Longínquos
anos de 50 do século passado. A beleza sóbria e neoclássica do antigo edifício
sede do Banco do Brasil, incrustada na estonteante beleza ecológica da
multicentenária cidade do Rio de Janeiro. Naquela época, ainda estava no
terceiro ano de minha carreira de funcionário do Banco do Brasil. Estava
comissionado como auxiliar de gabinete do subgerente de operações da Carteira Comercial.
O organograma da Carteira Comercial constava das Diretorias, da Gerência e de
três Subgerências (Planejamento, Operações e Fiscalização). A história dessa
Carteira Comercial na primeira metade do século XX é a narração da memorável
administração de notáveis personalidades nascidas no modesto estado do Piauí.
Ali, o protagonismo técnico-administrativo era do Piauí, não era de São Paulo.
Unindo
narrativas verbais de vivências daquela época, refaço trechos do meu caminho
até aquela situação em que então me encontrava. O gerente da Carteira Comercial
era Nilo Medina Coeli, um gentleman. Fora gerente da Agência Centro de São
Paulo. O seu irmão Francisco era inspetor do Banco do Brasil. Este no exercício
de suas funções conhecera meu irmão mais velho, o João, que era Contador da
agência do Banco em Limeira (SP), vindo da agência de Santana do Livramento
(RS), onde fora Chefe do Serviço de Câmbio, porque tinha interesse em morar o
mais próximo de Campinas (SP), pois a esposa necessitava de assistência
oftálmica, de rara e alta tecnologia, somente nessa cidade existente.
Clemente
Mariani chegara a presidente do Banco do Brasil preocupado, entre outras
coisas, em melhorar o ambiente de trabalho da agência do Banco na cidade de
Salvador, capital de seu Estado natal. Convocou o conhecido e amigo Francisco Medina
ao seu gabinete para que indicasse um funcionário para ser o Contador da
Agência Centro de Salvador, contador que fosse capaz de realizar seus planos
para a citada agência. Francisco subsidiou o Presidente com esta informação:
“Conheço um funcionário capaz de executar essa missão, mas ele não tem o posto
de carreira exigido para ocupar esse cargo (seria o posto de chefe-de-seção ou
subchefe): João Amorim Rego, Contador da Agência de Limeira.” Clemente Mariani
convocou meu irmão para uma entrevista. Uma semana depois, João já estava
empossado na Contadoria em Salvador e realizou a missão que lhe fora confiada
pessoalmente pelo Presidente do Banco. Trabalhavam naqueles anos, naquela
agência, sob as ordens de meu irmão, funcionários notáveis, como por exemplo,
Admon Ganen, que foi extraordinário diretor de Recursos Humanos do Banco, e de
competência profissional tal, nacionalmente reconhecida, que encerrou sua vida
ativa como Diretor da Volkswagen do Brasil.
Eu
estava localizado ali, na SUBOP, porque Nilo Medina Coeli queria. E queria,
porque pensava que eu, qualificado pelo primeiro lugar obtido no concurso para
ingresso no Banco, ganhando experiência, poderia desempenhar com eficiência
aqueles trabalhos de gabinete. Era fervllhante o ritmo de serviço naquela
subgerência. Era o período presidencial de Juscelino Kubitschek. A ocupação
econômica do oeste do estado do Paraná e do extremo oeste de São Paulo era
intensa. Boa parte dos funcionários que trabalhavam na SUBOP aspirava
conquistar a gerência de uma das agências que o Banco então disseminava pelas
cidades dessas duas regiões. Era, de fato, a concretização daquele movimento,
anos antes idealizado e iniciado por Getúlio Vargas, e decantado por Cassiano
Ricardo na Marcha para o Oeste.
Entende-se,
assim, porque, naqueles tempos, um ponto sempre presente numa análise de
crédito era a indicação do número de empregos que provavelmente seriam criados
por aquele crédito. Criar oportunidades de emprego era preocupação do Banco em
cada crédito que concedia. A tecnologia chegava com a fábrica na cidade e com a
máquina agrícola nas fazendas de gado, nas plantações de fumo, arroz , milho,
algodão e soja, nos canaviais, nas usinas de açúcar e de etanol, ampliando as
oportunidades de trabalho e melhorando as condições de trabalho dos empregados. A promoção da riqueza era muito mais que
isso: era, sobretudo, promoção social!
