Participaram
dessa reunião os diretores, inclusive Rui Brito, e dois convidados, eu e nosso
ilustre colega Curi, que tem dado preciosa contribuição às atividades de Rui
Brito.
Ao
final das nossas trocas de opiniões a respeito da matéria, Rui Brito fez
questão de ressaltar o histórico do nascimento da ideia do instituto da
Reversão de Valores: “A Previ apresentava superávits na década de 90 do século
passado. A administração da Previ era toda paga pelo Banco do Brasil. Os cargos
mais importantes do funcionalismo da Previ eram ocupados por funcionários
cedidos pelo Banco, cujos custos eram também pagos pelo Banco do Brasil. O
Banco arcava com todos os custos de administração da PREVI. A administração do
Banco, convencida de que os resultados da PREVI eram resultados do trabalho de
ambos, Banco do Brasil e PREVI, começou a alimentar a ideia de que, por
justiça, os superávits também deveriam compensar a ambos, Participantes da
PREVI e Banco do Brasil. Mentalidade de patrão capitalista, fixado no lucro,
repartido entre os acionistas, segundo o princípio da divisão proporcional. Já
no início do século, promulgada a LC 109/01, passou-se a difundir a ideia de
que a Lei é incompleta nesse assunto de distribuição do superávit, necessitando
por isso que seja interpretada. O Princípio Jurídico a ser invocado para a
elucidação da matéria não poderia ser outro senão o Princípio da Isonomia, da
Equidade, o Princípio da Proporção Contributiva: os superávits dos Planos de
Benefícios devem ser distribuídos entre todos os seus contribuintes -
Patrocinador, Participantes e Assistidos – na conformidade com a
proporcionalidade das respectivas contribuições.
À
vista dessa próxima importante Audiência Pública no Senado, que me parece será
decisiva para dirimir o assunto, se de fato for realizada para se esclarecer
definitivamente a questão da legalidade do instituto da Reversão de Valores,
debatendo-se à exaustão a matéria, pois terá a participação de representante da
Advocacia Geral da União, do Secretário da SPPC, do presidente da PREVIC e do Senador
José Barroso Pimentel, signatário da Resolução CGPC 26/08, pretendo reanalisar,
com roupagem de novidade, esse argumento da lacuna do texto legal e do
Princípio da Isonomia, sob dois enfoques.
1º
enfoque: O Instituto da Reversão de Valores à luz da Hermenêutica Jurídica.
Wladimir
Novaes Martinez, autor citado pela SPC na sua Informação ao Senado em dezembro
de 2008, dedica o capítulo CLXXXIV do seu Curso de Direito Previdenciário à
“Aplicação e Interpretação”. Ali ele elenca longa lista de normas para uma boa
hermenêutica de texto legal. A primeira delas: “Leitura do texto estudado – Em
certas circunstâncias, a dificuldade desaparece após leitura detida do
dispositivo.” Lá adiante, encerrando o capítulo CLXXXVIII, ele ensina:
“Princípios gerais – Os princípios também não são fontes formais... Em face da
lei dispositiva e expressa nada significam;...”
Isso
é indiscutível: se a lei é clara e não tem lacuna, não há por que se apelar
para princípios. Aliás, os próprios inventores do instituto da Reversão de
Valores confessam que usam o Princípio da Isonomia, simplesmente porque, alegam
eles, a LC 109/01 é omissa no que tange ao assunto da distribuição de
superávits.
Ora,
caros amigos, é que eles não querem ler o artigo 19 da LC l09/01. Este artigo é
precisamente aquele que a Lei dedica a dizer NO QUE ELA QUER QUE SE GASTEM AS
CONTRIBUIÇÕES SEPARADAS COMO RESERVAS, SEJAM ELAS DE QUE TIPO FOR. Ei-lo:
“As contribuições (todas, as normais e as extraordinárias)
destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento
de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades
previstas nesta Lei Complementar.”
E
no capítulo 20, a lei dá as ESPECIFICIDADES:
Reservas
Matemáticas, Reserva de Contingência e
Reserva Especial. Todas as três são RESERVAS. Todas três, pois, são
contribuições separadas para pagamento de benefícios previdenciários.
Reservas
Matemáticas gastam-se nos rotineiros pagamentos dos benefícios previdenciários
contratados. Reserva de Contingência gasta-se no pagamento de benefícios
previdenciários, quando eventualmente as reservas matemáticas se apresentarem
desfalcadas. Reserva Especial gasta-se no pagamento de benefícios
previdenciários contratados (reduzindo-se a contribuição) ou aumentando-se o
valor do benefício contratado, dependendo da situação financeira do Plano de
Benefícios, e sob certas condições, entre elas a da revisão dos parâmetros
financeiros e atuariais do Plano de Benefícios.
