Toda essa teoria filosófica, histórica,
social e política fundamenta-se na teoria econômica de Marx do valor de troca. O
valor de uso de determinado objeto reside no fato de que ele satisfaz uma
necessidade de um indivíduo, na sua utilidade. Segundo Marx, o valor de uso
implica a diversidade das coisas: um objeto que serve par ver, não serve para
comer, para vestir, para abrigar, para assear-se etc. Logo o valor de uso, a
utilidade do objeto, não é o valor de troca, porque a troca implica a igualdade
dos objetos que se trocam. Ora, a única igualdade, que os objetos exibem para viabilizar
a troca de objetos, relaciona-se ao tempo gasto pelo artífice para
transformá-los em mercadoria, em objetos úteis, valorizados.
Embora pareça comungar da ideia
ricardiana de que é a quantidade de trabalho gasto na produção do objeto que
constitua o valor de troca, o conceito de Marx é bem diferente e ele o denomina
força do trabalho. Segundo o pensamento de Marx, tudo que entra no mercado é
fruto de algum trabalho. E o trabalho visa à existência pessoal do trabalhador,
da família, inclusive do futuro dos filhos, é a força do trabalho. Então, a
igualdade da troca não é mera igualdade de mercadorias, de dois objetos que
adquiriram valores pela infusão de utilidade num material preexistente. Ela é igualdade da força do trabalho, do
trabalho em sociedade, do trabalho social. Ela é relacionamento entre pessoas.
Todo produto, todo objeto no mercado, tem o seu valor, o seu preço, que é o
valor da força do trabalho que ela incorpora. Diz Marx: “Isso eu chamo
fetichismo que adere aos produtos de trabalho tão logo são produzidos como
mercadorias,,, Esse caráter fetichista do mundo das mercadorias provém... do
caráter social peculiar do trabalho que produz mercadorias.”
E até isso, esse relacionamento entre
pessoas, a força de trabalho, no capitalismo, é mercadoria e tem o seu preço, o
salário. No regime capitalista, entretanto, esse valor não é percebido
integralmente por quem produz a mercadoria. O capitalista, que não trabalha se
apossa, da mercadoria, vende-a pelo preço que ela vale e apenas transfere para
o trabalhador o mínimo exigido para tê-lo vivo e subserviente, confere ao
trabalhador apenas o equivalente a uma parte das horas de trabalho empregadas
na produção do objeto, um salário.
Então, no capitalismo, o capitalista, que não trabalha, retém parte do
valor de troca da mercadoria. E mais, comanda a repartição, sob o critério de
assumir o máximo possível para si e transferir o mínimo possível para o
trabalhador. Esse máximo de valor que o capitalista indevidamente retém para si
e não transfere para o trabalhador é a mais-valia, “um dos conceitos
fundamentais da economia marxista e um eixo de toda a construção teórica de
Marx., dizem Reale e Antiseri, e Marx explana:: “Durante o processo de
trabalho, o trabalho se transpõe continuamente da forma de agitação para a de
ser, da forma de movimento para a de objetividade... Pois apenas o tempo de
trabalho socialmente necessário conta como formando valor... Nosso capitalista
fica perplexo. O valor do produto é igual ao valor do capital adiantado.... O
valor inchado ... em nada ajuda... de tal adição de valores preexistentes não
pode agora jamais surgir uma mais valia... O valor da força de trabalho e sua
valorização no processo de trabalho são, portanto, duas grandezas
distintas. Essa diferença o capitalista tinha
em vista quando comprou a força de trabalho. Sua propriedade útil... era apenas
uma conditio sine qua non, pois o trabalho para criar valor tem de ser
despendido em forma útil. Mas o decisivo foi o valor de uso específico dessa
mercadoria ser fonte de valor, e de mais valor do que ela mesma tem. Esse é o
serviço específico que o capitalista dele espera. E ele procede, no caso,
segundo as leis eternas do intercâmbio de mercadorias. Na verdade, o vendedor
da força de trabalho ... realiza seu valor de troca e aliena seu valor de
uso... O possuidor de dinheiro pagou o valor de um dia da força de trabalho,
pertence-lhe, portanto, a utilização dela durante o dia, o trabalho de uma
jornada. A circunstância de que a manutenção diária da força de trabalho só
custa meia jornada de trabalho, apesar da força de trabalho poder operar, trabalhar
um dia inteiro, e, por isso, o valor que sua utilização cria durante um dia é o
dobro do seu próprio valor de um dia, é grande sorte para o comprador, mas, de
modo algum uma injustiça contra o vendedor.... a mais valia resulta somente de
um excesso quantitativo de trabalho, da duração prolongada do mesmo processo de
trabalho... Nosso capitalista previu o caso que o faz sorrir... Finalmente a
artimanha deu certo. Dinheiro se
transformou em capital.”
