O Texto Original da Constituição Brasileira de 1988
O
artigo 201 original da Constituição Brasileira de l988 enumerava 5 tipos de
benefícios previdenciários (benefício temporário por doença ou acidente de trabalho, aposentadoria por
doença, invalidez, velhice, acidente de trabalho; pensão; e auxílio à
maternidade, ao desempregado involuntário, ao dependente de segurado de baixa
renda, e ao recluso). Indicava a fonte do custeio: contribuição. E concluía
determinando o universal acesso à previdência social, condicionado apenas à
contribuição, à irredutibilidade do valor real do benefício, à dependência do
valor do benefício do valor do salário de contribuição, à equivalência do
salario de contribuição à totalidade dos ganhos habituais do empregado
(substituto do salário contribuição ou do rendimento do trabalho do segurado),
ao valor piso de benefício igual ao valor do salário mínimo, e, por fim, à
coexistência de um seguro coletivo, de caráter complementar, e facultativo,
custeado por contribuições adicionais.
O
artigo 202 original, por sua vez, focava, de forma muito vaga, na
regulamentação do espaço da previdência social, explicitando os seus limites,
os tipos de benefícios e o respectivo custeio.
Entendo
que a intenção dos constituintes foi consagrar o que existia na época: o sistema
previdenciário do INSS juntamente com o regime regido pela Lei 6435/77, que
abarcava os seguros e planos de benefícios proporcionados por companhias de
seguros, bem como os de planos de benefícios proporcionados por fundações e
associações.
Parece-me
até que os constituintes capitularam um pouco ante o movimento de ressurgimento
do neoliberalismo político e econômico, ideologia nutriente dos glamurosos
governos de Margaret Tchatcher na Inglaterra, Ronald Reagan nos Estados Unidos
e da Queda do Muro de Berlim. Com efeito, a Previdência Social no Brasil, com a
Lei Eloy Chaves, nasceu como obra do Estado, sustentada, todavia, financeira e
economicamente pelo patrimônio particular do grande capital. Sua garantia
econômico-financeira, é óbvio, era o Empregador, a Ferrovia. Convenhamos,
frágil garantia, como a própria História o comprovou. Bem diferente, pois, da
concepção de Bismarck, que a imaginou garantida por capital estatal, amálgama
de contribuições dos empregados, empregadores e Estado, numa palavra, de toda
sociedade.
Vimos
que o Estado Brasileiro entendera que Previdência Social é assunto de Estado, e
intimamente ligado ao trabalho contratado, ao relacionamento entre empregador e
empregado. Assim, na década de 30 do século passado, assumiu a responsabilidade
pela Previdência Social na forma dos IAPs, previdência social estatal, com
capital tripartite segundo o modelo de Bismarck. Como as CAPs, iniciou-se
igualmente pagando aposentadoria de 80% da renda do empregado. O Banco do
Brasil, por decisão da Assembleia dos Acionistas, naquela época complementava,
incialmente sem contribuição alguma dos funcionários, posteriormente também com
contribuição só dos funcionários da ativa, os 100% do salário. Não haveria
problema razoavelmente previsível: aposentadoria de 80% garantidos pelo Estado
e 20% garantidos por reserva acumulada
ao longo da vida ativa do empregado (30 anos de contribuição, mínimo de 65 anos
de vida, quando a expectativa de vida era de 66 anos) sob o regime financeiro
de capitalização , fortalecida pelo comprometimento do Empregador com sua
integralidade. É, pois, adornada da
precisão da técnica matemático-financeira.
A
História da Previ nos ensinou, todavia, que mesmo em tal proporção, era
extremamente difícil a uma empresa, mesmo do porte do Banco do Brasil, àquela
época – banco comercial, banco industrial, banco agrícola, banco de
desenvolvimento, banco central e até banco de colonização – arcar com tal ônus.
Foi esse o motivo, de fato, que o levou,
em 1967, de forma unilateral, a impor a transferência desse ônus para a PREVI.
