sábado, 17 de outubro de 2020
quinta-feira, 8 de outubro de 2020
514. História do Pensamento Político (continuação)
Thomas
Paine foi um cidadão inglês que viveu no século XVIII. Cidadão pobre viveu como
produtor de espartilho e cobrador de imposto. Inteligente e instruído,
interessou-se pela política e relacionou-se com políticos ingleses, franceses e
norte-americanos, tendo sido membro da Assembleia Nacional Constituinte
Francesa e um dos Pais da Pátria dos Estados Unidos da América. Apesar disso, teve
vida muito atribulada, de fuga e de prisão, escapando por sorte da morte na
guilhotina da Revolução Francesa.
Escreveu muitos panfletos sobre
política e esta era a opinião que de se próprio tinha: “Sou um lavrador de pensamentos, e tudo o que colho ofereço
em doação”.
Apesar
de Pai da Pátria, era mal visto nos Estados Unidos, porque professava o deísmo:
“crer que Deus criou uma pluralidade de mundos ao menos tão numerosos quanto as
estrelas, torna o sistema cristão tão pequeno e ridículo que sua teologia desfaz-se
na mente como penas no ar... se o Ministério Público não puder provar que a
Bíblia é o Verbo de Deus, a acusação de blasfêmia é sem realidade e sem
fundamento”.
Ele entendia que o indivíduo humano é
dotado de direitos naturais e que sociedade e governo são produtos culturais: “Grande parte da ordem reinante na
humanidade não é efeito de nenhum governo. Ela tem origem nos princípios da
sociedade e na constituição natural dos homens. Ela existia antes do governo e
existiria se a formalidade do governo fosse abolida.,, A sociedade é produzida
a partir de nossa vontade e o governo a partir de nossa maldade...”
Tinha plena consciência de que os
indivíduos possuem mentalidade própria. Cada um constroi seu próprio conjunto
de pensamentos e sentimentos: “Os ricos, em
meio ao conforto e abundância, pensarão talvez que tracei um retrato contrário
à natureza; mas, se pudessem descer nas regiões frias da necessidade, ao
círculo polar da pobreza, perceberiam que as opiniões mudam com o clima.
Existem hábitos de pensamento próprios a cada condição, e é precisamente a
descobri-los que se deve dedicar o estudo do gênero humano.”
Proclamava os direitos naturais do indivíduo humano,
sobretudo a liberdade e a igualdade política: “a
proteção da pessoa humana é mais sagrada do que a proteção da propriedade...
nossos comerciantes de seres humanos (uma mercadoria não natural) devem
conhecer a maldade do tráfico de escravos, seja se escutarem a razão, seja se
escutarem os ditames de seus corações... Que heresia o título de sagrada
majestade aplicada a um verme que no meio do seu esplendor se desfaz em pó!... what
nobility really means is noability.”
Thomas Paine é considerado o pensador mais responsável pela
implantação do regime político da república, pelo regime democrático, pela
igualdade política, pelo valor unitário do voto: “Que
heresia o título de sagrada majestade aplicada a um verme que no meio do seu
esplendor se desfaz em pó!... what nobility really means is noability. A sociedade é produzida a partir de
nossa vontade e o governo a partir de nossa maldade... O sol nunca brilhou
sobre uma causa de valor maior... Nós temos toda oportunidade, toda
inspiração à nossa frente, para criarmos a constituição mais nobre, mais pura,
da face da terra.... Nós temos em nosso poder a chance de fazer com que o mundo
comece de novo... O nascimento do novo mundo está em nossas mãos.”.
(continua)
quinta-feira, 1 de outubro de 2020
513. História do Pensamento Político (continuação)
Emanuel Kant foi alemão de família
modesta, religiosa, educado por pais responsáveis e mãe extremamente carinhosa
e preocupada com a educação do filho. O interesse de Kant concentrou-se no saber,
no conhecimento. Sua vida consistiu em estudar e ensinar. Foram-lhe oferecidas
oportunidades outras de melhorar sua situação financeira, e ele preferiu
ampliar seu conhecimento, de modo que um seu biógrafo afirmou que a vida de
Kant foi a concentrada atenção “no conhecimento sem preconceitos da natureza e
no valor moral dos homens,” de modo que na lápide de seu túmulo foi inscrito um
pensamento seu como resumo de sua vida: “o
céu estrelado acima de mim e
a lei moral dentro de mim.”
