quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

532. O que é a Inteligência?

 

A mente humana é insondável mistério. Os psicólogos narram que certa criança, chamada Alex, com claro desenvolvimento mental retardado, de repente, em razão de obstáculo às tentativas de ligar um ventilador, descobriu subitamente a razão de seu fracasso, e proferiu o discurso de estréia: Jesus Cristo! Esse ventilador não funciona! Desde aquele momento em diante, um discurso desenvolvido e parecendo adulto jorrou da boca de Alex como se tivesse sido armazenado lá, completo e prontinho para usar, apenas esperando pelo momento certo para irromper. Aos nove anos, seu vocabulário e seu domínio da gramática, sintaxe, modulação e ênfase eram tão bons quanto de qualquer adulto. Desde então, ele tinha ficado extraordinariamente confiante e extrovertido, circulando nos salões como um diplomata experiente em um coquetel. Em termos de conteúdo, porém, sua conversa nunca se tornou mais conseqüente que sua observação sobre o ventilador. E, bem provavelmente, nunca ficará. A síndrome de Williams é causada por uma mutação genética que produz acentuado retardo mental..., juntamente com extraordinária aptidão lingüística. Embora frequentemente exibam incrível intuição e empatia, o QI médio de pessoas com a síndrome de Williams fica entre 50 e 70... (transcrito do livro Mente, de Rita Carter, tradução portuguesa, editado por Ediouro).

Outros psicólogos descrevem as características físicas dos portadores da síndrome de Williams: baixa estatura na idade adulta, problemas odontológicos (dentes pequenos e às vezes com mau fechamento da arcada dentária), voz rouca e problemas de postura (cifose e lordose).

Não tenho a pretensão de formular qualquer diagnóstico nem tenho autoridade científica nem profissional para tanto. Até mesmo concordo com a observação de que se estaria forçando o enquadramento.

Apenas acho que seja, em verdade, difícil definir-se o que seja a inteligência. Há várias teorias a respeito da inteligência. Alguns dizem que a inteligência é uma capacidade especializada e inerente ao organismo humano de decifrar e resolver os problemas práticos e teóricos com que o indivíduo humano se depara. Seria uma dádiva da natureza: o indivíduo nasce com ela. A maioria dos que defendem a teoria naturalista afirmam que uns nascem com mais inteligência e outros com menos inteligência. A Natureza produz o carisma, os líderes. E parece que essa abordagem é que está sendo, no momento, adotada por interessados, neste País.

Essa teoria já causou recentemente vítima entre os ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina, quando James Watson foi constrangido a demitir-se do Laboratório de Cold Spring Harbor, simplesmente porque disse que ia pesquisar a relação entre inteligência e raça, já que suspeitava existir conexão da inteligência com o DNA. Nada há de democrático nessa abordagem. Ela é elitista. Nada mais distante do materialismo-histórico-dialético e da mentalidade dos progressistas e esquerdistas nacionais. Ela afirma que uns nasceram para mandar, para ser reis, e outros nasceram para serem comandados, para ser povo. É um retrocesso na História. Regride-se à Idade Média.

A afirmação de que inteligência é carisma não pode caber no discurso de quem é democrata e esclarecido. E é aí que a Universidade faz falta. Falta o conhecimento que a Universidade fornece para que o indivíduo tenha total noção do que está falando e fazendo. Sem Universidade torna-se difícil possuir o domínio sobre o próprio discernimento. O discurso varia conforme as circunstâncias e os interesses tal qual a biruta se move ao sabor dos ventos. Quem desconhece a Cultura, porque não se aprofundou através do estagio universitário, pode achar normal que se tenha um discurso quando se é oposição e outro quando governo, sobre a mesma matéria. Conhecimento faz parte da inteligência humana. Conhecimento é o processo mental metodicamente conduzido pela cultura acumulada pela Humanidade, ao longo de quinhentos milênios. O falecido líder esquerdista Leonel Brizola apreciava jactar-se de que sempre teve um discurso político coerente. Penso que ele queria dizer que tinha um conhecimento sólido, consciente, esclarecido dos assuntos de interesse público.

Sobreviver é socializar-se. E socializar-se é infundir a cultura no indivíduo humano, a cultura que nada mais é que o conhecimento acumulado por toda a Humanidade ao longo dos quinhentos milênios de sua existência. O indivíduo, que despreza a Universidade, renega todo o conhecimento humano – presente e passado – e se erige num ser humano quase divino, tal qual os gregos imaginavam os seus heróis. É simplesmente ridículo.

Outra abordagem dos que adotam a teoria da inteligência natural é a dos psicólogos progressistas radicais. Eles imaginam que todos nascem com a mesma capacidade mental, isto é, todos têm a mesma mente ao nascer. As influências do meio ambiente, interno e externo ao indivíduo, é que desencadeiam o processo de diferenciação da inteligência individual. Todos os fatores internos e externos, físicos e sociais, moldam a inteligência e determinam-lhe a dimensão. Essa teoria sócio-histórica é adotada por psicólogos da PUC de São Paulo. Teria sua origem com o psicólogo Vigotski, na ex-União Soviética, e teria sido aplicada no Brasil em Educação por Emília Ferreiro e na Psicologia Social pela professora Sílvia Lane. Essa abordagem parte, portanto, da nada óbvia constatação de que todos nascemos idênticos. O indivíduo humano nada mais é que o resultado da socialização. Socialização idêntica, indivíduos humanos iguais e sociedade humana democrática. Nada de carismas, nada de predestinações. O povo em sociedade, e só o povo em sociedade, é que comanda as transformações. Esta teoria, portanto, não se coaduna com a mente dos que, ao menos no discurso, deslustram o valor da cultura e da Universidade.

