domingo, 16 de dezembro de 2018

424. Texto lido, no Ano de 2009, num Almoço Mensal da AAFBB-Rio



No dia 20 do corrente mês, Barack Obama tomou posse na presidência dos Estados Unidos. Eu tenho muito respeito pelos Estados Unidos. Ninguém tire deles a glória de ter reinstalado na Terra, nos tempos modernos, o governo democrático, o governo sem rei, mais de dois mil anos depois que o primeiro governo democrático, o governo sem rei, foi extinto, com apenas uns trezentos anos de existência! Eles inventaram o Estado do Bem-Estar Social e erradicaram da face da Terra o nazismo e o fascismo! Eles inventaram a produção para o consumo das massas, para o povo. E nenhum povo, nem mesmo o chinês, ultrapassa o norte-americano na inovação e criatividade.

A inovação é a força que dá início ao ciclo de um tempo de prosperidade. O grande problema de Barack Obama é fazer voltar os Estados Unidos a produzir. A economia saudável consta de dois fluxos circulares, consoante ensinaram os Fisiocratas do reinado de Luís XV. Foi lição econômica, ensinada pelo médico de Madame Pompadour, antes que Adam Smith inaugurasse o estudo científico dos assuntos econômicos (vejam só!) dissociados de considerações éticas.

O rio da renda, dizia o felizardo médico, começa nas Famílias, vai até as Empresas como capital, e volta para as Famílias na forma de salário, lucro e juros. O rio dos bens começa nas Empresas, vai até as Famílias na forma de bens de consumo e volta para as Empresas na forma de matéria-prima.
Até os anos 50, o capital ia para as empresas européias e, sobretudo, para as americanas. A partir de 60, as coisas começaram a mudar. A facilidade de transporte de matérias-primas transferiu a vantagem competitiva para a produção nos locais de consumo. Os países emergentes, como o Brasil (esse era um dos ofícios da CACEX), por sua vez, passaram a impedir o ingresso de produtos estrangeiros, se tivessem similares produzidos internamente. Obrigaram os países industrializados a fabricar nas regiões subdesenvolvidas e a difundir o conhecimento de tecnologias. Quase tudo o que temos de tecnologia nuclear haurimos dos norte-americanos e dos alemães. Ainda agora, estamos obrigando os franceses a transferirem o conhecimento da tecnologia de produção de navios movidos a energia nuclear.

Assim, nos dias de hoje, a Europa e os Estados-Unidos ainda produzem mais que qualquer outra região do mundo. Mas, o resto do mundo, sobretudo Japão, Coréia do Sul, Taiwan, China, Índia, Rússia, África do Sul e Brasil, são países com significativa produção de industrializados. Muita renda na forma de salário, juro e lucro fica nesses países atualmente. Fábricas se fecharam nos Estados Unidos e na Europa, enquanto firmas japonesas e sul-coreanas diminuem o ritmo de produção. Muito desemprego. Muitas famílias, muitas pessoas com dificuldade para sobreviver e sem esperança.
Mas, como Estados Unidos e Europa consentem que suas empresas deixem de produzir lá e passem a produzir no exterior? Porque é difícil controlar o espírito de empreendimento, de enriquecimento, a ambição. As empresas dos países ricos foram produzir no exterior para produzir mais e com menor custo, lucrar muito mais no exterior do que nos países de origem. A produção nas regiões subdesenvolvidas é menos custosa, porque os operários aceitam salário menor. Mais produção e menor custo, mais venda e lucro maior.

Também os economistas acreditavam que grande parte desses lucros voltasse aos países de origem. Havia ainda a idéia de que o mundo dos negócios respeitasse a instituição das marcas e patentes. Havia ainda outro aspecto interessante. Esperava-se que se transferissem para os países subdesenvolvidos sobretudo as indústrias sujas, como a produção de aço e de alumínio, as indústrias com tecnologia defasada já. As indústrias de ponta e as indústrias limpas se manteriam nos países de origem. Infelizmente para os norte-americanos e europeus, nos negócios nada se respeita. Os países emergentes produzem qualquer remédio que os norte-americanos inventem (os famosos genéricos) e o Brasil compete na produção de certos tipos de aeronaves até com a Boing e a Airbus.

Estados Unidos e Europa permaneceriam também como os grandes provedores de serviços, como consultorias, finanças, pesquisas, ciência, invenções, tecnologia. Na verdade, tudo isso também está sendo compartilhado pelo resto do mundo. A produção científica hoje em dia, muito mais do que antes, e a invenção tecnológica são produtos globais.

O mundo de Barack Obama, presidente, é a cada dia muito mais diferente do mundo de Barack Obama, jovem mestiço norte-americano do Havaí. Assim mesmo, entendo que ele esteja pretendendo estimular a produção e o emprego da energia limpa e, como conseqüência, a intronização da nova economia, a economia com base na produção sustentável. Pretenderia repetir o que aconteceu na primeira e na segunda fase da revolução industrial, quando a invenção de novos tipos de energia possibilitou a transformação da vida humana e a criação de infinitas formas novas de comodidade de vida bem como de fontes numerosas e maravilhosas de prazer. E naquela segunda fase os norte-americanos partiram na frente e empolgaram a liderança social e política da Terra. É assim que entendo a sua ênfase no investimento de gigantesco capital do Estado norte-americano em energia renovável de todos os tipos. É assim que entendo aquela exigência do Congresso Norte-Americano para a concessão do auxílio financeiro à indústria automobilística: façam o carro que ninguém é capaz de fazer e todo mundo quer ter.

Por isso já disse neste blog “Pobre Barack Obama”, porque o empreendimento que lhe cabe liderar é simplesmente gigantesco e as forças que se lhe contrapõem são hercúleas. Muita coisa se tem ainda a dizer sobre isso. Mas, há uma que não quero calar: Obama foi eleito para presidir os Estados Unidos. Ele vai atrás do que interessa aos Estados Unidos. Ele olhará os problemas da Terra sob a ótica norte-americana. E fico refletindo sobre as pequenas dimensões da Terra e o enfoque humanístico de Erasmo de Roterdã, que se julgava um cidadão da Terra!...  

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