segunda-feira, 9 de julho de 2012

196. Com licença, Senhores Juristas


Em 24/12/2008, a SPC enviou ao Senado Federal a INFORMAÇÃO nº 58/2008/SPC/GAB/AG, resposta a pedido de esclarecimentos sobre a Resolução CGPC 26, formulado pelo Senador Álvaro Dias. A resposta parece ter satisfeito o senador, pois não me consta que ele haja se pronunciado a respeito. Ela é aparentemente substanciosa. Mas, na minha opinião, a argumentação é muito falha.

SPC
“A Resolução... disciplina as condições e os procedimentos a serem observados... na apuração do resultado do exercício... considerado individualmente cada plano de benefícios..., bem como na destinação e utilização do superávit, e ainda no equacionamento de déficit de cada um de seus planos de benefícios de caráter previdenciário.”
“A Resolução ...trouxe, como uma das hipóteses de revisão do plano de benefícios em caso de superávit,... a chamada “reversão de valores” aos participantes, assistidos e patrocinadores, todos os integrantes da relação jurídica da previdência complementar.” Até aqui, a SPC

Não concordo com esse final “...aos participantes, assistidos e patrocinadores, todos os integrantes da relação jurídica da previdência complementar.” Está faltando, no caso precisamente em discussão, a EFPC. A relação jurídica entre Patrocinador, de um lado, e Participantes (inclusive Assistidos), do outro, é indireta. Ela se faz através da EFPC. Na Previdência Complementar Fechada, existem dois contratos e, portanto, duas relações jurídicas, que se concatenam. Existe o Contrato de Patrocínio de um Plano de Benefícios Previdenciários entre Patrocinador e EFPC. E existe outro contrato, o Contrato de Participação entre o empregado do Patrocinador e a EFPC. O Contrato de Patrocinador vincula o Patrocinador, sujeito da obrigação de CONTRIBUIR, à EFPC, sujeito do direito de receber a CONTRIBUIÇÃO. PATROCÍNIO CONSISTE EM COMPARTILHAR A CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. Nada mais que isso. O Contrato de Participação é sinalagmático, vincula o Participante, sujeito da obrigação de Contribuir e do direito de receber benefício previdenciário, à EFPC, sujeito do direito de receber a CONTRIBUIÇÃO e da obrigação de pagar benefício previdenciário. A Informação, portanto, está simplificando e mutilando. E essa simplificação está deformando AQUILO EXATAMENTE QUE É CARACTERÍSTIO DA INSTITUIÇÃO DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR FECHADA.

SPC
“Art. 20. Cabe ao Conselho Deliberativo ou a outra instância competente para a decisão, como estabelecido no estatuto da EFPC, deliberar, por maioria absoluta de seus membros, acerca das medidas, prazos, valores e condições para a utilização da reserva especial, admitindo-se, em relação aos participantes e assistidos e ao patrocinador, observados os arts. 15 e 16, as seguintes formas, a serem sucessivamente adotadas:
I – redução parcial de contribuições;
II – redução integral ou suspensão da cobrança de contribuições no montante equivalente a, pelo menos, três exercícios; ou
III – melhoria dos benefícios e/ou reversão de valores de forma parcelada aos participantes, aos assistidos e/ou ao patrocinador.
Parágrafo único. Caso as formas previstas nos incisos I e II não alcancem os assistidos, a EFPC poderá promover a melhoria dos benefícios dos assistidos prevista no inciso III simultaneamente com aquelas formas.” Até aqui, a SPC

É verdade. Esse é o teor do artigo 20 da Resolução CGPC 26, que introduz a “Reversão de Valores”, instituto nunca nomeado nem na Constituição Federal nem nas LC 109 e 108! E se omite o artigo 15-§2º que proíbe a destinação exclusiva da Reserva Especial para os Participantes, quando se trata de EFPC sob o império da LC 108, isto é, ela NÃO PODE SER DISTRIBUÍDA NA FORMA DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, apenas na forma de “Reversão de Valores”!