A maioria dos psicólogos estão com Ortega y Gasset: Eu sou eu, e minhas circunstâncias. Cada indivíduo humano nasce com o seu organismo e com a sua mente inconfundíveis com o organismo e a mente dos outros indivíduos humanos. E cada processo existencial individual é diferente de todos os outros. Mas, tudo isso que é inconfundível, é também muito semelhante. Eu nasci com uma mente muito semelhante a de todos os outros, mas não igual, assim como é a mesma cultura que me foi infundida através da socialização, embora em circunstâncias muito próprias minhas. Daí os indivíduos humanos diferentes e semelhantes, capazes de conviverem e necessitando da convivência para sobreviver e, sobretudo, para conquistar uma convivência em grau de excelência.

Aí, sim, há lugar para o carisma e para a democracia. Tudo na vida, com efeito, só existe, porque existem todas as condições favoráveis para que aconteça. Assim, o processo de desenvolvimento humano individual e social segue as coordenadas das condições favoráveis. É o resultado do esforço histórico da Humanidade, algumas vezes desabrochando através de uma individualidade carismática como Albert Einstein ou como Mozart, ou como Carlos Magno, mas sempre resultado do amadurecimento do esforço da Equipe Humana, que mais tarde ou mais cedo teria de ocorrer, permanecendo os mesmos estímulos ambientais.

A cultura e a Universidade valem muito. A cultura e a Universidade são, sobretudo, conhecimento, entre outras coisas. A cultura e a Universidade são inteligência acumulada, sim. Não podemos, de modo algum, separar indivíduo e sociedade. O bem do indivíduo não é dádiva de nenhum outro indivíduo, não é favor. O bem do indivíduo é conseguido na sociedade e na medida em que se integra à sociedade. Assim, pode-se bem afirmar: a inteligência é cultura, é sociedade, e é Universidade.

 (Texto escrito em 05/01/2017)

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

. 531. O Berço da Ciência

 

Marilena Chaui ensina que os gregos usavam a palavra lego para significar reunir, juntar. Assim, usavam a palavra logos para significar palavra, pensamento e ser. (Introdução à História da Filosofia: dos Pré-Socraticos  a Aristóteles, de Marilena Chaui, 2ª edição revista e ampliada, São Paulo, Companhia das Letras,2002) Esse ensinamento me oferece a melhor chave para abrir a porta para o meu entendimento de como se deu o primeiro passo da Humanidade na direção da aquisição da Ciência. 

Falar é juntar sons, palavras. Pensar é juntar conceitos, juízos, raciocínios. Fazer, criar objetos é juntar coisas. Destruir objetos é separar partes do objeto. Se bem observarmos as coisas ao nosso redor, nada surge subitamente inteiro a nossa frente e nada desaparece subitamente inteiro diante de nós. 

Essa foi a grandiosa intuição de Tales, em Mileto, cidade grega, hoje turca, há dois mil e oitocentos anos: nada se cria, nada se aniquila, tudo se transforma. O gelo não brota repentinamente e desaparece repentinamente; o gelo se transforma em água, e a água se transforma em ar, e o ar se transforma em nuvem, e a nuvem se transforma em água; o metal se transforma em líquido e o líquido reverte a metal; a semente se transforma em planta, a planta se transforma em flores, as flores se transformam em frutos, os frutos se transformam em sementes; o dia se transforma em noite e a noite se transforma em dia.

Tales captou, induziu, observando a natureza, o princípio da transformação: tudo se transforma. Ele tem, agora, pois, um juízo - tudo se transforma – obtido pela observação da natureza. A esse juízo, ele, então, junta outro, obtido de sua razão, de sua mente. É a hipótese, isto é, algo que torne a realidade racional, uma harmoniosa imagem conceitual da realidade, uma reunião de juízos tal que um não se oponha ao outro, uma reunião de conceitos tal que um não se oponha ao outro. A realidade deve ser harmoniosa, as partes da realidade devem encaixar-se. A imagem da realidade deve ser harmoniosa, os juízos e conceitos devem igualmente encaixar-se. 

O conhecimento científico é, pois, um raciocínio, isto é, o esforço da mente por tornar a realidade racional, em harmonia com a mente humana, com a lei de harmonia que rege a aglutinação dos juízos e dos conceitos humanos. A ciência é a busca da razão das coisas. É o conhecimento justificado. É conhecimento indutivo, baseado na experimentação e por ela controlado, e conhecimento dedutivo, tudo comprovado pela experimentação. É a tentativa de encontrar na realidade a mesma harmonia racional da mente. O conhecimento científico parte do pressuposto de que a Natureza está igualmente dotada da harmonia racional. 