O
artigo 20, meu caro leitor, já não trata do DESTINO DAS RESERVAS
PREVIDENCIÁRIAS. Para a LC 109/01 este assunto está regulado pelo artigo 19 e
nele está encerrado: contribuição separada como reserva gasta-se pagando-se
benefício previdenciário. Ele já trata
de outro assunto, a saber, como se equilibra um Plano de Benefícios
Previdenciários desequilibrado por excesso de reservas. Ele trata, por isso,
das ESPECIFICIDADES dos gastos das Reservas Previdenciárias com o pagamento de
benefícios previdenciários, porque a LC 109/01, por prudência, estabelece três
parâmetros: o do valor dos benefícios contratados, o do valor da Reserva de
Contingência e o valor que pode ser distribuído sem prejuízo do prudente valor
de garantia do equilíbrio entre Reservas e Benefícios Contratados.
Há
texto mais contundente? Mais categórico? Mais pormenorizado? Há texto mais
insistente? Todas as contribuições separadas como reservas (e essas reservas
são de três tipos) gastam-se no pagamento de benefícios previdenciários.
Assunto encerrado, esclarecido e completamente regulamentado.
Wladimir
Novais Martinez, naquela primeira norma de hermenêutica jurídica, acrescenta
mais uma particularidade: “Convém verificar, também, o texto anterior, se
revogado, e a história da disposição. Esse esforço será aclarador.”
Os
textos legais anteriores à LC 109/01 são a Lei 6435/77, a Lei 6462/77 e a Lei
8020/90.
O
artigo 46 da Lei 6435/77 manda o seguinte: “Nas entidades fechadas o
resultado do exercício, satisfeitas todas as exigências legais e regulamentares
no que se refere aos benefícios, será destinado: a constituição de uma reserva
de contingência de benefícios até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do
valor da reserva matemática; e, havendo sobra, ao reajustamento de benefícios
acima dos valores estipulados nos §§ 1° e 2º do artigo 42, liberando, se for o
caso, parcial ou totalmente as patrocinadoras do compromisso previsto no § 3º
do mesmo artigo.”
Atente
bem, prezado leitor, o que a Lei 6435 chamava de SOBRA (claro, sobra de
reservas) a LC 109/01 chama textualmente, propositadamente, de RESERVA (Reserva
Especial). Qual é o propósito? Evidente que não pode ser outro: afirmar que
estes valores excedentes de 25% das Reservas Matemáticas são tão reservas
quanto as Reservas Matemáticas, que são separados para serem gastos, portanto,
da mesma forma no pagamento de benefícios previdenciários.
A
Lei 6435 era tão rigorosa nessa matéria que até essa SOBRA (o excesso sobre 25%
do valor das Reservas Matemáticas) no Plano de Benefício das EAPC (EPC
capitalista, empresa, sociedade com fins lucrativos), ela mandava fosse gasta
em benefício dos Participantes exclusivamente: “Art. 23. Nas entidades
abertas sem fins lucrativos, o resultado do exercício, satisfeitas todas as
exigências legais e regulamentares no que se refere aos benefícios, será
destinado à constituição de uma reserva de contingência de benefícios e, se
ainda houver sobra, a programas culturais e de assistência aos participantes,
aprovados pelo órgão normativo do Sistema Nacional de Seguros Privados.”
A
Lei 6462/77 somente alterou a Lei 6435/77 neste pormenor: o aumento do valor do
benefício não poderia ser permanente, mas temporário.
O
artigo 3º da Lei 8020/90 (válida somente para EFPC com patrocinador estatal ou
ligado a entidade estatal), sem perceber que a redução ou mesmo suspensão de
contribuição, rigorosamente falando-se, NÃO EQUILIBRA Plano de Benefício
desequilibrado por excesso de reservas, mandou que a SOBRA de reserva excedente
ao excesso de 25% das Reservas Matemáticas fosse aplicada na “redução das taxas de
contribuições das patrocinadoras e dos participantes, na proporção em que
contribuírem para o custeio.” Redução de Contribuição evita que o excesso de
reserva seja aumentado ou que o efeito equilibrador dos GASTOS de reservas seja
anulado. O que, de fato, equilibra um Plano de Benefícios desequilibrado por
excesso de Reservas Previdenciárias é o gasto das Reservas. Claro a redução da
Contribuição é uma medida que merece ser tomada para equilibrar um Plano de
Benefícios superavitário. Ela é uma medida equilibradora. Mas, ela o é
indiretamente, porque permite que os gastos de reservas (essa, sim, a medida
propriamente equilibradora) atuem com total eficiência equilibradora.
Constata-se, assim, utilizando-se essa norma hermenêutica
jurídica indicada pelo autor citado pela própria SPC, que a LC 109/01 só admite
duas formas de equilibrar um Plano de Benefícios superavitário: reduzindo as
contribuições e aumentando o valor dos benefícios previdenciários.
Fica, assim, também EVIDENTE que afirmar que a LC
109/01 é incompleta raia os limites da ignorância porque, de fato, NÃO EXISTE
OUTRA FORMA DE EQUILIBRAR UM PLANO DE BENEFÍCIOS SUPERAVITÁRIO SENÃO GASTANDO
AS RESERVAS. Torna também EVIDENTE OUTRO FATO, a saber, o afirmante não
entendeu que o artigo 19 é que trata exatamente da DESTINAÇÃO que a lei dá às
RESERVAS (às contribuições especificamente separadas), enquanto o artigo 20
trata de outro assunto, a saber, SE
EQUILIBRA UM PLANO DE BENEFÍCIOS SUPERAVITÁRIO (primeiro, diz ela, só considere
superavitário o Plano com excesso superior a 25% das Reservas Matemáticas e, em
seguida, equilibre-o gastando esse excesso de reserva, ou simplesmente
reduzindo as contribuições ou aumentando os benefícios previdenciários).