O Banco manteria o compromisso da aposentadoria e pensão 100% da renda salarial
do empregado, garantida a parte complementar à do INSS por uma fundação, cujos
recursos seriam o acúmulo do investimento das contribuições dos empregados e
empregador. O compromisso do contrato de trabalho continuava mantido. Mas,
daquele ano em diante, passaria a ser resultado de dois contratos, o básico com
o INSS e o complementar, com a PREVI. A Constituição Brasileira de 1988, pois,
estava adotando um modelo, recentemente engendrado pelo Banco do Brasil, de
alcance claramente limitado, para cumprir a obrigação do benefício complementar
integralizador, isto é, aposentadoria e
pensão, ambas, cada uma de per si, iguais a 100% da renda do trabalhador ativo.
Agora, já era o próprio Estado que estava transferindo a sua obrigação
previdenciária, em PROPORÇÃO INDEFINIDA,
para a empresa. Era, sem dúvida, um retrocesso, um passo para trás no rumo
assumido quando criados os IAPs. Com efeito, quem alimenta as reservas da
fundação? As contribuições do empregado e do empregador. Quem paga a renda ao
empregado? O empregador? Quem, então, fornece a totalidade das reservas à
fundação? O empregador.
Claro
que o Banco do Brasil, como banqueiro, confiava em que o mercado financeiro
viesse a acrescer substancialmente os fundos, mitigando sobremodo o ônus do
custeio do benefício previdenciário complementar. Assim, a partir da
Constituição Brasileira de 1988, e com base na Lei 6435/77, os aposentados da
PREVI poderiam não só a ter direito à complementação integral da aposentadoria (plano de beneficio definido), mas até,
temporariamente, superior, de 125% da renda da atividade.
Era
esse, sem dúvida, o compromisso do Banco do Brasil em 1988, quando promulgada a
Constituição, em plena vigência da Lei 6.435/77: plano de benefício definido,
isto é, aposentadoria de 100% da renda do empregado ao aposentar-se. E esse
direito, protegido pelos princípios todos que regem a previdência social, como
explica Wladimir Novaes Martinez:
“Na Previdência Social, A SOLIDARIEDADE é
essencial, e, exatamente, por sua posição nuclear, esse preceito SUSTENTÁCULO
distinguiu-se dos básicos e técnicos, SOBREPAIRANDO como diretriz elevada.
Ausente, será impossível organizar a proteção social.” (Obra citada)
“Solidariedade
quer dizer cooperação da maioria em favor da minoria, em certos casos, da
totalidade em direção à individualidade. Dinâmica a sociedade, subsiste
constante alteração dessas parcelas e, assim, num dado momento, todos
contribuem e, noutro, muitos se beneficiam da participação da coletividade.
Nessa ideia simples, cada um também se apropria de seu aporte. Financeiramente,
o valor não utilizado por uns é canalizado para outros.” (ibidem)
“Significa
a COTIZAÇÃO DE CERTAS PESSOAS, COM CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, EM FAVOR DOS
DESPOSSUÍDOS.” (ibidem)
Tratando
dos princípios básicos da Previdência Social, o citado autor explica:
“Hierarquizados os princípios, os básicos fixar-se-iam no ápice da pirâmide...”
Comentando o PRINCÍPIO BÁSICO DA PROTEÇÃO, esclarece: “PROTEÇÃO LEMBRA PODER E
NECESSIDADE. Ela ENLAÇA DOIS SUJEITOS: PROTETOR E PROTEGIDO. Ressalta a
capacidade de dar e a contingência de precisar... Hodiernamente, numa sociedade
organizada, desenvolvida a previdência social como técnica sociológica e
ciência jurídica, proteção significa direito à participação do bem geral, de
todo trabalhador construtor da sociedade. E dever do Estado. (ibidem)
Comentando
O PRINCÍPIO BÁSICO DA ESSENCIALIDADE, expressa-se assim: “...REVELA-SE
IMPRATICÁVEL AS PESSOAS UTILIZAREM ESFORÇOS INDIVIDUAIS ASSECURATÓRIOS DE
AUTOPROTEÇÃO PELO TEMPO NECESSÁRIO. Factível de certa forma é oferecer razoável
cobertura a alguns, sustentando o amparo pela privação genérica dos demais... A
admissão do estado de necessidade não significa só os carentes terem direito.