Naquele dia, em que o sábio grego Tales passou a pesquisar o princípio de onde tudo provém, que é tudo porque é aquilo de que tudo é feito, e é aquilo em que tudo acaba, ele deu o primeiro passo da Humanidade na longa estrada do conhecimento filosófico e científico que é uma das características da atual civilização ocidental e que já se estendeu para o planeta Terra inteiro. Aristóteles, em seu livro Metafísica, deixou-nos o seu testemunho: “A maior parte daqueles que filosofaram pela primeira vez pensava que o princípio de todas as coisas era somente de ordem material.” (Antologia Ilustrada de Filosofia, de Ubaldo Nicola, Editora Globo S.A., São Paulo, 1ª edição, 10ª reimpressão,2011, pg.14) Todas as coisas são produzidas pela Natureza. A explicação das coisas, portanto, encontra-se na Natureza. A explicação das coisas não se encontra fora da Natureza. Entendem-se as coisas observando-as. Essa é, em resumo, a magnífica contribuição de Tales, de Mileto, à Cultura da Humanidade. Um marco na História.

(Escrito em 07/07/2017)

 

 

 

 

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

530. Somos Governados por Leis

          Tentamos demonstrar, em nosso último artigo nesta revista, que o Homem Terreno do Ocidente delimita o espaço mental de sua existência às preocupações com uma vida prazerosa. Lança-se, por isso, à conquista do poder que lhe confere a liberdade. Ele é livre para tudo fazer e tudo usufruir a seu bel prazer. A riqueza compra a liberdade, o poder político e todos os privilégios. O homem rico faz o que quer e governa os outros homens. É o capitalista explorador de Karl Marx. É o elo da continuidade evolucionista de Herbert Spencer. É o super-homem de Nietzsche.

     Maquiavel foi quem primeiro, no albor dos tempos modernos, desenhou em cores mais vivas a forma de agir da Humanidade, propulsionada pela ambição de usufruir de total liberdade e de gozar todas as delícias da vida. 

    Maquiavel provocou uma revolução na concepção da Sociedade. Os sábios até aquela época só se interessavam em indagar como deveria ser a Sociedade. Maquiavel interessou-se em conhecer como é a Sociedade, como ela se constrói de fato. 

    Ele entendeu que o Príncipe, isto é, o chefe de uma nação de seu tempo, era sempre um indivíduo especial, resultado de      qualidades específicas para o sucesso, e, importantíssimo, bafejado pela sorte. 

   O Príncipe, entre muitas outras qualidades, tinha que ser habilíssimo nas artes da guerra, desmedidamente cruel e ao mesmo tempo irresistivelmente amável. O importante mesmo era que ele aparentasse possuir essas qualidades num grau inexcedível pelos seus concorrentes. O importante era que fosse tão hábil na arte da dissimulação que todos se convencessem de que ele era dotado de todas essas qualidades no mais alto grau. O importante, portanto, em termos modernos, era que a imagem mitológica do Príncipe fosse forjada de forma inconteste na mente das pessoas, através de marketing irresistível. 

    Tal deveria ser a imagem irradiada de crueldade que todos os inimigos temessem o Príncipe inclemente, que não só eliminava os inimigos, mas até exterminaria toda a sua descendência. Tão paternal a sua bondade e misericórdia que todos os súditos se sentissem por ela alcançados sem limite. Temido pelos inimigos e amado pelos súditos, o Príncipe governaria seu povo sem correr nenhum risco de revolta e de destituição do poder. Manter o poder de governar, segundo Maquiavel, reduz-se a uma questão de marketing. 

    Ele, a vontade do Príncipe, guiado unicamente pelos seus interesses, governaria toda a legião de súditos. Nenhum outro poder, todavia, existiria para ditar-lhe qualquer norma de conduta. O Príncipe não se sujeitaria a nenhuma lei e a nenhuma pessoa. Ele seria livre para fazer o que bem entendesse. A vontade do Príncipe, sem qualquer peia a limitá-la, seria a lei para todos os seus súditos. Os súditos do Príncipe, portanto, são governados por homens. 

    O oposto foi o governo da cidade de Atenas. O famoso discurso de Péricles, aquele em que ele descreve o esplendor político e social daquela cidade, registra entre as glórias de Atenas aquela proclamação: somos livres, porque somos governados por leis, que nós próprios editamos como resultado de nosso consenso, alcançado em praça pública. Fato inaudito na História àquela época e que fazia a principal diferença do Mundo civilizado, a cidade de Atenas, do Mundo bárbaro, o resto do Mundo conhecido. 

    Frase equivalente o povo brasileiro acaba de ouvir, proferida na tarde de 1º de outubro corrente, na sessão vespertina do Supremo Tribunal Federal, proferida por um dos eminentes Juízes: “Não somos governados por homens. Somos governados por leis!” 

    1º de outubro de 2012, data histórica para a Nação Brasileira!

(Texto escrito em 12 de outubro de 2012)

 

 

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

529. Ainda Sobre o Estado Grande

             Alguns pensam que, estabelecido o Estado Grande, uma nação marchará inelutavelmente para o progresso. A História dos nossos dias não convalida essa opinião.  

Tenho absoluta certeza de que, pelo menos desde o ano de 1966, vozes autorizadas e sensatas do meio acadêmico, do meio econômico e mesmo do meio financeiro se faziam ouvir, vaticinando que a atividade bancária exacerbada dos empréstimos da subprime e dos derivativos não se sustentaria.

Governo algum tomou providência. Todos os governos estavam satisfeitíssimos com os resultados auspiciosos do curto prazo, que alimentavam o próprio marketing de sucesso político. O meio financeiro norte-americano tocava a música e o resto do mundo dançava aloucado.

