Leio
que o Brasil disputa com a Austrália a primazia na produção do minério de
ferro. Já a China se situa em primeiro lugar na produção do ferro e também é o
principal país importador da commodity exportada por Austrália e Brasil.
Carlos
Drumond de Andrade produziu uma de suas primorosas poesias, lamentando a
alteração das paisagens de sua terra natal, aquela que ele contemplava através
da janela de sua casa e que se modificara com a eliminação das manchas curvas
dos cumes das montanhas sobre a platitude azul do céu diáfano de Itabira, pela
atividade febril das exportadoras, restando o vazio de onde extraem o solo
natal para transplantá-lo em terra estrangeira longínqua.
Nunca
ouvi falar em desastre ecológico, ocorrido na Austrália, Rússia, África do Sul,
Estados Unidos, de natureza igual a esse, avalanche de lama de resíduo mineral
estocado em barragens. Ouço frequentemente notícias de desabamento de cavernas,
resultado da extração de minérios, sobretudo carvão, sujeito a acidentes de
explosão de bolsão de gás aquecido e de expansão refreada.
Leio
que no exterior, as mineradoras de ferro preferem estocar os resíduos a seco, ao
invés de líquidos. Confesso que sou ignorante por completo em tecnologia de
extração mineral. Consta, todavia, que eu seja um animal racional, até reconhecido
pelo insigne Estado brasileiro em documento oficial de cidadania passado no meu
nascimento, há quase 93anos! E, por isso, a minha mente, o meu córtex cerebral
frontal, insiste em refletir incontrolavelmente sobre esses aparentemente irrelevantes
fatos acima descritos.
Por
que o Estado Brasileiro, Estado com reputação econômica entre os dez mais
importantes do mundo, figurando, porém, no 105º lugar entre os mais corruptos,
um pouco menos corrupto que a Rússia, o 108º, em meio a um grupo indistinguível
de países periféricos, dá preferência a essa tecnologia, que por duas vezes já
demonstrou ser calamitosamente destrutiva da vida humana. animal, vegetativa e do
meio ambiente, das cidades, dos campos, das matas, dos rios e até dos mares?!
Dizem
que só a Vale tem 153 espadas de Dâmocles da espécie suspensas sobre a nação brasileira;
que há barragens, oito vezes, dez vezes mais devastadoras que essas duas
já rompidas; que existe uma, gigantesca, suspensa sobre o nobre, histórico, artístico
e populoso bairro de Congonhas em Belo Horizonte. Tudo isso foi permitido, e ao
som de fanfarras, pelo Estado Brasileiro que, se não tinha conhecimento, devia
ter obrigação de conhecer os riscos do empreendimento que estava aprovando, e,
durante longo período, até promovendo. Isso já compõe uma história empresarial
quase secular!
Se todos os outros
países preferem a tecnologia dos resíduos a seco, deve haver algum motivo. Esse
motivo não deve ser o econômico. Por que? Porque o Brasil é o país produtor de minério
de ferro mais distante dos grandes centros consumidores: China, Japão Rússia.
Europa, Coreia e Estados Unidos. O Brasil para competir como principal fornecedor
mundial de minério de ferro precisa garantir-se com a mais barata produção do minério.
Sempre ouvi falar que o baixo custo da extração do minério de ferro de Minas
Gerais e dos Carajás no estado do Pará resultava do alto teor de ferro de suas minas e da sua
disponibilidade praticamente a céu aberto. Os competidores estrangeiros
estariam, a meu ver, optando pela tecnolia do resíduo seco por segurança
existencial das pessoas e ambiental da Natureza.
Estou suspeitando que a
preferência brasileira pela tecnologia dos resíduos líquidos seja em razão da
formação do preço, que necessita ser o mínimo possível para ser competitivo no
mercado internacional do minério de ferro. O resíduo sólido, embora torne a atividade
produtora do minério menos arriscada a desastres calamitosos, agravaria mais os
custos de produção. O resíduo líquido fá-la-ia menos gravosa. Simples questão
econômica, de comércio internacional, de lucro.
Preferimos o saldo da balança
de pagamentos à integridade e fertilidade de nosso solo, ao transplante de
nossa terra, à pureza de nossas águas, a nossas próprias vidas! Seria isso?
Espero que as averiguações ora ordenadas pelo Governo nos esclareça.
Não me permito encerrar
este texto, sem uma reflexão sobre o valor do §único do artigo 1º (“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou DIRETAMENTE, nos termos desta Constituição.”)
e do artigo14 (Art. 14. "A soberania popular será
exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual
para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - PLEBISCITO; II - REFERENDO; III
- iniciativa popular.") de nossa Constituição, aqueles que prescrevem a
prática da genuína democracia – o governo do povo, pelo povo e para o povo – a democracia
direta. Se impedidos não tivéssemos sido por nossos maquiavélicos governos
desde aquele ano de1988, há 31anos!, e cumpridos tivessem sido esses ditames de
democracia direta, quero crer que em assunto tão grave para o interesse pessoal
e nacional, todo o povo brasileiro estaria hoje consciente dos riscos que tal prática
mercantil e tal tecnologia envolvem, das opções existentes no mercado e teria
exercido esclarecida e sábia opção sobre essa atividade mercantil e interesse
nacional, de modo que todos agora se sentissem responsabilizados pelos
acontecimentos subsequentes.
Espero que o novo
Governo, que se apresenta como representante fidedigno do Povo Brasileiro,
saiba decidir inspirado pelo genuíno espírito democrático, ou melhor, faça
cumprir a Constituição E, por enquanto, só me resta lamentar tudo isso que está
ocorrendo, apelando para o inesquecível vate mineiro, Carlos Drummond de Andrade,
precisamente natural de Itabira, a região mais ameaçada por esse tipo de
infortúnio:
I
O
rio é doce.
A
Vale é amarga.
Ai,
antes fosse
Mais
leve a carga.
II
Entre
estatais
E
multinacionais
Quantos
ais!
III
A
dívida interna
A
dívida externa
A
dívida eterna.
IV
Quantas
toneladas exportamos
De ferro?
Quantas
lágrimas disfarçamos
Sem berro?
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