Fernando Henrique Cardoso reagiu à máxima (“Brasil acima de todos. Deus acima de tudo.”) que o Presidente Bolsonaro consagrou como resumo da orientação que pretende imprimir ao seu período de governo presidencial brasileiro, com uma palavra: “Atraso”.
Entendemos que o cientista, ex-presidente do Brasil, se referia a regredir o Brasil num período multissecular, extenso de mais de dois mil anos, já que pretende governar o Brasil, na Era Moderna com mentalidade da Era Cristã.
Os
evangelistas Lucas e Mateus disseram que Jesus ensinou a oração do Padre Nosso:
“Pai nosso, que estais no céu, santificado seja o vosso nome. Venha a nós o
vosso reino. Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. O pão nosso
de cada dia nos dai hoje. Perdoai-nos nossas dívidas assim como perdoamos aos
nossos devedores. Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do Maligno.”
Essa
oração é oração paulina, oração que resume a concepção que Paulo de Tarso,
judeu e cidadão romano, possuía do Mundo e da Vida. Essa concepção está repleta
de irracionalidades, pensamentos que não resistem ao princípio da contradição, tais
como um homem, Jesus, um judeu que foi julgado criminoso pelo seu povo, o povo
judeu, e condenado à morte, é deus e criador do Universo!
Essa
oração nos diz que existe um deus, ser absoluto e Pai amantíssimo, que tudo
criou para manifestar a sua grandeza e riqueza, para sua glória!
Assim, existem três reinos: o reino de Deus, o
reino celeste, reino espiritual e eterno, o reino da Perfeição infinita, o
reino da Verdade e do Bem; o reino terrestre da Humanidade, contaminada pelo
vírus do mal, introduzido pelo pecado de Adão; e o reino do Maligno, o Inferno,
local de sofrimentos infinitos, onde se padece o sofrimento infinito da
ausência de Deus!
Ela
também revela que o Maligno tenta persuadir o homem a não observar os
mandamentos divinos, um dos outros inumeráveis mistérios que compõem a doutrina
cristã católica.
O reino terrestre terá um fim, que consistirá
na fusão dele com o reino de Deus, após o Juízo final, quando Jesus voltará à
Terra, para encerrar o reino terrestre, lugar e tempo de prova, para premiar
quem na vida terrestre cumpriu os mandamentos divinos e castigar com pena
eterna os que a eles não se sujeitaram (“Ele descerá de lá dos céus com suas
milícias angélicas, em chamas de fogo para fazer justiça àqueles que não
reconhecem a Deus e aos que não obedecem ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus.
Terão como castigo a pena eterna, longe da face do Senhor e de sua suprema
glória. Naquele dia ele virá e será a glória de seus santos e a admiração de
todos os fieis e vossa também, porque crestes no testemunho que vos demos.”
Tessalonissenses 2-1-7/16), conquanto tal fidelidade seja uma Graça divina,
pura benevolência divina para alguns dos homens (“Com esse pensamento rezamos
sem cessar por vós, para que vosso Deus vos faça dignos de sua vocação e com
poder cumpra toda a sua vontade para o bem e a obra de vossa fé. Para que seja
glorificado o nome de Nosso Senhor Jesus em vós e vós nele, segundo a graça de
nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo.” Ibidem-11/12). Essa graça Deus reserva,
todavia, para poucas pessoas (“Porque muitos são chamados, mas poucos
escolhidos.” Mateus 22-14).
Nada
obstante, Jesus preocupa-se com a satisfação das necessidades da subsistência,
da vida terrena. E como tudo é feito e doado ao homem por deus, ele inclui na
oração a petição da dádiva dos bens de subsistência (“O pão nosso de cada dia
nos dai hoje.”). Ingressam na oração como meio provedor de vida, não como
elemento constitutivo da felicidade, pois esta somente se goza no reino de
Deus, como dádiva divina eterna aos poucos escolhidos por Deus para viver honestamente no
reino terreno, o período de provação, segundo os seus mandamentos.