Uma instituição, que facilitou a excessiva alavancagem bancária, responsável por toda essa farra, foi o paraíso fiscal. Ora, o paraíso fiscal existe, pelo menos, desde a década de 60 do século passado, com o conhecimento e sob a complacência dos Governos de todos os países.

 E os governantes sabiam e sabem que os paraísos fiscais existem para lá se realizarem operações bancárias legais e ilegais, sobretudo as ilegais. Entre essas operações ilegais, além da lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio criminoso, inclui-se a sonegação de impostos. Vejam só: os Governos faziam e fazem vistas grossas exatamente a essa burla fiscal.

E há ainda Governos que surpreendem, eles mesmos praticando burlas inacreditáveis, que conduzem a prejuízos gigantescos à própria nação e até aos parceiros políticos, como o caso atual do Governo grego que, poucos anos atrás, para obter o ingresso na União Européia, não teve escrúpulo algum de contratar peritos financeiros para maquiar as suas contas públicas. Hoje está aí a Grécia soçobrando sob as conseqüências de sua farsa e provocando grandes problemas à economia da União Européia.

Estado não é garantia de legalidade, nem de moralidade, nem de sucesso econômico nem político nem militar. Não existe garantia absoluta para nada disso. Ainda assim, a maior garantia, que pode existir para tudo isso e para a sobrevivência de uma Nação, é o alto nível de moralidade e de cultura de seu povo. Instruir e educar. Educar. Educar. Educar.  

(escrito em 02.01.2007)

 

           

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

528. Cidadão (escrito em 02.03.2011)

Não sou escravo, nem servo, nem súdito: sou cidadão.

Não me sujeito a homem algum, só à Lei: sou livre!

Perry Scott King inicia o seu opúsculo Péricles com uma análise de um dos mais famosos discursos da História, ou talvez o mais famoso, a oração fúnebre, proferida pelo grande ateniense em homenagem aos atenienses mortos na Guerra do Peloponeso.

Entre outras originais afirmações que se tornaram valores da Civilização Ocidental ele afirma: “Somos ricos, porque somos livres, e somos livres, porque somos ousados.” A mais importante entre todas, porém, é aquela outra: “Sou livre, porque só me submeto à Lei, que eu próprio promulgo.”

Antes da Cidade ateniense, o poder político, o poder de mando numa sociedade, cabia ao indivíduo mais ambicioso, mais audacioso, mais astuto, mais hábil na arte da luta e de maior sorte. Este era o senhor de tudo e de todos. Todas as demais pessoas se subordinavam à vontade do chefe de clã ou de tribo, ou rei. Os favoritos do Rei, dele recebiam terras e nelas também mandavam como o Rei, desde que colaborassem com ele e a ele se sujeitassem. Todas as demais pessoas nada mais eram que propriedade do Rei, máquinas de produção daquilo que o Rei queria possuir. Eram escravos. Os escravos obedeciam à Lei do seu proprietário. A vida, tessitura de guerras e trabalho, não merecia o mínimo valor: “Não ter nascido, não ver jamais o sol, acaso existirá bênção maior?”( Teógnis de Mégara, século V AEC)

 

Antes da Atenas Democrática, a dignidade do indivíduo humano consistia na dominação sobre os demais indivíduos. Estes indivíduos possuíam as grandes qualidades humanas: Ambição, Coragem, Astúcia, Habilidade bélica e Sorte (a simpatia dos deuses). E os grandes valores humanos eram o Poder, a Honra, a Riqueza (a posse de terras) e o Ócio. O trabalho era vilania, coisa de escravo. O rei e os favoritos só se dedicavam à guerra, à pilhagem.

Muito disso, muito mesmo, permaneceu na Atenas Democrática, sobretudo a escravidão. Uma ideia inovadora, todavia, surgiu: a Cidade Grega, a sociedade grega, é formada de cidadãos, isto é, de homens livres, homens que se regem pela Lei, se submetem à Lei e não a um outro indivíduo qualquer. A Lei é elaborada através do debate amplo entre todos os cidadãos. É que ela é a Ordem, a Lei imposta por Zeus ao Cosmos e especialmente a Lei por ele imposta, através de Atená, à sociedade de Atenas. E essa Ordem, essa Lei divina, só é conhecida através do debate democrático.

A Lei para os gregos não era uma vontade humana, a vontade de um indivíduo. Ela era a mera descoberta da ordem social, através do debate dos assuntos de interesse da Cidade por todos os cidadãos. Para o Ateniense o debate democrático descobre a Ordem, a Lei da Cidade, e submeter-se a esta a todos interessa. E ninguém dela pode escapar sem prejuízo, porque o Destino (as Moiras ou as Parcas) se encarregam de recolocar na Ordem social, os que delas se desviam, mediante os castigos, as Desgraças.

Foi a mentalidade política de Atenas que produziu o prodigioso Império Romano. Todo romano era cidadão, guerreiro e dirigido pelo Senado do Povo Romano. O povo romano não trabalhava. Ou guerreava para se tornar dono de terra, ou governava províncias conquistadas, ou vivia gratuitamente de pão e circo, concedidos pelo Imperador. O trabalho era função do escravo, ser abjeto, vil. Roma subjugou o Mundo inteiro, então conhecido, para que todos os estrangeiros, todos os bárbaros, para ela trabalhassem, enquanto o Povo Romano ou usufruísse do ócio prazeroso (pão e circo) ou se empregasse nas guerras de conquista nobilitantes.