Segundo Kant, todos os homens
possuem a consciência de que convivem com outras pessoas e que todos têm
consciência de certas máximas que valem para todos, por exemplo, todos os
homens precisam trabalhar para sobreviver.
Esse juízo, essa máxima é um imperativo categórico, isto é, tem validade
universal, vale sem exceção alguma. Assim a moralidade consiste em que a ação
humana aqui e agora é tal que é exatamente aquela que nessa determinada circunstância
todas as pessoas deveriam praticar: “Age de modo que a máxima de tua vontade
possa valer sempre, ao mesmo tempo, como princípio de legislação universal...
Age de modo a considerar a humanidade, seja na tua pessoa, seja na pessoa de
qualquer outro, sempre também como objetivo, e nunca como simples meio... Age
de modo que a vontade, com sua máxima, possa ser considerada como
universalmente legisladora em relação a si mesma.”
Ora, se o homem precisa de uma lei
para agir é que ele é autônomo, livre. Ele não é como a Natureza que se acha
ativada, determinada permanentemente. O homem, ao contrário pode agir ou não
agir, pode agir de várias maneiras, pode agir moralmente ou imoralmente. O
conhecimento da liberdade, pois, é deduzido da consciência que se tem da
moralidade, do imperativo categórico que nos dirige.
Assim, a sociedade é o habitat, o
ambiente em que viceja a Humanidade, o conjunto das pessoas livres e iguais que
operam na realização de sua felicidade, que é revelada a cada pessoa de forma
diferente, que somente ela percebe. Assim, “a doutrina que diz que o bem estar
público é a lei suprema do Estado ainda é válida e tem autoridade. Mas, o bem
estar público que exige a primazia se encontra precisamente naquela
constituição legal que garante a todos a sua liberdade dento da lei.”
O Estado existe, pois, para garantir
a liberdade das pessoas dentro da lei “de modo que cada um fique livre para
buscar sua felicidade naquilo que julgar melhor, desde que não viole a
liberdade e os direitos dos outros sujeitos.” Na realidade, portanto, o Estado
consiste no consentimento do povo, isto é, de toda população: “Pois, se a lei
não fosse tal que todo o povo pudesse concordar com ela, ela seria injusta,
mas, se fosse pelo menos possível que o povo pudesse concordar com ela, seria
nosso dever considera-la justa.” O Estado “funda-se numa coalisão de das
vontades de todos os indivíduos numa nação.”. As leis devem ser “a vontade do povo.”
(continua)
quinta-feira, 24 de setembro de 2020
512. História do Pensamento Político (continuação)
Já no século XVIII EC, Jean Jacques
Rousseau, o filósofo da Revolução Francesa, expôs outra versão da teoria da
fundação do Estado pelo contrato, que reputo a mais importante, porque formulou
a ideia de Povo, detentor do poder soberano, conceito que se acha expresso na
famosa definição de democracia proferida por Abraham Lincoln - “governo do
Povo, para o Povo e pelo Povo” e no parágrafo único do artigo 1ºda Constituição
Brasileira: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Rousseau explica que o Estado se funda
mediante o Contrato Social, que não é contrato entre pessoas reais, mas
contrato entre todas as pessoas reais de um espaço geográfico com uma entidade
moral, a entidade constituída da unanimidade delas na vontade de querer viver
em sociedade e produzir leis que regulem os interesses comuns, de modo que se
viva em paz, em relacionamento harmonioso.