A mais-valia explica a acumulação de
capital capitalista, como uma quantidade de dinheiro original empregado na
aquisição de matéria-prima num primeiro momento, e aplicado na produção de um
objeto útil, através da atividade da máquina e da força de trabalho num segundo
momento, se transforma em uma quantidade maior de dinheiro em poder do
capitalista num terceiro e final momento do processo de produção capitalista.
Constata-se, pois, que a acumulação é um processo competitivo de açambarcamento
da riqueza, onde os capitalistas mais engenhosos e economicamente mais
poderosos eliminam os concorrentes mais fracos e a própria força de trabalho. O
desenvolvimento do capitalismo é uma marcha para a autodestruição, como
descreve Marx: “Como máquina, o meio de trabalho logo se torna um concorrente
do próprio trabalhador. A auto valorização do capital por meio da máquina está na razão direta do número de trabalhadores cujas condições de
existência ela destrói... O trabalhador torna-se invendável, como papel moeda
fora de circulação. A parte da classe trabalhadora que a maquinaria transforma
em população supérflua, isto é, não mais imediatamente necessária para a
autovalorização do capital , sucumbe, por um lado, na luta desigual da velha
empresa artesanal e manufatureira contra a mecanizada, inunda, por outro lado,
todos os ramos mais acessíveis da indústria, abarrota o mercado de trabalho e
reduz, por isso, o preço da força de trabalho, abaixo do seu valor.... Onde a
máquina se apodera paulatinamente de um setor da produção, produz miséria
crônica nas camadas de trabalhadores que concorrem com ela... A história
mundial não oferece nenhum espetáculo mais horrendo do que a progressiva
extinção dos tecelões manuais de algodão ingleses...” E cita o Governador da
Índia:: “A miséria dificilmente encontra um paralelo na história do comércio.
Os ossos dos tecelões de algodão alvejam as planícies da Índia.” E prossegue
Marx: “Assim como na indústria citadina, na agricultura moderna o aumento da
força produtiva e a maior mobilização do trabalho são conseguidos mediante a
devastação e o empestamento da própria força de trabalho... A transformação
original do dinheiro em capital realiza-se na mais perfeita harmonia com as
leis econômicas da produção de mercadorias e com o direito de propriedade delas
derivado. Não obstante, ela tem por resultado: 1. que o produto pertence ao
capitalista e não ao trabalhador; 2. que o valor desse produto, além do valor
do capital adiantado, inclui uma mais valia, a qual custou trabalho ao
trabalhador, mas nada ao capitalista, e que todavia se torna propriedade
legítima deste; 3. que o trabalhador
continuou a manter a sua força de trabalho. A reprodução simples é apenas a
repetição periódica dessa primeira operação; cada vez, sempre de novo, dinheiro
é transformado em capital. A lei não é. portanto , violada, ao contrário, ela
obtém apenas a oportunidade de atuar permanentemente... A que conduz a acumulação primitiva de capital , isto é,
sua gênese histórica?... significa apenas a expropriação dos produtores
diretos, isto é, a dissolução da propriedade privada baseada no próprio
trabalho... Tão logo esse processo de transformação tenha decomposto
suficientemente, em profundidade e extensão, a antiga sociedade, tão logo os
trabalhadores tenham sido convertidos em proletários e suas condições de
trabalho em capital, tão logo o modo de produção capitalista se sustente sobre
seus próprios pés, a socialização ulterior do trabalho e a transformação
ulterior da terra e de outros meios de produção
em meios de produção socialmente explorados, portanto coletivos, a consequente
exploração ulterior dos proprietários privados
ganha nova forma. O que está agora para ser explorado já não é o
trabalhador economicamente autônomo ,
mas o capitalista que explora muitos trabalhadores. Essa exploração se faz por
meio do jogo das leis imanentes da própria produção capitalista, por meio da
centralização dos capitais. Cada capitalista mata muitos outros. Paralelamente
a essa centralização... desenvolve-se a forma cooperativa do processo de
trabalho em escala sempre crescente, ... a economia de todos os meios de produção
mediante uso como meios de produção de um trabalho socialmente combinado, o
entrelaçamento de todos os povos na rede do comércio mundial e, com isso, o
caráter internacional do regime capitalista.
Com a diminuição constante do número dos magnatas do capital... aumenta
a extensão da miséria, da opressão, da servidão, da degeneração, da exploração,
mas também a revolta da classe trabalhadora, sempre numerosa, educada, unida e
organizada pelo próprio mecanismo do processo capitalista. O monopólio do
capital torna-se um entrave para o modo de produção que floresceu com ele e sob
ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho atingem um ponto em que se tornam
incompatíveis com seu invólucro capitalista. Ele é arrebentado. Soa a hora
final da propriedade capitalista. Os exploradores são expropriados... a
produção capitalista produz, com a inexorabilidade de um processo natural, sua
própria negação. É a negação da negação. Esta não restabelece a propriedade privada,
mas a propriedade individual sobre o fundamento do conquistado na era
capitalista: a cooperação e a propriedade comum da terra e dos meios de
produção produzidos pelo próprio trabalho.”
É o triunfo do socialismo
científico, do socialismo marxista.