Na
década seguinte, Eduardo de Castro Neiva, piauiense de Amarante, lá do sul
escaldante de meu estado natal, mente extraordinária, inteligente e realizador,
o criador da Carteira de Câmbio por Conta Própria, do Bando do Brasil
Internacional e da Trade Company, o primeiro Vice-Presidente da Área
Internacional, me leva como secretário para a criação da Carteira de Câmbio Por
Conta Própria. No dia 2 de janeiro de 1965, ela é inaugurada por Neiva, que
trazia com ele três auxiliares: Beninato, chefe de gabinete, e, secretários, eu
e José Gomes de Melo. Dos quatro, somente eu sobrevivo. Neiva, além de
advogado, era poliglota (falava inglês, alemão, francês, italiano e espanhol),
culto (declamava trechos do Lusíadas e de outros poetas e escritores
nacionais), tinha bons conhecimentos de Contabilidade e Economia, e era exímio
financista. Fora Chefe dos Serviços de Câmbio em Teresina e, sobretudo, era
criativo, realizador. Caráter simples, sem vaidade, sem fofoca, focado em
realizações e boa convivência. Grande pessoa, como poucas conheci nos meus
longos noventa anos de existência.
Certo
dia, lá para as l4 ou 15 horas, já comissionado Assistente de Gerente e
chefiando um dos setores da Gerência, comunicam-me que conhecido empresário e
político da época estava vindo, encaminhado por outra área do Banco, para iniciar
a negociação de um financiamento, em moeda estrangeira, da importação de uma
fábrica de produtos em setor econômico então em estágio inicial de
desenvolvimento no Brasil. As atividades nesse setor da economia brasileira
eram apenas iniciais, em nível tecnológico muito baixo, se comparado ao dos
países desenvolvidos. A matéria-prima brasileira era inexistente no mercado
internacional. O pretendente não tinha visibilidade empresarial incomum no
cenário nacional, nem experiência empresarial nesse ramo de indústria. Sua
atuação política era vencedora e regionalmente nova e relevante. Nada obstante,
a repercussão nacional de sua atividade empresarial era por vezes sentida,
gerando interrogações. Esse cenário gerou explosões de incertezas em minha
mente. Corri à sala do Neiva, expus-lhe a situação em que me encontrava e
recebi dele a seguinte orientação: “Edgardo, o empresário passa (muda o
empresário), mas a indústria fica. O Brasil precisa dessa indústria.”
Não
considero essa orientação perfeita. Acho que só o empreendimento economicamente
viável deve vir à luz. No entanto, pense-se como aprouver, o fato é que aquele
industrial implantou a empresa. Hoje a indústria ainda existe, compondo outro
conglomerado industrial, é verdade. Sua tecnologia totalmente ultrapassada.
Mas, ainda produz riqueza para o País e, sobretudo, empregos para a
sobrevivência de centenas de pessoas e nível social mais elevado para a
população de toda uma região do País.
Neste
mundo atual glamourosamente liberal e globalizado, vence despudoramente a
batalha da competição econômica quem detiver a vantagem ao menos em um destes
fatores de produção: mão-de-obra (China), energia (Estados Unidos) e tecnologia
(Estados Unidos).
A
China pode desenvolver-se rapidamente, já tendo em poucos anos ultrapassado as
dimensões econômicas dos Estados Unidos, graças à mão-de-obra barata. Essa
vantagem econômica da China apenas sofre competição da Índia. Por muito tempo,
a mão-de-obra desses dois países usufruirá dessa vantagem, no mundo econômico
globalizado, conferindo-lhes vantagem hegemônica no comércio internacional. Até
às custas do empobrecimento do próprio País de origem, o capital norte-americano
transporta-se para esses dois países, na ânsia de sobreviver e expandir-se,
ampliando para o cenário global o impacto ardiloso do esquema fatal da camada
infinita de demandantes despossuídos sob o jugo de um conciliábulo de gestores
sibaritas. Essa situação social e econômica constitui, nos dias presentes, o
maior problema político dos Estados Unidos. Essa ideologia do enriquecimento
aético invade até os recintos econômicos que lhe são mais opostos como os das
Entidades Fechadas de Previdência Social (EFPC), que ousam autoproclamar-se
sociedades sem finalidade lucrativa. A voracidade econômica apresenta-se como
virtude. Mas, o infortúnio social choca-se em ondas humanas de famélicos
batendo nas fronteiras dos países civilizados, rachando-as e neles
infiltrando-se. Não se trata mais de invasão de bárbaros ou revolta de
escravos. É o desespero dos famintos ameaçando a existência do éden do mercado
onde o lucro é o Bem Supremo. É lícito que tudo eu possua, mesmo não precisando
de quase tudo, às custas da subsistência do infinito número de indivíduos que o
produziram e precisam consumi-lo para que a roda econômica continue a girar,
desde que eu consiga realizar essa façanha absurda.