SPC
“A relação previdenciária é composta pela Entidade, que administra os recursos dos planos de benefícios, pelo Patrocinador do plano, que aporta recursos a ele, e pelos participantes do plano de benefícios, que futuramente... receberão os recursos aportados.” Até aqui, a SPC

Vê como tínhamos razão? Aqui a Informação inclui os três sujeitos jurídicos da Previdência Complementar Fechada. Ainda uma vez mais, todavia, simplifica a relação previdenciária. Omite a explicação de sua complexidade, como acima anotamos.

SPC
“ A regulamentação da destinação do superávit... decorreu da necessidade de se disciplinar a matéria para assegurar... o equilíbrio dos planos de benefícios.”
“... o real objetivo da Resolução foi o de regulamentar a Lei Complementar 109,..., que trata do superávit em seu artigo 20, ... para se promover a revisão do plano, isto é, o reequilíbrio do plano.” “A Resolução... também cuidou das hipóteses de déficit...” “Plano equilibrado é plano sem déficit e sem superávit.”
“Como se nota, todas as formas de revisão do plano de benefício para a utilização da reserva especial (a reserva que, grosso modo, contém o superávit), estão previstas no artigo 20 acima transcrito. O rol é, assim, taxativo.
São elas: a) no tocante às contribuições: redução parcial, integral ou suspensão de sua cobrança por prazo determinado; b) no tocante aos benefícios: “melhoria” dos benefícios contratados, ...; e c) quanto ao excesso de recurso de plano fechado e quitado: reversão de valores aos participantes, aos assistidos e ao patrocinador...
A relação previdenciária é composta pela Entidade, que administra os recursos do plano de benefícios, pelo Patrocinador do plano, que aporta recursos a ele, e pelos participantes do plano de benefícios que futuramente... receberão os recursos aportados em forma de pagamento de benefícios...
Se existe a possibilidade de revisão do plano para a utilização de reserva especial e, se nessa revisão for possível a reversão de valores, por óbvio, todos os que contribuíram para a formação do superávit deverão recebe-lo em reversão, conforme a sua proporção contributiva.
Neste caso, o patrocinador é um dos responsáveis pela formação dessa poupança previdenciária e por consequência dessa poupança.” Até aqui, a SPC.

Vimos aquele primeiro e importante equívoco da argumentação exposta na Informação: não considerou que a Previdência Complementar Fechada é uma relação jurídica previdenciária, resultante de duas relações jurídicas previdenciárias, estabelecidas por dois contratos distintos e que vinculam sujeitos jurídicos distintos. O novo equívoco hermenêutico: a Informação engrena de chofre uma argumentação justificando a introdução da “Reversão de Valores”, com base no Princípio da Proporção Contributiva, sem nem ao menos analisar a LC 109!

Não estou inventando. O Mestre Wladimir Novaes Martinez, o único autor citado na Informação, elenca recomendações para uma boa interpretação na pg.1288, do Capítulo CLXXXIV do Curso de Direito Previdenciário, 4ª edição, 2011:
“a)Leitura do texto estudado: Em certas circunstâncias, a dificuldade desaparece após a leitura detida do dispositivo; b) Norma contrária à Constituição Federal; c) Significado da proposição no conjunto do ordenamento (é o que apelido de Princípio da Sistematicidade ou da Coerência); d) Sentido da palavra no contexto; e) Intenção do elaborador da norma; f) Conclusão clara diante da confusa; i) Conflito da disposição subsidiária com a principal; j) Interpretação de prescrição clara: in claris cessat interpretatio; n) Sentido social da regra: o Direito Previdenciário é direito protetivo; q) Resultado atingido: olhe o resultado, veja se não é absurdo ou contrário ao sistema.” Todas essas normas de interpretação foram desprezadas na Informação! Por isso, não considero que a Informação contenha a correta interpretação da LC 109. A interpretação da Informação elimina da Constituição os artigos 201 e 202; e da LC 109, os artigos 1º, 3º-VI, 8º, 13, 19, 31-§1º e 32, de modo que faz interpretação totalmente equivocada do artigo 20.