A
oração do Pai Nosso, pois, coloca a felicidade humana na outra vida e no outro
reino, o reino de Deus, após a morte. Os bens materiais não integram as
condições e fatores que produzem a felicidade humana. A felicidade humana é
resultado de um estado mental, a contemplação de deus, doação de Deus,
inteiramente graciosa, não resultante de mérito algum, totalmente graciosa,
como explicou Jesus, a pedido dos discípulos, no sermão das Bem-aventuranças: Bem-aventurados os pobres de
espírito,( o homem é a incapacidade, tudo deve a deus, até sua capacidade); os
que choram (quem sofre e procura em Deus a força de suportar o sofrimento
alcança o consolo nesta vida e a felicidade na vida eterna); os mansos (os que não sentem o ímpeto de reagir com violência à
violência alheia, porque sabem que somente de Deus vem que são o que são); os
que têm fome e sede de justiça (a felicidade não é o gozo de bens materiais ,
mas da vida em conformidade com a vontade divina, que, justo, confere a cada um
o conforto de vida segundo o critério de sua Justiça, ainda nesta vida terrena,
mas plenamente na vida eterna); os misericordiosos; os puros de coração (os que
possuem personalidade pura, o íntimo da personalidade, do eu, desse feixe de
pensamentos, emoções e motivações, é puro, sem defeito, sem maldade); os
pacificadores; os que sofrem perseguição por causa da justiça (do comportamento
honesto); quando vos injuriarem e
perseguirem, e mentindo, falarem todo mal contra vós por minha causa; exultai e
alegrai-vos, porque é grande o vosso
galardão nos céus.
Mil anos transcorridos, um monge compõe,
inspirado nessas ideias, a oração da Salve Rainha, a terceira mais rezada
oração pelos cristãos católicos romanos: “Salve
Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salve! A vós
bradamos os degredados filhos de Eva. A vós suspiramos, gemendo e chorando
neste vale de lágrimas. Eia pois advogada nossa, esses vossos olhos
misericordiosos a nós volvei. E depois deste desterro, mostrai-nos Jesus,
bendito fruto de vosso ventre. Ó clemente! ó piedosa! ó doce sempre Virgem
Maria! Rogai por nós Santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos das promessas
de Cristo. Amém.”
O homem é um ser degradado, intrinsecamente
mau, corroída a sua natureza pela herança da culpa de Adão e Eva. Seus
pensamentos, emoções e desejos de vida terrena confortável, prazerosa e alegre, tudo que hoje a Psicologia ensina como produção do sistema nervoso sob influência das condições vividas pelo organismo humano, são ilusões provocadas pelo Maligno, que insiste em tentar fazer abortar o
plano divino da criação, a glorificação de Deus.
Essa mentalidade criou os eremitas dos primeiros
tempos do cristianismo e os monges das abadias e conventos da Idade Média.
Estes passavam a vida orando diante do ostensório da hóstia consagrada, o corpo
real de deus, Jesus Cristo, na expectativa de serem incluídos no restrito grupo dos escolhidos para habitar o Reino dos Ceus.
Bem diversa é a concepção que o homem moderno
alimenta com relação à existência e à vida. Ele tem consciência de que existe e
vive no planeta Terra, um astro do sistema solar. O sistema solar faz parte do Universo,
que é o conjunto de todos os seres existentes. O Universo é caracterizado pela
multiplicidade e transitoriedade dos seres que o compõem. O Universo se acha em
permanente transformação segundo determinadas leis. Tudo começa e tudo acaba.
Tudo é devir.
O Homem percebe-se como ser vivo e dominante na
superfície terrestre. Essa predominância se deve à riqueza da sua vida mental,
dotada de racionalidade, emotividade, sensibilidade, necessidade e atividade
que lhe proporciona amplas condições de conseguir a sobrevivência própria
individual e da espécie.
O homem é um ser silvestre, brotou da selva,
mas não quer viver na selva. Ele quer
conforto e a satisfação de todas as suas necessidades. O homem moderno não mais
entende a felicidade nem mesmo como o poeta romano Virgílio: “Feliz é o homem
que compreende a existência e domina todas as suas angústias, a inevitabilidade
do destino e a tragédia da morte.” Ele pretensiosamente tenta até mesmo conseguir
eximir-se da lei da finitude. A felicidade na Terra é tentativa consciente ou
inconsciente de todos os indivíduos humanos, até dos suicidas, num gesto de
violenta e irracional tentativa de consegui-la.
A felicidade nestes tempos da Era moderna é concebida
como um estado de vida terrena que um cidadão romano, há dois mil e poucos anos,
deixou descrita numa gravação no piso de um anfiteatro e um boêmio do
povo no século passado reescreveu num depósito de lixo de Montmartre: “amar, comer,
beber e cantar, isso é ser feliz.” E a genial loucura de Nietzsche reconhece a laicidade da Era Moderna, que recoloca a felicidade na vida terrena.
Com muito mais precisão e sabedoria, Epicuro
sintetizou a ideia fundamental da civilização da Era moderna: “(A felicidade é
uma vida) sem dor no corpo e sem angústia na alma.” A felicidade é estado de
vida na existência terrena, que consiste na satisfação de todas as necessidades
humanas, materiais e mentais.