sexta-feira, 6 de julho de 2012

195. O Bem Público


Tenho conhecimento de vários argumentos, invocados pela antiga SPC e pelas atuais SPPC e PREVIC, para justificar a legitimidade da “Reversão de Valores” para o Patrocinador. Suspeito até que ultimamente os doutos juristas e autoridades dessas entidades venham confiando mais naqueles dois argumentos, cuja validade examinei recentemente: o Critério da Proporção Contributiva e o Contratado.

Acontece que passou aqui pelo meu endereço eletrônico, há dias, mensagem que falava de acalorados debates entre os membros do CNPC e que um daqueles representantes teria apelado para novo argumento, a saber, o BEM PÚBLICO. Não creio que haja no seio de nosso atual governo nenhum adepto da doutrina do Estado Mínimo de Robert Nozick!... Nada obstante, aproveitemos a deixa para examinar a força de uma argumentação em prol da “Reversão de Valores” com base no Bem Público.

Li alhures que a RES PUBLICA foi uma das criações jurídicas do grande gênio político, oratório e filosófico romano, Cícero. Cícero contrapunha a res pública de todo o Povo Romano aos interesses setoriais das classes, das famílias e dos cidadãos romanos. A res publica, o INTERESSE COMUM, O BEM PÚBLICO do Povo Brasileiro onde está ele exibido? Na mente de algum burocrata do Governo? de algum Ministro? do Presidente da República? Não. Está exposto na CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA E NAS LEIS DO PAÍS.

Lá está no preâmbulo da Constituição o nome de nossa pátria: REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. República significa ESTADO DEMOCRÁTICO. Opõe-se a Estado monocrático. Não temos rei. Ninguém nos impõe leis. Nós nos autodeterminamos através de nossos REPRESENTANTES. Jean Jacques Rousseau, o perturbado ideólogo da democracia moderna, até imaginava que todas as leis só seriam válidas e legítimas depois de referendadas por todo o povo. E o Presidente da República nada mais faria que APLICAR as leis! Mas, a França e os Estados Unidos consagraram a DEMOCRACIA REPRESENTATIVA. Aliás, atentem para o que diz o parágrafo único do artigo lº da Constituição: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos OU DIRETAMENTE, nos termos desta Constituição.”!

Isso significa, entre outras coisas, que é somente aí na CONSTITUIÇÃO e nas LEIS, o mapa do consenso do povo brasileiro, que identificaremos a expressão do BEM PÚBLICO do povo brasileiro. Costumo, por vezes, divertir-me percorrendo esse mapa do Bem Comum nacional que consta de dez títulos.

O Título I trata dos princípios fundamentais da República e coloca entre os CINCO FUNDAMENTOS a DIGNIDADE da pessoa e os VALORES SOCIAIS DO TRABALHO e da LIVRE INICIATIVA. (art.1º).

O Título II trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. O inciso XXIII do artigo 5º, sobre o ato mais significativo de interesse pessoal e de autonomia individual, assim se expressa: “A PROPRIEDADE atenderá a SUA FUNÇÃO SOCIAL”.

O artigo 6º insere a PREVIDÊNCIA SOCIAL no conjunto de BENS PÚBLICOS sociais: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, A PREVIDÊNCIA SOCIAL, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” O artigo 7º-XXIV erige A APOSENTADORIA entre muitos bens públicos da República. E o Art. 10 manda que seja ponderada a opinião dos TRABALHADORES nos órgãos públicos que tratam de seus interesses previdenciários: “É assegurada a participação dos TRABALHADORES e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou PREVIDENCIÁRIOS sejam objeto de discussão e deliberação.”

