Estou satisfazendo ao seu pedido
de meu comentário sobre recente carta dos militares, que o autor do e-mail acha
ter sido provocada por manifestação do senador Antônio Carlos Magalhães.
Ouvi a manifestação do senador na
TV Senado. O manifesto dos militares desconheço. Se ele veio anexo ao e-mail
sobre o qual estou discorrendo, não consegui abri-lo. Seja como for, estou
manifestando-me sobre o conteúdo do e-mail.
Em primeiro lugar, o
e-mail coloca uma posição filosófica: a evolução como um projeto inteligente em
oposição à teoria evolucionista de mera adaptação às transformações da
natureza.
A respeito disso, quero manifestar que respeito a posição
do autor, mas acho que ele, que demonstra excepcional erudição, diverge muito
de mim a respeito do conhecimento. Ele deixou-me a impressão de que pensa que
existe um conhecimento definitivamente verdadeiro, no qual todos os homens
acabarão concordando, desde que examinem convenientemente um assunto. (Essa é a
concepção socrática).
Outros acham que o exame de um assunto poderá conduzir a
diversas opiniões verossímeis, isto é, que explicam satisfatoriamente o
assunto, podendo até umas explica-lo melhor que outras. Assim, tem-se a
explicação dada pelas crendices afro-asiáticas, a dos muçulmanos, a dos budistas,
a dos bramanistas, várias dos protestantes (cada seita com sua explicação), a
dos católicos, várias dos filósofos (cada um com sua explicação), as dos
cientistas.
Para mim, a melhor explicação das
coisas é dada pelos cientistas, porque é o conhecimento mais preciso (tem a
precisão da matemática, toda ciência tem que usar a matemática) e o mais
comprovado (é comprovado por experimentos e todos poderão repetir os mesmos
experimentos e chegar aos mesmos resultados).
Acontece que a ciência parte do
pressuposto de que todos os fenômenos naturais (inclua na natureza o homem e a
sociedade humana) têm sua explicação noutros fenômenos naturais. A ciência é
uma explicação naturalista da natureza. Ela prescinde (não toma em
consideração) do sobrenatural para explicar a natureza . Não nega o
sobrenatural. A ciência não aceita explicar a natureza pela intervenção de
Deus, simplesmente porque não leva em consideração Deus. A ciência acha que
todo fenômeno natural pode ser explicado por outro fenômeno natural e procura esse
fenômeno natural explicativo, usando a matemática e o experimento.
Assim, o conhecimento científico
é, para mim, o melhor tipo de conhecimento que o homem possui, o mais perfeito.
Mas, ele não é absolutamente perfeito. Por isso, ele está a cada dia se
renovando, se aperfeiçoando.
Veja, por exemplo, a Cosmologia
(o estudo do Universo, a Astronomia). Aristóteles dizia que a Terra é uma
esfera, o centro estático do Universo, que todos os astros giram em torno da
Terra e que o mundo supralunar é de natureza diferente (incorruptível) da
natureza terrestre (corruptível). Isso permitia fazer cálculos astronômicos (a
duração do dia, a duração do ano, o tamanho da Terra, a distância do sol, a
posição do sol e das estrelas, etc).
Ptolomeu (II século EC) dizia que
a terra é uma esfera, o centro estático do Universo; que há esferas que giram
circularmente em torno da Terra, uma dentro das outras; a maior e mais externa
das esferas é o limite do Universo e nelas estão pregadas, fixas, as estrelas;
cada uma das esferas internas contém um planeta e uma delas o Sol; os planetas
não estão fixos nas respectivas esferas, mas giram circularmente sobre elas.
Isso permitia cálculos astronômicos mais precisos.
Copérnico, no século XVI, afirmou
que os planetas e o sol não giram em torno da Terra; disse que a Terra e os
planetas giram circularmente em torno do Sol, centro estático do sistema solar
de astros. Isso permitiu cálculos astronômicos mais precisos.
Galileu viu através de um
telescópio que Júpiter tem luas, isto é, que astros giram em torno de Júpiter e
não em torno da Terra. Confirmou, assim, o sistema heliocêntrico de Copérnico.
Keppler fez cálculos matemáticos
mais precisos sobre a movimentação dos planetas em torno do sol, supondo que
eles giram em trajetória elíptica e que o sol ocupa um dos focos dessa elipse.