O Cristianismo modificou essa mentalidade. Somos todos iguais, somos todos filhos de Deus, somos todos irmãos. A Terra é um lugar de passagem, de prova, de sofrimento, de conquista da Felicidade. Entre esses sofrimentos e castigos, existe um muito especial e geral: o Trabalho. Ao criar o Homem, Deus criou uma ordem social: criou os que mandam e os que obedecem. Uns trabalham mandando (fazendo guerras de pilhagem), outros trabalham obedecendo. Deus criou os Senhores (reis, senhores feudais, papas, sacerdotes) e criou os servos. Aqueles mandam, estes obedecem. Aqueles sabem, estes ignoram. Não existem escravos, mas existem servos. O servo obedece à Lei de seu senhor.

A partir do século XIV, acentua-se a presença da burguesia na Itália, o negociante rico, o povão rico, que sustentava o Rei contra o Senhor feudal e contra o Papa. A riqueza fortificou o Rei, destruiu o feudalismo, e criou o súdito. Passou a existir o Rei e o súdito. O Rei manda e faz guerras de conquista e o súdito trabalha. O súdito obedece à Lei do Rei. Quando interessa ao Rei, até morre nas guerras de conquista. A burguesia, o povão rico, descobriu o valor do trabalho (para Adams Smith a riqueza é o trabalho eficiente) e o valor dos prazeres terrenos adquiridos pelo trabalho: “Terra, melhor que o céu!” (Olavo Bilac)

No fim do século XVIII, no continente chamado América, ocorre extraordinária revolução política, cria-se um Estado, um País, uma Nação, sem Rei. Um Estado sem Rei e sem súditos. Um Estado onde os conviventes são iguais politicamente, onde não há essa divisão entre os indivíduos que mandam e os indivíduos que obedecem. Todos mandam e todos obedecem. E todos trabalham. Todos fazem a Lei e todos obedecem à Lei. Todos se autogovernam. Todos somos cidadãos.

Foi assim que surgiram os Estados Unidos da América. Tenha a América do Norte os defeitos que  tiver, ninguém lhe tira a glória de ter por primeiro implantado na face da Terra, nos tempos modernos, o Estado Democrático sem Rei. Instituição política tão revolucionária, que ainda precisa ser aperfeiçoada. E, segundo “Os clássicos da política” de Franciso C. Weffort, foi lá que se discutiram os institutos da representação e dos partidos políticos.

As lições que pretendo tirar de tudo isso são, sobretudo, estas:

- não sou escravo, não sou servo, não sou súdito, sou cidadão.

- só obedeço à Lei, que eu faço através dos representantes meus, isto é, do Povo.

- a representação existirá na Democracia, enquanto ela for necessária e a Democracia direta for inviável.

- a representação já se modificou ao longo destes últimos dois séculos.

- a representação modificar-se-á com o formidável progresso das comunicações e, talvez, até se extinguirá em parte ou totalmente.

- o instituto corporativo atual, a empresa, sofrerá modificações, à medida que o nível de conhecimento se elevar, a tecnologia de comunicação progredir e a tecnologia de produção se aperfeiçoar.

- as relações econômicas subordinam-se às relações sociais e políticas, afirma Paul Krugman, isto é, o mercado livre, o instituto fundamental de produção e distribuição da riqueza subordina-se ao tipo de sociedade que os cidadãos de um Estado pretendem organizar para conviver pacificamente.

- a sociedade começa a incomodar-se vivamente com o tipo de organização econômica que permite a existência dos CEOS e outras classes de privilegiados, com acesso a todos os bens (desde a Medicina de ponta até o turismo dos sonhos), enquanto outros trabalhadores, colaboradores desses CEOS e desses grupos de privilegiados, partilham renda que não lhes permite mais que viver em palafitas infectas.   

  

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

527. A Felicidade

 Kant e Hegel ensinaram que EU VIVO O MUNDO QUE EXISTE EM MINHA MENTE. Existe o mundo do interior da casa da vizinha. Esse mundo, eu não vivo. Existe o mundo do mulçumano que mora no Mali. Esse mundo, eu não vivo. Existe o mundo do interior da minha mente. Esse mundo, você não vive. 

Eles ensinaram outra coisa tão importante, quanto essa. A MINHA MENTE CONSTROI O SEU MUNDO. Vou com minha amiga andar por Copacabana e na esquina da rua Santa Clara (ah! Como é gostoso, como sou feliz em recordar o passeio que dei com minha amiga pela Rua Santa Clara, há poucos anos atrás, quando ela aqui esteve!) com Av. Copacabana deparamos com um atropelamento. E eu digo: a culpa foi do motorista. E ela discorda: não, amigo, a culpa foi do pedestre. O que aconteceu: ela construiu a realidade dela e eu construí a minha realidade! Isso é a fonte dos debates, das discussões, das desavenças, das brigas, das ameaças, dos assassinatos, das guerras... 

