O
código de Hamurabi, dois mil e cem anos antes de Cristo, adorna-se de uma
imagem onde o rei recebe as leis de Shamash, o deus-sol, de cujo prólogo
consta: “...Anu e Bel me chamaram, a mim Hamurabi,... para implantar a justiça
na terra, para destruir os maus e o mal, para reprimir a opressão do fraco pelo
forte... para iluminar o mundo, para propiciar o bem-estar do povo.”
Will
Durant relata: “Era coisa usual a divindade dos códigos. As leis do Egito...
foram dadas pelo deus Toth e as leis de Hamurabi, pelo deus Shamash...; a
deidade deu ao rei Midas... as leis de Creta; os gregos representavam Dionísio
– o Legislador – com duas tábuas de pedra em que as leis estavam escritas; e os
piedosos persas nos contam como, um dia, estando Zoroastro a orar na
montanha, Ahura-Mazda lhe apareceu num
trovão e entregou-lhe o “Livro da Lei”.”
Os
gregos, ainda no tempo de Sócrates, acreditavam que, quando reunidos na
Assembleia e no Areópago, debatiam as leis, nada mais faziam que descobrir as
leis que Zeus impusera ao Cosmos, à
cidade de Atenas e aos homens. Às Moiras Zeus confiou o destino de cada homem,
que as três permanentemente se dedicavam em traçar. O sucesso dos famosos
teatrólogos gregos, que até hoje perdura e nunca se extinguirá, consiste
precisamente nisto, na exímia descrição da impotência humana ante o destino, a ordem universal, a vontade divina.
Justamente por isso Sócrates foi
condenado à morte, porque passara a ensinar que as leis da conduta humana, foram
depositadas pelo deus misterioso, um daimon, no interior das pessoas, onde elas
iriam descobri-las utilizando-se da maiêutica. A moralidade e a ética nada mais
seriam que a excelência, a perfeição da prática do raciocínio, que desvendaria
a sabedoria, a perfeição da vida humana, a vida virtuosa.
Platão
aprofundou o pensamento do mestre, assumindo a existência do mundo
suprassensível, a autêntica realidade, do qual o mundo sensível é pálida
imagem, origem da alma humana, onde esta contemplou todas as formas, de modo
que, através do raciocínio, o homem nada mais faz que recordar o que a encarnação lhe fizera esquecer. Pensar
é recordar.
Este
dualismo humano, espírito e matéria, alma e corpo, de Platão é assumido no
século III da Era Cristã por Plotino que o ensinou em Roma. Um século mais
tarde, as ideias de Plotino reencaminharm Agostinho para o cristianismo em que
sua mãe, Mônica, o criara. Agostinho tornou-se, então, o grande doutor da
Igreja. As ideias do mundo suprassensível maravilhoso; da alma humana
espiritual e imortal; da liberdade e responsabilidade e igualdade humana; da
plenitude divina e da profunda nulidade humana; do mistério da providência
divina que ordena o mundo, a sociedade humana, designando o papel de cada um,
rei ou súdito, rico ou pobre, e a vida de cada indivíduo; do pecado, da justiça
e misericórdia divinas; do pecado como razão da miserável condição da vida
humana, inclusive a morte; da redenção da humanidade por Jesus Cristo; da vida
terrena como época de provação para passagem à imortalidade, no céu da
felicidade ou no inferno da mais tremenda desgraça, foram hauridas e elaboradas
por Agostinho nos Evangelhos e nas Epístolas de São Paulo e difundidas pelos
monges por toda a Europa. Agostinho tornou-se o grande doutor da Igreja do
Ocidente.
Assim
as ideias agostinianas dominaram toda a Idade Média e fizeram Tomás de Aquino
conciliar Aristóteles, o discípulo, com Platão, o mestre. A fé de bilhões de
cristãos apreende hoje toda essa concepção da vida na leitura da Bíblia. Ao longo de toda a idade média, a pobreza
virtuosa, a pobreza como posse do Bem Supremo, Único Bem Verdadeiro, povoou os
desertos da Ásia Menor e do norte da África, assim como pontilhou a Europa de
mosteiros. Estavam bem atentos ao Sermão da Montanha: “Felizes os pobres porque
vosso é o reino de Deus. Felizes os famintos de agora, porque sereis saciados.