Aí encima, quando a Informação apresenta nos dois períodos finais argumentação favorável à “Reversão de Valores” baseada no Princípio da Proporção Contributiva, ela está cometendo vários equívocos. Estamos tratando de RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS. Quem diz isso não sou eu. São aqueles artigos supracitados da Constituição e da LC 109 (os artigos ELIMINADOS), sobretudo, aquele artigo 19, QUE DEVERIA TER SIDO O MAIS CONSIDERADO ARTIGO, PORQUE É AQUELE QUE TRATA DO DESTINO DAS RESERVAS DE UM PLANO DE BENEFÍCIOS. É TREMENDO EQUÍVOCO PENSAR QUE O ARTIGO 20 TRATA DA DESTINAÇÃO DAS RESERVAS DO PLANO DE BENEFÍCIOS. É ÓBVIO, É CLARÍSSIMO, QUE ELE TRATA DO PROCESSO QUE SE DEVE SEGUIR PARA REEQUILIBRAR UM PLANO DE BENEFÍCIOS COM RESERVAS EM EXCESSO, isto é, superavitário.

Reservas previdenciárias não são simples poupança, como diz aí a Informação. É uma poupança que tem destinação predeterminada, aquela prescrita pelo artigo 19 da LC 109: AS CONTRIBUIÇÕES, QUE INGRESSAM NO PLANO DE BENEFÍCIOS COMO RESERVAS, DEVEM SER GASTAS NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Resumindo, são RESERVAS PREVIDENCIARIAS.

Consultemos vários dicionários sobre o significado de RESERVAS:
Houaiss
qualquer coisa que se separa, que se mantém guardada, para ser usada no futuro
conjunto dos lucros obtidos por uma sociedade e não distribuídos, a fim de reforçar sua situação financeira
fundo de garantia, de amortização ou de provisão
fundo estabelecido para cobrir gastos eventuais

Minivocabulário Econômico Financeiro, de Dirceu Antônio Chiesa
Lucros, que uma empresa contabiliza à parte, para fins determinados (Ministério da Fazenda; Produção, Indústria, Comércio e Seguro)

Dicionário Jurídico Universitário, de Maria Helena Diniz
O fundo constituído pela seguradora para garantir suas operações.

É claro, portanto, pelos termos do artigo 19 da LC 109, que aqui se trata de um FUNDO DE GARANTIA, DE AMORTIZAÇÃO OU DE PROVISÃO, isto é, ESTABELECIDO PARA COBRIR GASTOS COM BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS.

Logo, o caput do artigo 20, com seu §1º, da LC 109 prescreve o seguinte: as reservas matemáticas são gastas no pagamento dos benefícios previdenciários contratados; a reserva de contingência é gasta no pagamento dos benefícios previdenciários contratados, na eventualidade de desfalque nas reservas matemáticas; e a RESERVA ESPECIAL É GASTA NA REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS.

Está claro que as TRÊS RESERVAS SÃO PREVIDENCIÁRIAS, porque não foi dito o contrário em parte alguma; porque a RESERVA ESPECIAL É TÃO EXCESSO DE RESERVA PREVIDENCIÁRIA QUANTO A RESERVA DE CONTINGÊNCIA; porque se trata de REVISÃO DE UM PLANO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, CUJA RESERVA (artigo 19) DEVE SER GASTA EM PAGAMENTO DE BENEFICIO PREVIDENCIÁRIO; porque no artigo 20 a LC 109 NÃO FAZ O ELENCO DAS FORMAS DE PROCESSAR (eliminar) A RESERVA ESPECIAL (esse elenco é óbvio para ela: reduzir contribuição ou aumentar gastos de reserva), ela faz absoluta questão de esclarecer EXATAMENTE ONDE SE DEVE APLICAR O PRINCÍPIO DE PROPORÇÃO CONTRIBUTIVA, a saber, no PAGAMENTO DE CONTRIBUIÇÃO (ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit), SOMENTE AÍ.