A realidade é uma só. Mas, cada pessoa forma na sua MENTE A SUA REALIDADE! A Mente não é apenas a cabeça. A Mente é o corpo todo, dos pés à cabeça. É a sensação, é a emoção, é o sentimento, é a paixão, é o interesse, é a atenção, é o sangue, é a pressão do sangue, é a composição do sangue no momento, são os hormônios, são os órgãos de cada pessoa, é o grau de instrução, a formação, a educação, a experiência, a história de vida, as circunstâncias de vida de cada pessoa. Assim, a realidade é uma só. Mas, a REALIDADE VIVIDA É TANTAS QUANTAS SÃO AS PESSOAS QUE EXISTEM! 

Conclusão: cada um é responsável pela VIDA QUE VIVE; cada um é responsável pela SUA SORTE. CADA UM É RESPONSÁVEL POR SER OU NÃO SER FELIZ. 

Estou-lhe dizendo que CADA UM CONSTROI SUA FELICIDADE. 

Para mim a FELICIDADE É UMA FORMA DE SENTIR E VIVER A VIDA. Veja o faquir indiano: ele quer viver deitado em uma cama de pontas de faca!! Por que? Por que se sente infeliz? Alguém me retorquirá: não, mas porque é louco. Pode até ser que seja louco. Que seja anormal, concordo. Mas, que certamente não é infeliz, eu tenho certeza, pois, se fosse infeliz, ele não suportaria essa situação. 

É, por isso, que para mim, Virgílio, o maior poeta latino, que teve a felicidade de poder viver numa vila numa das colinas da cidade de Roma, sem ter que trabalhar, porque era sustentado pelos ricaços da cidade que adoravam a companhia dele e ouvi-lo recitar os lindos poemas, achava que “Feliz é a pessoa que compreende a VIDA e controla todas as suas angústias, o inevitável destino e a tragédia da morte.” 

Cada um tem a sua própria história – E eu sou eu mesmo e minhas circunstâncias!, afirmou Ortega y Gasset. A Vida é MUITO MAIS QUE CADA UM DE NÓS. 

Você ainda é a menina apaixonada. Ele não é mais o rapaz apaixonado por você. Essa é a SUA CIRCUNSTÂNCIA. 

Ou você ENTENDE ISSO, DOMINA ESSA ANGÚSTIA, CURVA-SE A ESSE INEVITÁVEL DESTINO E SERÁ FELIZ, ou você não entende a Vida, não domina essa angústia, continua inconformada com o INEVITÁVEL e será INFELIZ. 

Para ser feliz não se precisa de muita coisa, basta ajustar a MENTE e adotar a FORMA EXATA DE SENTIR E VIVER A VIDA. 

Vocês se apaixonaram. Viveram momentos maravilhosos. Brigaram muito. Você brigava, mas achava que ele sempre permaneceria a seu lado e isso a fazia feliz. Isso era e é sua felicidade: viver sempre ao lado dele. Para ele, as coisas são diferentes: para ele ser feliz é ter uma vida sem dificuldades financeiras e de certo luxo. 

São duas concepções de FELICIDADE QUE NÃO SE JUNTAM DE FORMA ALGUMA. 

Minha amiga, decida-se. Trate de ser feliz. E já. MUDE, e já, A SUA FORMA DE SENTIR E VIVER A VIDA. 

Você nem perdeu nem ganhou nada. Você viveu. E, de agora para a frente, trate de continuar vivendo, e vivendo feliz. Adote a FORMA EXATA DE SENTIR E VIVER A SUA VIDA.

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

526. Resposta a Uma Amiga

 

Estou satisfazendo ao seu pedido de meu comentário sobre recente carta dos militares, que o autor do e-mail acha ter sido provocada por manifestação do senador Antônio Carlos Magalhães.

Ouvi a manifestação do senador na TV Senado. O manifesto dos militares desconheço. Se ele veio anexo ao e-mail sobre o qual estou discorrendo, não consegui abri-lo. Seja como for, estou manifestando-me sobre o conteúdo do e-mail. 

Em primeiro lugar, o e-mail coloca uma posição filosófica: a evolução como um projeto inteligente em oposição à teoria evolucionista de mera adaptação às transformações da natureza.

A respeito disso, quero manifestar que respeito a posição do autor, mas acho que ele, que demonstra excepcional erudição, diverge muito de mim a respeito do conhecimento. Ele deixou-me a impressão de que pensa que existe um conhecimento definitivamente verdadeiro, no qual todos os homens acabarão concordando, desde que examinem convenientemente um assunto. (Essa é a concepção socrática).

Outros acham que o exame de um assunto poderá conduzir a diversas opiniões verossímeis, isto é, que explicam satisfatoriamente o assunto, podendo até umas explica-lo melhor que outras. Assim, tem-se a explicação dada pelas crendices afro-asiáticas, a dos muçulmanos, a dos budistas, a dos bramanistas, várias dos protestantes (cada seita com sua explicação), a dos católicos, várias dos filósofos (cada um com sua explicação), as dos cientistas. 

Para mim, a melhor explicação das coisas é dada pelos cientistas, porque é o conhecimento mais preciso (tem a precisão da matemática, toda ciência tem que usar a matemática) e o mais comprovado (é comprovado por experimentos e todos poderão repetir os mesmos experimentos e chegar aos mesmos resultados). 