Felizes os tristes de agora, porque rireis... Mas, ai de vós, ricos, porque já
recebestes o consolo! Ai de vós, fartos de agora, porque tereis fome! Ai de vós,
sorridentes de agora, porque gemereis e chorareis!” (Lucas 5, 20-25), bem assim
a outras passagens: “Se emprestardes àqueles de quem esperais receber, que
recompensa tereis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, para deles
receberem igual favor. Ao contrário, amai os inimigos, fazei bem e emprestai
sem esperança de remuneração e grande será a recompensa...” (Lucas 5, 33-35)
“Vendo-o assim, disse Jesus: “Como é difícil entrarem no reino de Deus os que
têm riqueza! É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um
rico entrar no Reino de Deus!”(Lucas 18, 24-25)
Desta
forma, ao longo da Baixa Idade Média, a teologia agostiniana transformou, no
século VI EC, Gregório, rico prefeito de Roma, convencido da iminência do fim
do mundo, no monge papa Gregório Magno, que, através da difusão dos mosteiros,
tornou a Europa cristã apostólica romana. No século VIII EC, ela convenceu
Pepino, o Breve, através do Papa Estêvão II, a defender o papado e expandir o
Estado Pontifício, bem como dobrou os joelhos de Carlos Magno ante o papa Leão
I para coroá-lo, em nome de Deus, Imperador do Sacro Império Romano.
A
atividade econômica era vista naqueles tempos como uma atividade humana
qualquer. Assim, quando no segundo milênio, a riqueza comercial e as
universidades se alastraram pelo continente europeu, essa conduta humana da
atividade econômica passou a ser estudada pelos sábios da época, ocupados com
os assuntos de Ética e Direito. A mentalidade agostiniana da época encarava a
riqueza como o sexo, atividades do homem comum, ser material, corpóreo,
animalesco, insignificante, degenerado pelo pecado. Esse homem comum, corroído pela
concupiscência, procriava e acumulava riqueza, arriscando num jogo irracional,
a felicidade da fruição eterna da visão de Deus. Eles se contentavam tão
somente em proceder com ética e justiça nas atividades econômicas, pagando os
tributos ao rei e sendo corretos nos negócios, cobrando o preço da mercadoria e
a taxa de juros justos, não fraudando na quantidade e na qualidade da
mercadoria ou serviço, nem descumprindo compromisso assumido. Aquele, porém,
que quisesse garantir a vida eterna na companhia divina adotaria, como fez o
rico Francisco de Assis, vida de completa entrega ao amor de Deus, sem relações
sexuais e na total pobreza, liberto, portanto, de qualquer preocupação com os
assuntos desta vida terrena.
Mentalidade
completamente diferente, nova, revolucionária começou a surgir com Copérnico,
Galileu, Francis Bacon e Renée Descartes, nos séculos XVI e XVII EC, tentando
explicar o mundo através da razão, utilizando os procedimentos mentais da
indução e da razão, e a experimentação, o método científico. Nesse mesmo século
XVII, Locke afirma que o homem nasce uma tábula rasa, uma superfície em branco.
Essa afirmação nada mais é de que a cultura é produto humano. Dá ensejo para
Rousseau arguir no século seguinte: “O homem nasceu livre e por toda parte está
acorrentado.” “...os homens, porventura desiguais na força e na inteligência,
sejam iguais nos direitos sociais e legais.” (Contrato Social) “Na realidade,
nada é mais doce que o homem no seu estado primitivo... ele é contido pela piedade
natural em causar mal a alguém, sem ser por nada levado a isso, mesmo depois de
tê-lo recebido.” (Discurso) Liberdade, Igualdade e Fraternidade, o lema da
Revolução Francesa, a revolução que mudou o Mundo, alimentada pelas ideias
revolucionárias de Rousseau, o filósofo da Revolução Francesa, cujos livros
eram lidos em praça pública para o povo pelos líderes do movimento. Os homens
não nascem reis, médicos, advogados, comerciantes, industriais, bancários,
generais, ricos ou pobres, cientistas ou artistas. A diferença social é uma
produção humana. Enraíza-se na Cultura. O homem livre, racional e apaixonado, animal
racional, é o responsável pelo seu destino, pela Cultura, pela sociedade, pela
Civilização.
Poucos
anos antes da queda da Bastilha (1789), Adam Smith, professor de “filosofia moral
– matéria que incluía ética, jurisprudência e economia política”, na
Universidade de Glasgow, publicara, em 1776, o Riqueza das Nações, considerado
o primeiro livro científico sobre matéria econômica, o início da Ciência Econômica.
