terça-feira, 29 de janeiro de 2019

434. Mero Alvitre Sobre os Desastres Ecológicos em Minas Gerais



Leio que o Brasil disputa com a Austrália a primazia na produção do minério de ferro. Já a China se situa em primeiro lugar na produção do ferro e também é o principal país importador da commodity exportada por Austrália e Brasil.

Carlos Drumond de Andrade produziu uma de suas primorosas poesias, lamentando a alteração das paisagens de sua terra natal, aquela que ele contemplava através da janela de sua casa e que se modificara com a eliminação das manchas curvas dos cumes das montanhas sobre a platitude azul do céu diáfano de Itabira, pela atividade febril das exportadoras, restando o vazio de onde extraem o solo natal para transplantá-lo em terra estrangeira longínqua.

Nunca ouvi falar em desastre ecológico, ocorrido na Austrália, Rússia, África do Sul, Estados Unidos, de natureza igual a esse, avalanche de lama de resíduo mineral estocado em barragens. Ouço frequentemente notícias de desabamento de cavernas, resultado da extração de minérios, sobretudo carvão, sujeito a acidentes de explosão de bolsão de gás aquecido e de expansão refreada.

Leio que no exterior, as mineradoras de ferro preferem estocar os resíduos a seco, ao invés de líquidos. Confesso que sou ignorante por completo em tecnologia de extração mineral. Consta, todavia, que eu seja um animal racional, até reconhecido pelo insigne Estado brasileiro em documento oficial de cidadania passado no meu nascimento, há quase 93anos! E, por isso, a minha mente, o meu córtex cerebral frontal, insiste em refletir incontrolavelmente sobre esses aparentemente irrelevantes fatos acima descritos.

Por que o Estado Brasileiro, Estado com reputação econômica entre os dez mais importantes do mundo, figurando, porém, no 105º lugar entre os mais corruptos, um pouco menos corrupto que a Rússia, o 108º, em meio a um grupo indistinguível de países periféricos, dá preferência a essa tecnologia, que por duas vezes já demonstrou ser calamitosamente destrutiva da vida humana. animal, vegetativa e do meio ambiente, das cidades, dos campos, das matas, dos rios e até dos mares?!

Dizem que só a Vale tem 153 espadas de Dâmocles da espécie suspensas sobre a nação brasileira; que há barragens, oito vezes, dez vezes mais devastadoras que essas duas já rompidas; que existe uma, gigantesca, suspensa sobre o nobre, histórico, artístico e populoso bairro de Congonhas em Belo Horizonte. Tudo isso foi permitido, e ao som de fanfarras, pelo Estado Brasileiro que, se não tinha conhecimento, devia ter obrigação de conhecer os riscos do empreendimento que estava aprovando, e, durante longo período, até promovendo. Isso já compõe uma história empresarial quase secular!

Se todos os outros países preferem a tecnologia dos resíduos a seco, deve haver algum motivo. Esse motivo não deve ser o econômico. Por que? Porque o Brasil é o país produtor de minério de ferro mais distante dos grandes centros consumidores: China, Japão Rússia. Europa, Coreia e Estados Unidos. O Brasil para competir como principal fornecedor mundial de minério de ferro precisa garantir-se com a mais barata produção do minério. Sempre ouvi falar que o baixo custo da extração do minério de ferro de Minas Gerais e dos Carajás no estado do Pará resultava  do alto teor de ferro de suas minas e da sua disponibilidade praticamente a céu aberto. Os competidores estrangeiros estariam, a meu ver, optando pela tecnolia do resíduo seco por segurança existencial das pessoas e ambiental da Natureza.
Estou suspeitando que a preferência brasileira pela tecnologia dos resíduos líquidos seja em razão da formação do preço, que necessita ser o mínimo possível para ser competitivo no mercado internacional do minério de ferro. O resíduo sólido, embora torne a atividade produtora do minério menos arriscada a desastres calamitosos, agravaria mais os custos de produção. O resíduo líquido fá-la-ia menos gravosa. Simples questão econômica, de comércio internacional, de lucro.
Preferimos o saldo da balança de pagamentos à integridade e fertilidade de nosso solo, ao transplante de nossa terra, à pureza de nossas águas, a nossas próprias vidas! Seria isso? Espero que as averiguações ora ordenadas pelo Governo nos esclareça.
Não me permito encerrar este texto, sem uma reflexão sobre o valor do §único do artigo 1º (Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou DIRETAMENTE, nos termos desta Constituição.”) e do artigo14 (Art. 14. "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - PLEBISCITO; II - REFERENDO; III - iniciativa popular.")  de nossa Constituição, aqueles que prescrevem a prática da genuína democracia – o governo do povo, pelo povo e para o povo – a democracia direta. Se impedidos não tivéssemos sido por nossos maquiavélicos governos desde aquele ano de1988, há 31anos!, e cumpridos tivessem sido esses ditames de democracia direta, quero crer que em assunto tão grave para o interesse pessoal e nacional, todo o povo brasileiro estaria hoje consciente dos riscos que tal prática mercantil e tal tecnologia envolvem, das opções existentes no mercado e teria exercido esclarecida e sábia opção sobre essa atividade mercantil e interesse nacional, de modo que todos agora se sentissem responsabilizados pelos acontecimentos subsequentes.
Espero que o novo Governo, que se apresenta como representante fidedigno do Povo Brasileiro, saiba decidir inspirado pelo genuíno espírito democrático, ou melhor, faça cumprir a Constituição E, por enquanto, só me resta lamentar tudo isso que está ocorrendo, apelando para o inesquecível vate mineiro, Carlos Drummond de Andrade, precisamente natural de Itabira, a região mais ameaçada por esse tipo de infortúnio:
         I
O rio é doce.
A Vale é amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.

         II
Entre estatais
E multinacionais
Quantos ais!

         III
A dívida interna
A dívida externa
A dívida eterna.

         IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?








Nenhum comentário:

Postar um comentário