Essa vontade unânime, essa entidade
moral, essa ideia, essa instituição, essa pessoa jurídica é o Povo e detém o
poder soberano, porque esse contrato social consiste na decisão de que todas as
pessoas renunciam ao exercício da autonomia individual para colocar o poder de
decisão nos assuntos comuns, nos assuntos públicos, nessa entidade, o Povo, que
é a vontade comum de todos: “Encontrar uma forma de associação que defenda e
proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado; e pela qual cada um, unindo-se a
todas, não obedeça todavia senão a si mesmo e permaneça igualmente livre como
antes... Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder, sob a
suprema direção da vontade geral. e nós todos em conjunto recebemos cada membro
como parte indivisível do todo. Imediatamente em troca da pessoa privada de
cada contraente este ato de associação produz um corpo moral e coletivo composto de tantos membros quantos votos tem
a assembleia, o qual recebe deste mesmo ato sua unidade, seu eu comum, sua vida
e sua vontade. Essa pessoa pública, que se forma assim pela união de todas as
outras, tomava antes o nome de cidade e agora toma o de republica ou de corpo
político, o qual é chamado por seus membros de Estado, enquanto passivo, e
soberano, enquanto ativo, potência no confronto com seus semelhantes. Em
relação aos associados, eles tomam coletivamente o nome de povo e se chamam
particularmente cidadãos enquanto participantes da autoridade soberana, e
súditos enquanto submetidos às leis do Estado.”
Assim, todos se sujeitam às decisões da
vontade unânime de todos nos assuntos públicos, a lei. Ninguém é súdito,
ninguém é rei, todos são iguais. Ninguém é escravo, todos são livres e
autônomos, porque todos os cidadãos obedecem somente à lei que todos eles
promulgam, cada um deles promulga. “Sou livre, porque só me submeto à lei que
eu mesmo promulgo”, dizia Péricles.
Está aqui a ideia de igualdade,
fundamento da Revolução Francesa.
(continua)
quarta-feira, 16 de setembro de 2020
511. História do Pensamento Político (continuação)
Charles Louis de Secondat de Montesquieu formou-se em Direito e adquiriu fortuna que lhe permitiu dedicar a vida ao estudo da humanidade e a publicar as suas teorias políticas. A sua obra prima intitula-se “O Espírito das Leis”.
A Lei é a razão humana, uma norma racional de conduta: “A lei, em geral, é a razão humana, enquanto governa todos os povos da terra. As leis políticas e civis de cada nação nada mais devem ser do que os casos particulares aos quais se aplica tal razão humana.” O espírito das leis é o ambiente produzido pelo conjunto de relacionamentos dos indivíduos que formam uma nação: “Elas devem ser relativas à geografia física do país; ao clima...; à qualidade, situação e grandeza do país; ao gênero de vida dos povos...; ao grau de liberdade...; à religião, inclinações, riquezas, número, comércio, costumes, usos dos habitantes. Por fim, elas estão em relação entre si e com a sua origem, com as finalidades do legislador e com a ordem das coisas nas quais se fundamentam... Examinarei todas essas relações – e o seu conjunto constitui aquilo que chamo de espírito das leis.” Assim, cada nação tem suas próprias leis, as leis de uma nação não servem exatamente para outra: “Elas devem se adaptar tão bem ao povo para o qual foram feitas, que somente em casos raríssimos as leis de uma nação poderiam convir a uma outra.”
O livro Espirito das Leis é,
pois, esse estudo que ele realiza organizando o seu pensamento sob a luz de
princípios éticos que infundem a forma dos governos das nações: a virtude, a
honra e o medo.
Assim, “Existem três espécies de
governo: o republicano, o monárquico e o despótico... O governo republicano é
aquele em que o povo, em sua totalidade ou uma parte dele, possui o poder
soberano; o monárquico é aquele em que só um governa, mas com base em leis
físicas e imutáveis; ao passo que o despótico é aquele em que também um só
governa, mas sem leis e sem regras, decidindo tudo com base em sua vontade e ao
seu bel-prazer.” A virtude é o princípio ético da república, a honra da
monarquia e o medo do despotismo.
Virtude é a moralidade, a conduta
racional guiada pelo bem público: “não é precisa muita probidade para que um
governo monárquico ou despótico possa se manter e defender. A força das leis em
um e o braço forte ameaçador do príncipe no outro regulam e governam tudo. Mas
em um estado popular é precisa uma mola a mais, que é a virtude....Quando tal
virtude é deixada de lado, ambição
penetra nos corações a ela mais inclinados e a avareza penetra em todos....
antes era-se livre sob a lei, mas agora se quer ser livre contra as leis...”