Também aos não necessitados, na medida de participação solidária, se cumprem os
requisitos lógicos constituidores do direito. CABE À TÉCNICA DETENTORA DO PODER
DE EFETIVAÇÃO DA SOLIDARIEDADE DETERMINAR EM QUAL MEDIDA SE FARÁ A SUBSTITUIÇÃO
DOS MEIOS DE SUBSISTÊNCIA. POR EXEMPLO, DAR IGUAL, MAIS OU MENOS.” (ibidem)
Comentando
O PRINCÍPIO BÁSICO DA UNIDADE, disserta: “...o seguro social consiste numa poupança
coletiva obrigatória indisponível, tendo sua administração operada por um ente
capaz de proceder à redistribuição das reservas e rendas dessa poupança às
pessoas previamente definidas. A PROPRIEDADE DOS RECURSOS CARREADOS DA
CLIENTELA PROTEGIDA, GLOBALMENTE CONSIDERADOS, A ELA PERTENCE. POR MANDATO
SOCIAL, ESSES RECURSOS SÃO ADMINISTRADOS POR ENTIDADE, CUJA PRINCIPAL FUNÇÃO
CONSISTE EM AMEALHÁ-LOS E CANALIZÁ-LOS NA DIREÇÃO DE QUEM FAZ JUS À PROTEÇÃO...
RESPONSABILIZANDO-SE O ESTADO PELA PROTEÇÃO DOS INDIVÍDUOS CHAMA A SI O ENCARGO
DE GERIR ESSES BENS...” (ibidem)
Comentando
O PRINCÍPIO BÁSICO DA SUPLETIVIDADE, eis como se expressa: “Na atualidade,
convive pluralidade de técnicas e elas se... integram... A previdência social
não tem por fim suprir todas as necessidades do trabalhador nem substituir por
inteiro os seus meios de subsistência. O fato de se quedar aquém dessa aparente
pretensão, reservando parte da cobertura à iniciativa particular e dando apenas
o essencial, constitui o princípio da essencialidade, já enfocado.” (ibidem)
Comentando
O PRINCÍPIO BÁSICO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS, explica: “...resulta de uma
sociedade constituída de individualidades, matizada pelas diferenças... Os
descompassos sociais preexistem à previdência social e esta, em seu
desenvolvimento, a rigor, não deve alterá-los... As diferenças sociais
espelham-se no status social dos indivíduos e este é basicamente determinado
pelos seus ingressos ou os da renda familiar. É DOGMA DO SEGURO SOCIAL A
PRESTAÇÃO NÃO ALTERAR ESSE NÍVEL, mesmo se diversas pequenas técnicas de
proteção social... são implantadas com o objetivo de ampliar a renda do
trabalhador, oferecendo-lhe serviços e facilidades para melhorar sua situação,
por meio da educação, aquisição da casa própria, assistência médica etc. Porém,
no seguro social, por ocasião da fruição dos benefícios, NÃO SE CUIDA DE
ALTERAR O STATUS, E, SIM, MANTÊ-LO.” (ibidem)
Impossível
viver-se solitário. O indivíduo humano nasce numa sociedade e sobrevive numa
sociedade. Hodiernamente, impossível sobreviver sem dar encontrões noutros
indivíduos. Sobrevive-se em sociedade e obtém-se muito mais bem-estar em
sociedade. Sociedade é convivência de indivíduos, de singularidades, de
desigualdades. Convivência é concordância, aproximação de desigualdades. É
igualdade de desiguais. A igualdade dos desiguais é a Lei. A Lei é a igualdade
dos indivíduos livres. Somos iguais na Lei.
A
Liberdade é a desigualdade, a singularidade, o indivíduo, o Bem-Estar, a Vida,
o Bem Supremo. É opção pelo estilo de
vida, escolha de profissão, exercício de vontade consciente, diz Wladimir de
Novaes Martinez. E adita: “O seguro social priva o indivíduo de certa
independência, a econômica, diminuindo-lhe os ingressos, mas lhe oferece
multiplicada a possibilidade de não perecer, de não depender, de ser
relativamente livre, quando isso já não for possível por suas próprias forças.