Os Títulos seguintes tratam da Organização do Estado, da Organização dos Poderes, da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, da Tributação e do Orçamento. O Título VII, que trata da ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA, volta outra vez a nos fornecer luzes sobre aspectos do BEM PÚBLICO, que nos ocupam neste texto: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO E NA LIVRE INICIATIVA, tem por fim assegurar a TODOS EXISTÊNCIA DIGNA, conforme OS DITAMES DA JUSTIÇA SOCIAL, observados os seguintes princípios: III - função SOCIAL da propriedade.” O Artigo 173-§ 4º: “A LEI REPRIMIRÁ O ABUSO DO PODER ECONÔMICO que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e AO AUMENTO ARBITRÁRIO DOS LUCROS.”

Caro leitor, é óbvio que o Critério da Justiça Distributiva tem lugar neste mapa do consenso do Povo Brasileiro. Percorrem-se, todavia, sete títulos do Mapa do Bem Público Brasileiro e não se localiza o Princípio da Justiça Distributiva. Enquanto isso, a Justiça Social ou por vezes aparece explicitamente ou é por vezes sugerida! Que importância lhe presta o Povo Brasileiro!

Chega-se, então, ao Título VIII que trata exatamente deste BEM PÚBLICO: DA ORDEM SOCIAL. Ele e o Título VII são o coroamento da arquitetura jurídica implantada pelo Povo Brasileiro. A Ordem Econômica e Financeira constitui a realização do ideal de riqueza, que deve ornar a dignidade da pessoa, a sua garantia de sobrevivência em condições materiais que lhe permitam conduzir-se em plena autonomia. Já o Título VIII, além de definir como DIREITO essa base material da dignidade da pessoa, inclusive para os incapacitados para o trabalho por doença ou velhice, definindo o espaço da SEGURIDADE, estende-se sobre os DIREITOS relacionados com as áreas mais características da condição de pessoa: a Cultura, a Ciência, o Desporto, a Educação e a Família.

E o Mapa do Bem Público Brasileiro abre esse espaço com o mais curto dos capítulos da Constituição, que consta de um só artigo, também um dos mais curtos artigos da Constituição, o 193: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.” Isso não foi coincidência. Foi proposital. Tem significado.

O que diz esse artigo 193? Que a ORDEM SOCIAL É O BEM PÚBLICO MÁXIMO DA SOCIEDADE BRASILEIRA, e neste BEM PÚBLICO MÁXIMO ESTÁ INCLUÍDA A PREVIDÊNCIA SOCIAL! A PREVIDÊNCIA SOCIAL é uma das formas de realização do SUPREMO BEM PÚBLICO BRASILEIRO. A SOCIEDADE BRASILEIRA ORGANIZADA e FELIZ exige que todos os cidadãos hígidos assumam a responsabilidade pelo seu sustento e trabalhem para obtê-lo, e que todos os cidadãos incapacitados para o trabalho tenham o direito de exigir daqueles cidadãos hígidos o sustento que eles próprios não estão aptos a conseguir. O que esse artigo está prescrevendo? Que a ORDEM SOCIAL, que o BEM PÚBLICO, SE CONQUISTA PELO TRABALHO. O trabalho tudo produz: o capital, a riqueza, o próprio indivíduo humano e a própria sociedade. O trabalho proporciona o BEM PÚBLICO do bem estar e da DIGNIDADE da pessoa, isto é, a JUSTIÇA SOCIAL.

A ORDEM SOCIAL É O ESPAÇO DA JUSTIÇA SOCIAL, espaço sob sua égide, onde a JUSTIÇA DISTRIBUTIVA SE LHE SUBORDINA. Aquele Princípio da Proporção Distributiva tem seu lugar aqui neste espaço da ORDEM SOCIAL, é óbvio, mas ELE NÃO COMANDA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. É isso exatamente que o diz o artigo 195 a respeito da Seguridade Social e o artigo 201, especificamente, sobre a PREVIDÊNCIA SOCIAL: quem tem renda proporciona os meios para que se faça a JUSTIÇA SOCIAL, isto é, para que a dignidade da pessoa dos incapacitados seja respeitada. O fluxo de recursos da Previdência Social só tem essa direção, direção única, a saber, de quem tem renda para quem não pode tê-la. A direção inversa é inadmissível.