Honra é um conjunto de qualidades
morais e intelectuais tais que fazem uma pessoa merecer determinada posição na
sociedade, a honesta busca de posição social, o comando social obtido por força
do interesse pessoal: “A ambição é perigosa em uma república, mas tem bons
efeitos em uma monarquia: ela lhe dá a vida e tem a vantagem de não ser
perigosa, porque facilmente pode ser reprimida... A honra faz mover todas as
partes do corpo político e as liga por meio de sua própria ação, eis que cada um se dirige para o bem comum,
crendo dirigir-se para os próprios interesses particulares.”
No governo despótico “é preciso o
medo: a virtude não é necessária e a honra seria perigosa... Portanto o medo
deve abater todos os corações , apagar também o mais fraco senso de ambição.”
Finalmente, Monstesquieu
argumenta pela defesa da liberdade do cidadão em confronto com o poder do
Estado pela divisão dos três poderes da soberania, o poder de legislar, o poder
de governar e o poder de julgar. Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder
Judiciário, três poderes iguais e independentes, para que o indivíduo permaneça
independente, livre para realizar o próprio destino, para tomar as decisões que
entenda necessárias para o seu bem estar: “A liberdade não consiste de modo
algum em fazer tudo o que se quer. Em um Estado, isto é, em uma sociedade na
qual existem leis, a liberdade não pode consistir senão em poder fazer aquilo
que se deve querer e em não ser obrigado a fazer aquilo que não se deve
querer,,, A liberdade é o direito de fazer tudo aquilo que as leis permitem...
A liberdade política em um cidadão é aquela tranquilidade de espírito que
deriva da persuasão que cada qual tem da sua segurança; para que se goze de tal
liberdade é preciso que o governo esteja em condições de libertar cada cidadão
do temor do outro... quando uma mesma pessoa ou o mesmo corpo de magistrados
concentra os poderes legislativo e executivo, não há mais liberdade porque
subsiste a suspeita de que o próprio monarca ou o próprio senado possam fazer
leis tirânicas para depois, tiranicamente, fazê-las cumprir.... Se o poder de
julgar ...estivesse unido ao poder legislativo, haveria um potestade arbitrária
sobre a vida e a liberdade dos cidadãos, posto que o juiz seja legislador. E se
estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um
opressor.... tudo estaria... perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos
governantes, dos nobres ou do povo exercesse juntamente os três poderes: o de
fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os delitos ou
causas entre os privados.”
A separação dos três poderes foi
estabelecida primeiro nos Estados Unidos e em seguida na França com a Revolução
Francesa e vem sendo implantada nas novas constituições.
(continua) .
quarta-feira, 9 de setembro de 2020
510. História do Pensamento Político (continuação)
No século XVII, umas duas dezenas de
anos antes de Hobbes, Hugo Grócio. gênio holandês que aos onze anos ingressou
numa universidade e aos dezesseis já era doutor em Direito, afirmou que o
indivíduo humano, pelo simples fato de nascer, já detém os direitos à vida e à
liberdade.
Esse pensamento foi revolucionário. Hugo
Grócio formula a ideia fundamental do Direito e da Política modernos. Na Idade Média o homem nascia como criatura
de Deus, deus onipotente, onisciente, providencial, razão da existência de tudo
nas suas minúsculas particularidades, que tudo faz e mantém vivo! Deus é. O
homem é nada, sem direito algum individual, portanto, apenas com deveres para
com Deus, os pais e o rei ou senhor feudal. O indivíduo humano nada podia reivindicar
perante o rei, sociedade e Estado. Ele somente tinha deveres a cumprir, obrigações
a seguir.
Essa doutrina já vinha sendo minada por
trezentos anos do pensamento de Santo Tomás de Aquino e umas dezenas de anos dos
ensinamentos dos sábios da Escola de Salamanca, sobretudo de Francisco de
Vitória e Francisco Suarez, que entendiam que Deus dotara o homem de liberdade
para conduzir-se, e de razão para guiar-se, iluminar-se, conhecer e decidir,
escolher entre o bem e o mal..