Os
negócios de comércio, indústria e banco não deixavam de ser atos humanos, isto
é, livres e racionais, comandados por normas de respeito mútuo, na conformidade
da dignidade humana, e orientados para o convívio harmonioso da sociedade, para
o seu bem-estar. Mas, passava-se a entender que os negócios tinham suas normas
de sucesso. Os homens negociam, disse Adam Smith, porque a troca negocial
permite que os negociantes possuam mais bens, mais riqueza. E eles podem ter
mais riqueza, porque cada negociante pode especializar-se na produção de um bem que troca pelo do outro. Através da
troca, do mercado, a produção que é um ato egoísta se transforma no bem de
todos, que é o bem da sociedade. A já ampla ciência econômica nada mais é,
pois, que o resultado da análise científica de como funciona esse surpreendente
mecanismo que transforma a busca egoísta da riqueza na riqueza coletiva, na
riqueza social, na riqueza nacional, na riqueza mundial, no abastecimento de
bens a toda a Humanidade.
A
Economia tem suas leis próprias, conquanto permaneça uma atividade humana,
atividade impregnada da dignidade humana, submetida, pois, às normas da
equidade e da justiça, às normas da Ética e do Direito, à reponsabilidade pelos
seus atos do homem livre racional, do indivíduo autônomo.
Nos
livros didáticos de Economia atuais, o estudante inicia o curso com a
informação de que Economia é o estudo do homem nos negócios comuns da vida, que
esses negócios são opções que se fazem para se obter um benefício a custo de um
outro bem, em razão de um incentivo que move a pessoa a melhorar de situação.
Como se vê, os economistas ensinam que os negócios são comportamentos humanos.
Ora,
entende-se por Psicologia o estudo do comportamento e dos processos mentais de
todos os animais. Um século transcorrido da Revolução Francesa, Wilhelm Wundt,
inaugurava na Universidade de Leipzig o primeiro grande laboratório de pesquisa
em Psicologia. Por isso, é considerado o fundador da Psicologia Científica. Por
essa época, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, William James
publicava seus livros sobre o comportamento humano, de modo que é chamado de o
pai da Psicologia.
Como
se vê, o Psicólogo fala de mente, de sistema nervoso, de hormônios, de
estímulos e de reações, de comportamentos. No livro didático de Linda L.
Davidoff nenhuma palavra sobre liberdade, sobre autonomia, ao longo de suas
setecentas páginas. O comportamento humano, ensina ela, explica-se através do
modelo da homeostase, isto é, o contínuo trabalho do organismo de restabelecer
o equilíbrio que percebeu ter sido perdido
e do modelo da motivação. A motivação é um estado mental, conjunto de
cognições e emoções, que provocam o comportamento. A motivação é a resposta da mente
humana a um incentivo, uma necessidade fisiológica ou adquirida.
Abraham Maslow ficou célebre com sua teoria da necessidade, a pirâmide das
necessidades: necessidades fisiológicas (fome, sede, sono etc.), de segurança (saúde,
emprego etc.), amor, autoestima, cognitiva, estética, autorrealização e
autotranscendência.
A
liberdade, a autonomia, acha-se ela aí perdida, ignorada, no seio desse estado
mental, um turbilhão de cognições e emoções que gera a motivação. Rita Carter
em seu “O Livro de Ouro da Mente”, não hesita em afirmar: “...algumas ilusões são
programadas com tal firmeza em nossos cérebros que o mero conhecimento de serem
falsas não nos impede de as ver. Livre-arbítrio é uma dessas ilusões.” Rita
está sendo clara e leal. Afirma o que pensa e aquilo em que hoje se baseia toda
a Educação e Pedagogia Pública, bem como toda a ordem jurídica e ciência ética.
O crime hoje é doença, assim como o mau caráter. É comportamento desajustado. O
criminoso não é responsável pelo que faz, porque não existe livre-arbítrio. O
criminoso não merece cadeia. Precisa de medicina, de hospital.
Como
se vê, os novos manuais da Economia, quando frisam, nas primeiras páginas, que
o grande economista é o indivíduo que entende com profundidade a teia de opções
(trade of) que são os negócios – comportamentos em resposta a necessidades,
incentivos, - “As pessoas em geral exploram as oportunidades de melhorar de
situação” -, eles não estão mais do que colocando a
Economia na sua exata origem mental e mantendo o relacionamento ético e
jurídico que a ciência hoje lhe circunscreve e a publicidade não tem interesse de
bem esclarecer ao povo. A Economia tem suas regras próprias, mas é
comportamento ético e se submete aos ditames jurídicos da Nação.