Acontece que a ciência parte do pressuposto de que todos os fenômenos naturais (inclua na natureza o homem e a sociedade humana) têm sua explicação noutros fenômenos naturais. A ciência é uma explicação naturalista da natureza. Ela prescinde (não toma em consideração) do sobrenatural para explicar a natureza . Não nega o sobrenatural. A ciência não aceita explicar a natureza pela intervenção de Deus, simplesmente porque não leva em consideração Deus. A ciência acha que todo fenômeno natural pode ser explicado por outro fenômeno natural e procura esse fenômeno natural explicativo, usando a matemática e o experimento.

Assim, o conhecimento científico é, para mim, o melhor tipo de conhecimento que o homem possui, o mais perfeito. Mas, ele não é absolutamente perfeito. Por isso, ele está a cada dia se renovando, se aperfeiçoando. 

Veja, por exemplo, a Cosmologia (o estudo do Universo, a Astronomia). Aristóteles dizia que a Terra é uma esfera, o centro estático do Universo, que todos os astros giram em torno da Terra e que o mundo supralunar é de natureza diferente (incorruptível) da natureza terrestre (corruptível). Isso permitia fazer cálculos astronômicos (a duração do dia, a duração do ano, o tamanho da Terra, a distância do sol, a posição do sol e das estrelas, etc). 

Ptolomeu (II século EC) dizia que a terra é uma esfera, o centro estático do Universo; que há esferas que giram circularmente em torno da Terra, uma dentro das outras; a maior e mais externa das esferas é o limite do Universo e nelas estão pregadas, fixas, as estrelas; cada uma das esferas internas contém um planeta e uma delas o Sol; os planetas não estão fixos nas respectivas esferas, mas giram circularmente sobre elas. Isso permitia cálculos astronômicos mais precisos. 

Copérnico, no século XVI, afirmou que os planetas e o sol não giram em torno da Terra; disse que a Terra e os planetas giram circularmente em torno do Sol, centro estático do sistema solar de astros. Isso permitiu cálculos astronômicos mais precisos. 

Galileu viu através de um telescópio que Júpiter tem luas, isto é, que astros giram em torno de Júpiter e não em torno da Terra. Confirmou, assim, o sistema heliocêntrico de Copérnico. 

Keppler fez cálculos matemáticos mais precisos sobre a movimentação dos planetas em torno do sol, supondo que eles giram em trajetória elíptica e que o sol ocupa um dos focos dessa elipse. 

Newton afirmou que as leis da física valem para a Terra (gravidade terrestre) e para todo o Universo (lei da gravitação universal), o mundo supralunar não é diferente do mundo terrestre; que a força da gravidade põe os astros em movimento; que a força da gravitação equilibra o Universo e evita a junção de todos os astros num único ponto. Isso permitiu cálculos astronômicos mais precisos. 

Einstein disse que a gravidade não é uma força de atração de um corpo por outro (como pensava Newton), ela apenas encurva (dobra) o espaço-tempo na sua vizinhança; que, portanto, a luz e os planetas seguem numa linha reta nesse espaço-tempo curvo. Isso permitiu cálculos mais precisos do movimento de Mercúrio e dos demais planetas em torno do sol; explicou o desvio da luz das estrelas nas vizinhanças do sol; possibilitou a produção da bomba atômica; explica por que cada coisa tem o seu tempo (o tempo nos satélites artificiais das transmissões a longa distância passa mais rápido – é mais curto – que o tempo na superfície terra), que a massa se transforma em energia e a energia se transforma em massa. 

Assim, o conhecimento do Universo progrediu: nem tudo que Aristóteles afirmou estava errado, muita coisa se corrigiu e muita coisa se acrescentou. Mas, quem pode afirmar que tudo o que Einstein afirmou está certo? Ao contrário, sabe-se que muita coisa tem que ser esclarecida e aperfeiçoada. 

Então, o conhecimento mais perfeito, pois, é o conhecimento científico, que se tem no momento presente. Ele poderá ser diferente, mais perfeito, no futuro.

 

Em segundo lugar, o comentarista fala da teoria evolucionista como algo desprezível. Ora, o evolucionismo, juntamente com a astronomia de Copérnico e a física de Galileu, Keppler e Newton, constituiu a maior revolução na História do pensamento humano. Mudou o rumo da cultura ocidental e da cultura humana. 

Ninguém pode negar que o Universo está em contínua transformação. O Big Bang, ocorrido há 15 bilhões de anos, foi captado em forma de microondas por Panzias e Wilson, ganhadores do Nobel de Física, na década de 30 do século passado. Hubble comprovou na década de 20 que o Universo se expande. Astrônomos comprovaram posteriormente que ele está em expansão acelerada. O sol só surgiu há 5 bilhões de anos. A Terra tem 4,5 bilhões de anos. 

De bola incandescente a Terra passou a ser coberta de vulcões sem atmosfera. Os vulcões proveram-na de atmosfera sem oxigênio. Seres vivos diferentes dos atuais surgiram e transformaram a atmosfera injetando-lhe o oxigênio. Surgiram os micróbios nas águas. Desenvolveram-se formas vivas cada vez mais complexas. Muitas foram desaparecendo. Os continentes, que eram uma só massa de terra (a Pangea), se desmembraram nos continentes que hoje conhecemos. Até que surgiram os primatas, os australopitecos, o homem hábil, o homem erecto, o homem de neandertal e, por fim, a espécie humana que denominamos homem (o homo sapiens sapiens). Não se pode negar que essa evolução ocorre: basta visitar os grandes museus do mundo. Ridículo, insano é negar essa transformação. 