A contribuição é o preço pago por obtê-la por ocasião da velhice ou da
incapacidade para o trabalho.”
Infelizmente,
transcorridos nada mais que vinte e oito anos e constata-se que as expectativas
dos legisladores não se estão concretizando. Neste ano de 2016, o salário de
contribuição e, portanto, o teto de aposentadoria do empregado no Regime Básico
da Previdência Social monta a R$5.189,82. A totalidade dos empregados ativos
contribui para a Previdência Social, variando a taxa de contribuição em função
do tipo de trabalho e do valor da remuneração, atingindo a mais elevada a 11%.
Para pequena parcela da população ativa, altamente capitalizada, a contribuição
ao INSS é facultativa. Já a contribuição do empregador é de 20% sobre o total
das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês aos
segurados empregados. Desconheço a contribuição do Estado. Entretanto, o
Governo diz que este ano a Previdência Social básica apresentará déficit de
R239 bilhões.
Por
sua vez, a PREVI, há anos, teve de colocar em regime de extinção o Plano de
Benefícios de benefício definido e, de substituí-lo por um Plano de Benefícios
de contribuição definida. Plano de contribuição definida, a meu ver, repousa
diretamente sobretudo no indivíduo. O salário é que protege o seu futuro. O
indivíduo é que se confere a aposentadoria. E o salário depende do Empregador,
que, hoje em dia, substitui o empregado pela máquina, que desemprega. Estamos
constatando agora mesmo o Banco do Brasil substituindo o empregado pela máquina
e estimulando os mais antigos funcionários a uma aposentadoria precoce. Uma
leva de milhares de empregados que anteciparão os saques dos benefícios. Os
recursos de proteção dos necessitados serão utilizados também para a proteção
do capital! Triste sorte da Previdência complementar!
Neste
decurso de tempo, posterior a 1988, o Estatuto da PREVI e o Regulamento do
Plano de Benefícios de benefício definido tem sofrido várias modificações, que
enfraqueceram, a meu ver, os direitos dos Participantes, pelo menos daqueles
conhecidos como pré-67. Estamos, por exemplo, ante a possibilidade de ser
onerados com contribuição extraordinária para cobrir déficits de reservas. Esta
situação, se concretizada, não constitui, é evidente, redução do complemento da
aposentadoria literalmente considerado, é-o de fato nos seus resultados, e não
existiria, se o Banco houvesse mantido o seu compromisso direto contratual
existente até l967.
O
que estou coligindo de toda esta análise?
A
Lei 6435/77 foi um retrocesso na história da previdência social brasileira.
A
Constituição Brasileira de 1988 o acolheu.
Ele
foi uma medida unilateral do Banco do Brasil, tomada em 1967, para se desonerar
do compromisso contratual de trabalho pela complementação de aposentadoria em
valor igual ao salário do funcionário ativo.
Esse
modelo poderia até ser viável, caso se observassem o princípio básico da
sociedade – a convivência social existe para que cada indivíduo construa pelo
seu trabalho autônomo a sua própria Humanidade – e o princípio SUPREMO da Previdência Social – proteção do Estado ao
incapacitado de trabalhar por deficiência física ou de oferta de trabalho.
A
Previdência Oficial Básica, afirma o Governo, marcha para o apocalipse. Vários
Planos de Benefícios Previdenciários Complementares fracassaram ou apresentaram
déficits que significaram profundo desajuste nas economias dos beneficiados.
Isto é, fracassaram, definitivamente, ou temporariamente, no seu objetivo de
proteção.
Essa
é a realidade!
A
Lei 6435/77 e, muito menos, a Constituição Brasileira de 1988 não podem ter
sido uma farsa. A imagem de Ulysses Guimarães, agitando a Constituição Cidadã,
isto é, a Constituição das Cláusulas Pétreas, ainda vive em minha mente, e dela
só a morte a eliminará.
A
razão desse fracasso foi ignorância ou foi projeto?
(continua)