O pensamento de Grócio, pois, inicia-se
com a constatação de que o indivíduo humano nasce inteligente e livre. Se foi
colocado na vida, segundo Grócio, foi colocado para viver, para sobreviver. Se
foi colocado livre e para sobreviver, foi colocado para viver decidindo o seu
destino. Se foi colocado na vida inteligente e livre, foi colocado para decidir
por si próprio o seu destino. A vida, a liberdade e a razão são dotes de
nascença, da natureza, que ornam o indivíduo humano. Esses três dotes
caracterizam o ser humano. São ele. Nada, ninguém os pode retirar-lhe. Doados
pela natureza, o indivíduo não os deve a ninguém. Ninguém, portanto, tem o
poder de retirar-lhos ou de a eles opor-se. Ademais, o direito à sobrevivência
implica o direito à apropriação dos meios de sobrevivência, isto é o direito de
propriedade. O indivíduo, pois, tem o poder, isto é, o direito de reivindicá-los
contra todos, inclusive o rei, o Estado.
O Estado, portanto, não tem poder
legítimo sobre a vida e a liberdade dos indivíduos. Este pensamento mudou a
mentalidade da Humanidade. Transformou os relacionamentos e a organização
social. Esse pensamento é a essência da transformação de uma Era noutra, da
Idade Média para a Idade Moderna. Esse pensamento é a diferença entre elas. O
indivíduo é tudo. É a razão de ser da sociedade. O mundo existe para o
indivíduo humano! A dignidade do indivíduo humano! Suprema dignidade!
Hugo Grócio – vida, razão, liberdade e
propriedade - é o farol que acendeu em toda sua luminosidade a ideia síntese e
fundamental da Idade Moderna! Faltou-lhe a ideia de igualdade. Ela surgirá.
(continua)
quarta-feira, 2 de setembro de 2020
509. História do Pensamento Político (continuação)
Nesse mesmo século XVII EC, John Locke
advogou também o contrato social para a origem do Estado. Entende que no estado
da natureza, todos os seres são livres: “A razão pela qual os homens entram em
sociedade é a salvação da sua propriedade, e o motivo pelo qual elegem um
legislador e o autorizam é para que possam ser instituídas leis e regras
capazes de proteger e de delimitar a propriedade de cada membro da sociedade, e
de limitar o poder e moderar o domínio de cada parte ou membro dela.”
A liberdade do homem confere-lhe o
direito natural de dispor de sua vida e de suas palavras como bem lhe convém,
de caçar animais, de ocupar terras para trabalhar e sobreviver: “O Estado, no
meu modo de ver, é uma sociedade humana constituída unicamente com o propósito
de conservação e promoção dos bens civis. Chamo de bens civis a vida, a
liberdade, a integridade física, e a ausência de dor e a propriedade dos
objetos externos, como terras, dinheiro, móveis, e assim por diante.”
Assim, com o decorrer do tempo,
formam-se famílias, produzem-se trocas, contraem-se compromissos, amplia-se o
relacionamento para um grupo de famílias e os desentendimentos se tornam mais
frequentes e mais conflituosos, notadamente no tocante à ocupação de terra e ao
cumprimento dos contratos, fomentados mormente pelos mais fortes e mais
astuciosos.
Então, os proprietários de terras,
instrumentos e capital reúnem-se para definir um poder encarregado de realizar
o direito natural, poder soberano, isto é, poder ao qual, enquanto atua segundo
seus fins, os instituidores são obrigados a obedecer: “Toda vez que os
legisladores tentam subtrair a propriedade do povo, ou torna-lo escravo de um
poder arbitrário, se colocam em estado
de guerra com o próprio povo, que assim é desobrigado de qualquer ulterior
obediência.”
Três são as tarefas do Estado: legislar,
julgar e governar. O Estado, com seu aparelho legislativo, judiciário, policial
e militar, é necessário, mas é forma vazia, necessitando, pois, que esse
aparelho seja organizado e tenha seus postos preenchidos.
A concepção de Estado de John Locke é “a
fórmula liberal do Estado moderno, potência soberana e legisladora e unidade de
uma multiplícidade de súditos francos.”
(continua)