Voltemos ao artigo 20 da Resolução CGPC 26 acima citado e transcrito pela Informação. Leiam as seis alternativas ali elencadas. Elas reduzem-se a duas: redução de Contribuição ou aumento de gastos de RESERVA (com benefícios ou com “Reversão de Valores”). Esta já vimos que o ARTIGO 19 DA LC 109 PROÍBE. Logo, a PRÓPRIA RESOLUÇÃO CGPC 26 ESTÁ CONFIRMANDO QUE SÓ EXISTEM DUAS ALTERNATIVAS PARA REEQUILIBRAR PLANO DE BENEFICIO PREVIDENCIÁRIO COM EXCESSO DE RESERVA, a saber, reduzindo Contribuição ou aumentando GASTOS DE RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS! Esta refutação parece-me irretorquível.

Não posso, porém, omitir outros argumentos. Patrocinador é uma pessoa jurídica. E a EFPC é outra pessoa jurídica. São absolutamente distintas e autônomas. A EFPC é uma pessoa jurídica especial, sem fins lucrativos e que só perfaz uma ÚNICA coisa: pagar benefícios previdenciários. O Patrocinador pode ser uma entidade pública, mas a EFPC é uma entidade privada. O Patrocinador pode ser uma EMPRESA, mas a EFPC é uma pessoa jurídica sem fins lucrativos. Não é subsidiária do Patrocinador, nem pertence ao seu grupo econômico. As RESERVAS de um Plano de Benefícios Previdenciários não são propriedade do Patrocinador. Elas não são contabilizadas, nem podem ser, como CAPITAL do Patrocinador. Rigorosamente, nem propriedade são dos Participantes. AS RESERVAS SÃO PROPRIEDADE DA EFPC e o são SIMPLESMENTE porque Plano de Benefícios Previdenciários não tem personalidade jurídica. As RESERVAS de um Plano de Benefícios Previdenciários são exatamente isso, e somente isso, RESERVAS, RECURSOS SEPARADOS PARA SEREM GASTOS NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Essas RESERVAS FORAM antes patrimônio do Patrocinador e dos Participantes, tornaram-se CONTRIBUIÇÕES, MAS INGRESSARAM NA EFPC NA FORMA DE RESERVAS DE UM PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Não têm mais relação alguma jurídica com o PATROCINADOR. AGORA SÓ TÊM RELAÇÃO JURÍDICA COM OS PARTICIPANTES, em razão do CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO. As Contribuições eram prêmios de seguro. AS RESERVAS do Plano de Benefícios só dizem respeito, portanto, à EFPC, como SEGURADORA CONTRATADA QUE FOI PARA PAGAR BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS AOS PARTICIPANTES. O Patrocinador não está, nem pode estar, nesta lista de beneficiários. O seu contrato de Patrocinador não lhe dá esse direito, o artigo 19 da LC 109 não lhe dá esse direito, a Constituição não lhe dá esse direito, nem o conceito de Previdência Social lhe dá esse direito, nem o conceito de Reservas lhe dá esse direito, nem o conceito de EFPC lhe dá esse direito, nem o conceito Plano de Benefícios lhe dá esse direito. Nada, absolutamente nada justifica a “Reversão de Valores”, nem a aplicação do Princípio de Proporção Distributiva. Há outro instituto jurídico ASSEMELHADO às Reservas Previdenciárias. É o Contrato de Doação. O que diz o Código Civil? Feita a doação, o doador não tem mais relação jurídica alguma com o bem doado. Se ele quiser evitar que o bem passe a outra pessoa, diferente do agraciado, ele pode fazê-lo, mas com duas condições: que o faça constar como cláusula do contrato e que a “reversão” se dê, portanto, depois da morte do agraciado. Aqui se está querendo “Reversão de Valores” em vida do agraciado! E onde a LC 109 o proíbe CLARAMENTE!
(continua)




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