comunidade de pessoas. Civilização, diz a Economia, é uma vida de intenso e profícuo relacionamento das pessoas, que gera a completa satisfação das pessoas, em nível progressivo ao ritmo da sucessão das gerações. Civilização, diz a Sociologia, é uma sociedade que tem “A fraternidade por princípio, a ordem por base, e o progresso por finalidade.” A fraternidade é o polo de convergência das individualidades, onde elas se transformam em sociedade, no ecossistema da felicidade.
Por isso Maquiavel mantém o lema “Ordem e Progresso” na bandeira do seu reino, o único Estado cuja bandeira ostenta um lema!


  






sábado, 30 de dezembro de 2017

403.O Trabalho no Reino de Maquiavel


Maquiavel, quando percebeu o povo insatisfeito e tão intranquilo que já se prenunciava uma rebelião, tratou de promulgar a mais humana e progressista constituição do bem-estar social, através de áulicos que lhe davam a aparência de uma assembleia democrática. Sugerida a aprovação por referendo popular, Maquiavel evitou-o alegando desnecessidade.

Mas, a Constituição lá estava com o seu mais importante mandamento,  o  parágrafo único do artigo 1º: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Nenhum homem governa este país. Este país é governado pela Lei! Até a mais alta autoridade administrativa se submete à Lei. A Lei é feita pelo Povo. A lei é a vontade do Povo. O Povo autogoverna. Este Pais é politicamente liberal: o Povo detém o poder soberano. Nada obstante, exceto duas ocasiões, nunca Maquiavel se dignou permitir o exercício da soberania popular: “Artigo 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: 
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.”

O segundo mais importante artigo da Constituição é o artigo 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Maquiavel sabia que o Povo, portanto, não queria e não quer um Estado equipado com um dispositivo econômico liberal. Ele pretende que o Estado seja dotado de um dispositivo econômico norteado para o bem-estar social, um tipo de desenvolvimento econômico em que todos os cidadãos gozem de bem-estar, tenham condições de conseguir o seu bem-estar (a vida sem dor no corpo e sem angústia na alma): o ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL.
Compare-se o nível de vida e a exibição de pompa de qualquer habitante das centenas de palácios de Brasília, de capitais de Estado e de sedes de município com a modéstia de hábitos da comandante dos destinos da rica Alemanha, e é flagrante a constatação de que a realidade é governada por normas de conduta à margem dos comandos constitucionais. Atente-se para o panorama atual das atividades da justiça e da polícia e constate-se que a elite empresarial e política no país é governada por lei antípoda da constitucional. Essa disparidade se vai encontrar, de forma atomicamente explosiva, até nos fundos de pensão do reino, onde a elite de diretores e até funcionários públicos, têm sua gorda remuneração municiada pela contribuição até de assistidos que, muitos deles, nem lhes cobre as básicas necessidades da vida.  

A terceira mais importante lei constitucional é o artigo 193: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”
Este é o mais curto artigo da constituição, artigo que é um capítulo! Um artigo que não vejo ser analisado pelos autores de livros didáticos do Direito!

O primado do trabalho, o trabalho é mais importante que o capital, porque ele é que acumula o capital e promove o lucro que forma o capital. O trabalho é que cria o capital. O trabalho humano é que preserva a vida, defende a vida , prolonga a vida, ameniza a vida e aperfeiçoa a vida de forma tal que a torna fruível e digna de ser vivida.  O homem moderno, ao contrário do antigo que preferia a morte à vida, e até preferia não ter nascido, entende que nascer é um bem tão grande que o concebe ser um  direito do próprio embrião humano! Se o embrião humano tem o direito à vida, essa vida a que tem direito só pode ser uma vida digna (sem dor no corpo e sem angústia na alma), uma vida feliz. É inconcebível o direito à miséria, à privação, à desgraça, a nada! É isso que significa o primado do trabalho.

Mas, não é isso que de fato ocorre no reino de Maquiavel. A Constituição manda (artigos 6º e 170-VIII) que todos os cidadãos hígidos trabalhem, mas na realidade treze milhões procuram emprego e não encontram, enquanto umas três dezenas nem emprego mais procuram porque de tanto procurar e não encontrar, desistiram dessa procura do inexistente, conformados com a miséria de uma existência ao nível de uma assistência estatal  básica e precária do Bolsa Família.

Maquiavel, apesar de tudo isso, estimula a substituição do emprego pela mecanização da produção, sob o plausível argumento da eficiência e produtividade, mas sem preparar a população para outro tipo de sociedade e trabalho, nem mesmo proteger o trabalhador da desumana atividade dos trabalhos automáticos, repetitivos, depressivos e incapacitantes a médio prazo. Enquanto isso, em Abu Dhabi, no reino tribal e liberal dos Emirados Árabes Unidos, o governo constrói o mais luxuoso metrô do universo, onde só se viaja sentado, não em assento qualquer, mas em luxuosa poltrona, e que funciona sem um único trabalhador, sem motorista, sem bilheteiro, sem fiscal, com prestação de serviço gratuito. Não se pode entender de outra maneira, ante todas as premissas acima: a substituição do trabalho humano pela máquina só faz sentido, se o serviço por ele prestado se tornar melhor e menos oneroso para o homem.

O artigo 170-VII da Constituição de Maquiavel determina: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, (observado o princípio da) redução das desigualdades regionais e sociais. Diz-se, entretanto, que  a realidade seria exatamente o oposto: apenas seis cidadãos conseguiram acumular patrimônio em valor equivalente ao de 100 milhões de seus cidadãos outros. Nada obstante, o parágrafo quarto do artigo 173 ordena precisamente o seguinte: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. E, em determinada época, sem referendo nem plebiscito, como é praxe no Reino de Maquiavel , eliminou-se o artigo original da Constituição, que limitava a taxa de juros no teto de 12% a. a., considerando o excesso crime de usura, ensejando-se destarte a escandalosa prática atual de juros às taxas de 100% a.a, 200% a.a. e até 400% a.a.!

A partir de certa época do Reino de Maquiavel, ao invés de ajustar-se uma lei antiga, editada numa época de sociedade economicamente mais liberal, à Constituição de Maquiavel, passou-se a utilizá-la para enfraquecer os robustos princípios protetivos do direito contratual, relegando as cláusulas de realização futura à mera situação de uma expectativa de direito. Isso foi utilizado nos tribunais do reino de Maquiavel sobretudo para o enfraquecimento dos direitos do trabalhador, todos eles de realização futura!


Não é para se admirar que o clima social no reino de Maquiavel se tenha tornado por demais intranquilo e incerto, já que de fato, ao que parece, o lema da bandeira nacional também se converteu num instrumento de política maquiavélica: A fraternidade por motivação, a ordem por base e o progresso por objetivo!