Newton afirmou que as leis da
física valem para a Terra (gravidade terrestre) e para todo o Universo (lei da
gravitação universal), o mundo supralunar não é diferente do mundo terrestre;
que a força da gravidade põe os astros em movimento; que a força da gravitação
equilibra o Universo e evita a junção de todos os astros num único ponto. Isso
permitiu cálculos astronômicos mais precisos.
Einstein disse que a gravidade
não é uma força de atração de um corpo por outro (como pensava Newton), ela
apenas encurva (dobra) o espaço-tempo na sua vizinhança; que, portanto, a luz e
os planetas seguem numa linha reta nesse espaço-tempo curvo. Isso permitiu
cálculos mais precisos do movimento de Mercúrio e dos demais planetas em torno
do sol; explicou o desvio da luz das estrelas nas vizinhanças do sol;
possibilitou a produção da bomba atômica; explica por que cada coisa tem o seu
tempo (o tempo nos satélites artificiais das transmissões a longa distância
passa mais rápido – é mais curto – que o tempo na superfície terra), que a
massa se transforma em energia e a energia se transforma em massa.
Assim, o conhecimento do Universo
progrediu: nem tudo que Aristóteles afirmou estava errado, muita coisa se
corrigiu e muita coisa se acrescentou. Mas, quem pode afirmar que tudo o que
Einstein afirmou está certo? Ao contrário, sabe-se que muita coisa tem que ser
esclarecida e aperfeiçoada.
Então, o conhecimento mais
perfeito, pois, é o conhecimento científico, que se tem no momento presente.
Ele poderá ser diferente, mais perfeito, no futuro.
Em segundo lugar, o comentarista
fala da teoria evolucionista como algo desprezível. Ora, o evolucionismo,
juntamente com a astronomia de Copérnico e a física de Galileu, Keppler e Newton,
constituiu a maior revolução na História do pensamento humano. Mudou o rumo da
cultura ocidental e da cultura humana.
Ninguém pode negar que o Universo
está em contínua transformação. O Big Bang, ocorrido há 15 bilhões de anos, foi
captado em forma de microondas por Panzias e Wilson, ganhadores do Nobel de
Física, na década de 30 do século passado. Hubble comprovou na década de 20 que
o Universo se expande. Astrônomos comprovaram posteriormente que ele está em
expansão acelerada. O sol só surgiu há 5 bilhões de anos. A Terra tem 4,5
bilhões de anos.
De bola incandescente a Terra
passou a ser coberta de vulcões sem atmosfera. Os vulcões proveram-na de
atmosfera sem oxigênio. Seres vivos diferentes dos atuais surgiram e
transformaram a atmosfera injetando-lhe o oxigênio. Surgiram os micróbios nas
águas. Desenvolveram-se formas vivas cada vez mais complexas. Muitas foram
desaparecendo. Os continentes, que eram uma só massa de terra (a Pangea), se
desmembraram nos continentes que hoje conhecemos. Até que surgiram os primatas,
os australopitecos, o homem hábil, o homem erecto, o homem de neandertal e, por
fim, a espécie humana que denominamos homem (o homo sapiens sapiens). Não se
pode negar que essa evolução ocorre: basta visitar os grandes museus do mundo.
Ridículo, insano é negar essa transformação.
A explicação mais simples, a
explicação científica (explicação dessa transformação por outro fenômeno
natural) é a explicação de Darwin: na luta pela sobrevivência sobreviveu o
organismo (a planta e o animal) mais adaptado ao meio ambiente (ao clima e à
alimentação existente).
Presentemente, na mesma Ilha
Galápagos, onde Darwin comprovou sua teoria evolucionista, um casal de
cientistas americanos assistiu surpreso à comprovação da teoria de Darwin: eles
foram para Galápagos em 70; lá assistiram à chegada de aves alienígenas
chamadas de tentilhões; essas aves eram mais aptas para captar os alimentos que
os tentilhões nativos; a população dos tentilhões adventícios aumentou
consideravelmente e a população dos tentilhões nativos foi reduzida
drasticamente; mas, surgiram tentilhões nativos de bico reduzido e mais apto
para captar alimento; conseguiram, por isso, recolher mais alimento que os
tentilhões adventícios; e essa nova geração de tentilhões nativos, de bico
reduzido (mutação genética), voltou a dominar nas terras da Ilha de Galápagos.