A explicação mais simples, a explicação científica (explicação dessa transformação por outro fenômeno natural) é a explicação de Darwin: na luta pela sobrevivência sobreviveu o organismo (a planta e o animal) mais adaptado ao meio ambiente (ao clima e à alimentação existente). 

Presentemente, na mesma Ilha Galápagos, onde Darwin comprovou sua teoria evolucionista, um casal de cientistas americanos assistiu surpreso à comprovação da teoria de Darwin: eles foram para Galápagos em 70; lá assistiram à chegada de aves alienígenas chamadas de tentilhões; essas aves eram mais aptas para captar os alimentos que os tentilhões nativos; a população dos tentilhões adventícios aumentou consideravelmente e a população dos tentilhões nativos foi reduzida drasticamente; mas, surgiram tentilhões nativos de bico reduzido e mais apto para captar alimento; conseguiram, por isso, recolher mais alimento que os tentilhões adventícios; e essa nova geração de tentilhões nativos, de bico reduzido (mutação genética), voltou a dominar nas terras da Ilha de Galápagos. 

Por fim, o comentarista fala que o marxismo e outras teorias são conseqüências da teoria evolucionista de Darwin. Não duvido. Mas, é do conhecimento geral que Darwin se inspirou no livro Riqueza das Nações de Adam Smith, o pai da ciência econômica, o economista da liberdade econômica, da livre concorrência e do capitalismo. Por outro lado, o Capital de Marx teve a sua época e deixou marcas indeléveis no pensamento e na cultura, de tal forma que, nos dias de hoje, temos em todos os países do mundo os partidos políticos socialistas e os partidos da social democracia (a chamada terceira via, entre o capitalismo e o comunismo). 

Concluindo: respeito a opinião do comentarista sobre o evolucionismo, mas acho-a muito parcial (mais parcial que a Igreja católica, que procurou adaptar o evolucionismo à doutrina cristã) e pouco científica; mas, é um pensamento bem estruturado e bem exposto; o comentarista tem erudição. 

Já sobre o que ele fala sobre a atitude atual das forças armadas brasileiras, acho que ele tem razão: os tempos são outros, a sociedade humana transformou-se muito nestes últimos 40 anos. A mentalidade pacifista da cultura européia não aceita a iniciativa da beligerância, nem mesmo por parte do Estado. A sociedade norte-americana divide-se entre Bush e os democratas. Já o mundo mulçumano advoga a solução dos problemas via terrorismo. A América do Sul aceita a violência como arma dos marginalizados e não aceita a força como defesa legal da sociedade. Parece-me que as forças armadas brasileiras estão muito conscientes dessa nova sociedade: temos que fazer o que o povo politizado quer, mesmo que seja ignorante, manipulado pelos interesses políticos de espertalhões, mesmo que essa orientação nos conduza ao desastre social e político, porque a sociedade somos todos e o Estado existe para dar paz à sociedade fazendo a vontade da maioria. 

Essa visão pacifista da elite mundial dominante tem história evolutiva milenar: Confúcio, Buda e Cristo. Antes deles, os gregos guerreiros achavam que os homens primitivos (os solitários coletores e caçadores de alimentos) eram silvícolas, que os habitantes de aldeias eram bárbaros e que os habitantes de cidades eram civilizados (urbanos). Essa visão pacifista de que a civilização faz o homem urbano, educado, civilizado e apto para o convívio em sociedade assumiu forma moderna com Thomas More, Erasmo de Roterdâ e os humanistas do início do segundo milênio da Era Cristã. Os Iluministas franceses colocaram no convívio social pacífico, consensual, o máximo da perfeição humana. A violenta Revolução Francesa procurava paradoxalmente a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade. Os grandes nomes do mundo contemporâneo são Gandhi e Luter King. Os mais respeitados políticos atuais são Kenedy, Gorbachov, Bill Clinton, Hilary Clinton, John Blair, Chirac. 

O ideal humanista da Terra para todos os homens, da convivência consensual entre os homens, vai paulatinamente, muito paulatinamente, com passo milenar, se tornando o pensamento fundamental da sociedade humana, a marca da civilização. E nisso o comentarista tem razão: não há mais ambiente no Brasil para a revolução militar como a de 64. Há, ainda, para a revolução de massa de Evo Morales. Mas, acho que nem esta se sustentará por muito tempo. 

Os tempos modernos são os tempos do Lula, os tempos da democracia, os tempos do Brasil de todos. Pode até ser o Brasil dos ignorantes e dos pobres, o Brasil do atraso, mas é o Brasil de todos. Acho que a sociedade humana marcha para uma forma de governo mais democrática ainda. Acho que vamos marchar para a forma de governo dos Anarquistas: democracia é participação, não é representação. Não se fez, há pouco no Brasil, um plebiscito sobre armas? 

A informática e os celulares permitirão participação maior ainda da população no governo. A forma de governo será menos representativa. Acho que toda representação é corrupta. E quanto mais forte a representação, mais corrupção. A informática e os celulares difundirão a educação. Quanto mais educação, maior a responsabilidade que cada indivíduo quererá assumir e mais sociabilidade. Acho que o mundo passará por grande transformação e para melhor. Isso levará talvez milênios... se não acabarem antes com a Terra numa guerra atômica!