A LC 109 desdobra todo esse espaço da Justiça Social. O artigo 2º, porque trata das EPC, as duas, tanto a EFPC quanto a EAPC, determina: “O regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por OBJETIVO PRINCIPAL instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário...” A EAPC é um NEGÓCIO CAPITALISTA. Quem abre uma EAPC quer obter lucro. Pois bem, a LC 109 lhe esclarece: EAPC tem duas finalidades, a saber, proporcionar lucro e fornecer BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. A finalidade previdenciária é MAIS IMPORTANTE que o LUCRO do negócio! O Princípio de JUSTIÇA DISTRIBUTIVA aqui está subordinado ao BEM PÚBLICO DA JUSTIÇA SOCIAL!

De acordo com o artigo 19, as CONTRIBUIÇÕES, que ingressam na EFPC na forma de RESERVAS SÓ PODEM SER GASTAS EM PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Isto é, AS RESERVAS DE UM PLANO DE BENEFÍCIOS SÃO RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS! Elas são valores subordinados ao BEM PÚBLICO DA JUSTIÇA SOCIAL. São comandados pelo Princípio da Justiça Social e o Princípio da Justiça Distributiva também lhe é subordinado.

O §1º do artigo 20 prescreve a subordinação do EXCESSO de RESERVA ao PRINCÍPIO DA JUSTIÇA SOCIAL: “RESERVA Especial para Revisão do PLANO DE BENEFÍCIOS”. Óbvio que essa RESERVA é PREVIDENCIÁRIA, já que é excesso de RESERVA PREVIDENCIÁRIA, e, portanto, só pode ser GASTA NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, como o próprio título o declara.

E a LC 109 continua fiel à Constituição e ao Princípio da JUSTIÇA SOCIAL. No §3º admite a aplicação do Princípio da Justiça Distributiva, quando se trata de eliminação da Reserva Especial mediante a redução das Contribuições, onde NÃO EXISTE PAGAMENTO MEDIANTE GASTOS DE RESERVAS, mas sim a existência do MALEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO da cessação do ingresso de Reservas. Já o §3º do artigo 21 é de uma obviedade ofuscante, prescrevendo que o eventual REINGRESSO de RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS desfalcadas em Plano de Benefícios reequilibrado, que por isso signifique EXCESSO DE RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, SOMENTE PODE SER ELIMINADO mediante REDUÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES OU PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS!

O §1º do artigo 31 exige que a EFPC seja uma entidade SEM FINS LUCRATIVOS. É óbvio que ela não pode atuar para produzir lucro para ela e muito menos para qualquer outra entidade, entre estas o Patrocinador. O artigo 32 estabelece com toda clareza que a EFPC SÓ PODE PRESTAR O SERVIÇO DE GESTÃO DE RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS E O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS.

Encerremos este texto voltando ao início da LC 109. Esta sábia Lei Complementar previu a possibilidade de ocorrer tentativa de desvirtuamento na utilização da EFPC. Previu a possibilidade de se tentar até convencer as AUTORIDADES GESTORAS DO ESTADO que a Previdência Social não seja uma das formas da realização do BEM PÚBLICO SUPREMO da SOCIEDADE BRASILEIRA. E, por isso, existe o Artigo 3º-VI: “A ação do Estado será exercida com o objetivo de... proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios.”

Aí está. A LEI adverte sobre as teorias destrutivas da tessitura social do BEM PÚBLICO SUPREMO - o bem estar e a Justiça sociais – e define que a obrigação do ESTADO É GARANTIR OS DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS, uma das formas constitucionais de realização do BEM PÚBLICO SUPREMO. A teoria do Bem Público, na minha opinião, não justifica a “Reversão de Valores” para o Patrocinador. Ao contrário, é mais um argumento a favor da destinação unívoca das RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS: serem gastas no pagamento de BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS.



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