Por fim, o comentarista fala que o marxismo e outras
teorias são conseqüências da teoria evolucionista de Darwin. Não duvido. Mas, é
do conhecimento geral que Darwin se inspirou no livro Riqueza das Nações de
Adam Smith, o pai da ciência econômica, o economista da liberdade econômica, da
livre concorrência e do capitalismo. Por outro lado, o Capital de Marx teve a
sua época e deixou marcas indeléveis no pensamento e na cultura, de tal forma
que, nos dias de hoje, temos em todos os países do mundo os partidos políticos
socialistas e os partidos da social democracia (a chamada terceira via, entre o
capitalismo e o comunismo).
Concluindo: respeito a opinião do
comentarista sobre o evolucionismo, mas acho-a muito parcial (mais parcial que
a Igreja católica, que procurou adaptar o evolucionismo à doutrina cristã) e
pouco científica; mas, é um pensamento bem estruturado e bem exposto; o
comentarista tem erudição.
Já sobre o que ele fala sobre a
atitude atual das forças armadas brasileiras, acho que ele tem razão: os tempos
são outros, a sociedade humana transformou-se muito nestes últimos 40 anos. A
mentalidade pacifista da cultura européia não aceita a iniciativa da beligerância,
nem mesmo por parte do Estado. A sociedade norte-americana divide-se entre Bush
e os democratas. Já o mundo mulçumano advoga a solução dos problemas via
terrorismo. A América do Sul aceita a violência como arma dos marginalizados e
não aceita a força como defesa legal da sociedade. Parece-me que as forças
armadas brasileiras estão muito conscientes dessa nova sociedade: temos que
fazer o que o povo politizado quer, mesmo que seja ignorante, manipulado pelos
interesses políticos de espertalhões, mesmo que essa orientação nos conduza ao
desastre social e político, porque a sociedade somos todos e o Estado existe
para dar paz à sociedade fazendo a vontade da maioria.
Essa visão pacifista da elite
mundial dominante tem história evolutiva milenar: Confúcio, Buda e Cristo.
Antes deles, os gregos guerreiros achavam que os homens primitivos (os
solitários coletores e caçadores de alimentos) eram silvícolas, que os
habitantes de aldeias eram bárbaros e que os habitantes de cidades eram
civilizados (urbanos). Essa visão pacifista de que a civilização faz o homem
urbano, educado, civilizado e apto para o convívio em sociedade assumiu forma
moderna com Thomas More, Erasmo de Roterdâ e os humanistas do início do segundo
milênio da Era Cristã. Os Iluministas franceses colocaram no convívio social
pacífico, consensual, o máximo da perfeição humana. A violenta Revolução
Francesa procurava paradoxalmente a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade. Os
grandes nomes do mundo contemporâneo são Gandhi e Luter King. Os mais respeitados
políticos atuais são Kenedy, Gorbachov, Bill Clinton, Hilary Clinton, John
Blair, Chirac.
O ideal humanista da Terra para
todos os homens, da convivência consensual entre os homens, vai paulatinamente,
muito paulatinamente, com passo milenar, se tornando o pensamento fundamental
da sociedade humana, a marca da civilização. E nisso o comentarista tem razão:
não há mais ambiente no Brasil para a revolução militar como a de 64. Há,
ainda, para a revolução de massa de Evo Morales. Mas, acho que nem esta se
sustentará por muito tempo.
Os tempos modernos são os tempos
do Lula, os tempos da democracia, os tempos do Brasil de todos. Pode até ser o
Brasil dos ignorantes e dos pobres, o Brasil do atraso, mas é o Brasil de
todos. Acho que a sociedade humana marcha para uma forma de governo mais
democrática ainda. Acho que vamos marchar para a forma de governo dos
Anarquistas: democracia é participação, não é representação. Não se fez, há
pouco no Brasil, um plebiscito sobre armas?
A informática e os celulares permitirão
participação maior ainda da população no governo. A forma de governo será menos
representativa. Acho que toda representação é corrupta. E quanto mais forte a
representação, mais corrupção. A informática e os celulares difundirão a
educação. Quanto mais educação, maior a responsabilidade que cada indivíduo quererá
assumir e mais sociabilidade. Acho que o mundo passará por grande transformação
e para melhor. Isso levará talvez milênios... se não acabarem antes com a Terra
numa guerra atômica!