Dizem
que ultimamente os Estados Unidos conseguiram realizar a façanha tecnológica de
mover a sua indústria com energia de origem fóssil a mais barata do planeta
Terra, e tão barata que lhe oferece vantagem competitiva sobre a economia
chinesa baseada na mão-de-obra barata. Ao que parece, ao menos por algum tempo,
o Brasil vê afastar-se a expectativa que nutria de obter vantagem nessa batalha
competitiva globalizada, contando com energia fóssil abundante, a mais cara,
extraída das camadas terrestres do pré-sal.
Mais
inatingível ainda é a vantagem competitiva com base na tecnologia. A tecnologia
é filha da Ciência. E a pátria da Ciência é os Estados Unidos da América. Cinquenta
e quatro universidades dos Estados Unidos inserem-se no grupo das cem mais conceituadas
universidades do Mundo, dezesseis universidades entre as vinte melhores e oito norte-americanas
entre as dez primeiras universidades. Os Estados Unidos é o país da Ciência e
da Tecnologia. Os Estados Unidos não domina o Mundo, porque o poderio atômico
da Rússia e da China não lhe permite essa ousadia. Amplie-se esse círculo de
poder atômico para um quinteto, Inglaterra e França, sem esquecer outras
potencias atômicas menores, como Israel, Índia e Paquistão. O Brasil abdicou
desse respeito, no final do século passado. Hoje sobrevivemos como nação
soberana, à sombra proporcionada por essa umbrela do receio da guerra atômica
nutrida por esse quinteto que, de fato, governa o Mundo. A cobiça mundial e o acerto entre esses cinco
grandes ditarão nosso destino. Até lá, no Mundo em que hoje vivemos, o que
constatamos é a realização progressiva do vaticínio de Karl Marx, que, segundo
Thomas Pikety, se processa, não em virtude de inexorável lei econômica, mas em razão
da vontade das elites políticas dominantes: a progressiva redução das oportunidades
de emprego.
Retornando
ao nosso assunto original, creio que hoje as análises de crédito dos Bancos não
mais se preocupam com as oportunidades de emprego que proporcionam. Suspeito
que hoje o foco da análise se restrinja à produtividade, à contribuição para o
aumento da lucratividade da empresa, da competitividade, da chance de vitória
na batalha da competição. E disso parece ser indício até o próprio fato de se
fecharem agências e de se incentivarem a antecipação da aposentadoria dos
funcionários. Até certo ponto, está-se assistindo à concretização do ideal
humano da sociedade do bem-estar social, já naquele estágio de utopia, quando
todos os indivíduos humanos, como afirma Delfim Neto, terão garantido alto
nível de sobrevivência sem arcar com o tedioso ônus do trabalho, que seria
executado exclusivamente pela máquina, como outrora o era pelos escravos. Só
existirão os donos das máquinas, os mais bem dotados da espécie, os
predestinados pela seleção natural, conforme, segundo dizem, vaticinou Herbert
Spencer no final do século XIX. Numa sociedade civilizada, num Estado Democrático
do Bem Estar Social, o Princípio Jurídico Soberano da Proteção aponta para a
realização da Utopia da Imortalidade numa existência sem trabalho, dor e
angústia, como é a felicidade, definida por Epicuro! Eden para poucos... Os
outros morrerão na inanição... Assistimos ao escape desesperado e fraudulento
do infortúnio, tentado por personalidades famosas em nossa sociedade...