Lei evidentíssima e completa para quem sabe ler. E
saber ler, segundo Wladimir Novaes Martinez, é a primeira norma da Hermenêutica
Jurídica.
2º
enfoque: O Instituto da Reversão de Valores à luz do conceito de Regime da
Previdência Complementar.
A
primeira norma baixada pelo artigo 202 da Constituição Federal e pelo artigo 1º
da LC 109/01 é que a Previdência Complementar é um REGIME.
Regime
é um conjunto de normas legais que regem as relações entre as pessoas em
determinados negócios jurídicos. Os contratos que se firmam no âmbito dessa
matéria estão submetidos necessariamente a essas normas legais. Todo estudante
de advocacia sabe disso.
Outras
normas do artigo 202 (caput e parágrafos) da Constituição Federal e do artigo
1º da LC 109/01 estabelecem que a Previdência Complementar assume a forma de
contratos e esses contratos, por sua vez, apresentam a forma de Planos de
Benefícios Previdenciários.
Os
artigos 1º e 2º da LC 109/01 determinam que o Plano de Benefícios
Previdenciários seja um contrato entre uma Entidade de Previdência Complementar
(EPC – EFPC ou EAPC) – única contratante ofertante autorizada de Plano de
Beneficio - e uma pessoa física (Participante) para a formação de reservas, que
garantam o Participante manter na inatividade nível de vida superior ao
proporcionado pelos benefícios previdenciários do Regime Básico da Previdência
Social (artigo 1º e 2º). Logo, impossível as partes (EFPC e Participantes) ou o
Patrocinador (nem parte é dessa relação previdenciária) ou mesmo o Governo (através
de Resolução) introduzir nessa relação o Patrocinador seja em que papel for,
muito menos de beneficiário, ele Patrocinador que exatamente por seu interesse
não integra essa relação. Toda a LC 109/01 é elaborada exatamente para isso,
para proteger esse interesse do Patrocinador: que ele não integre a relação
previdenciária. Isso é alegado em todos os Tribunais pelos Patrocinadores,
pelas EFPC e reconhecido pelos Juízes.
Embora
o artigo 1º diga que o Participante é livre para contratar o Plano, o artigo 8º
esclarece que o Contrato de Participação é um contrato de adesão, isto é, o
Participante nada pode negociar com a EPC, cláusula alguma, ou aceita o
contrato ofertado por ela na sua totalidade ou não faz contrato algum.
O
§3º do artigo 202 da Constituição Federal estabelece que uma EPC na forma de
EFPC, ligada a entidade estatal, só pode ter Patrocinador, isto é, a EFPC pode
negociar com ele, na qualidade de Empregador, as cláusulas do Plano de
Benefícios Previdenciários que ofertará aos empregados dele. Esse contrato
preparado será, em seguida, por ela ofertado ao Empregador estatal e por ele
será aceito na sua totalidade, através de um convênio de adesão (o Contrato de
Patrocínio), de acordo com o artigo 13 da LC 109/01. O Empregador, portanto, a
partir de sua adesão ao Plano, torna-se Patrocinador do Plano de Benefícios
Previdenciários, e não mais tem autoridade nem direito para alterar o Plano de
Benefícios.
Segundo
o parágrafo IV do artigo 14, parágrafo 3º do artigo 20, artigo 21, parágrafo 2º
do artigo 41, Patrocinador de um Plano de Benefícios Previdenciários tem
obrigação de pagar a contribuição, de supervisionar e fiscalizar a gestão do
Plano. Nisso consiste o Patrocínio, portanto, na obrigação de contribuir bem
como de monitorar (note-se que essa supervisão está no capítulo de Fiscalização
da LC 109/01) e fiscalizar. Nada mais. Como, então, pode o Governo, através de
uma Resolução mudar essa natureza totalmente obrigacional do Patrocínio para um
direito a um benefício, direito exclusivo da relação criada por outro contrato,
o Contrato de Participação, e próprio exclusivamente do Participante tanto em
razão do seu conceito (benefício de subsistência, próprio de uma pessoa física)
como em razão de qualquer Regime Previdenciário, seja ele Básico ou complementar?
Poderemos
ir seguindo ao longo de todas as relações jurídicas criadas pela LC 109/01 e
constatar que esse instituto é aberração tal que afronta uma multidão delas em
tal quantidade que se pode afirmar que ela agride toda a LC 109/01.
Mas,
existe um núcleo de mandamentos, aquele exatamente que constitui o cerne da LC
109/01 e do mandamento do caput do artigo 202 da Constituição Federal, que esse
instituto da Reversão de Valores agride de forma contundente, óbvia,
insofismável, a saber, o conjunto formado pelos artigos 19 e 20, como já vimos
acima. Nunca, portanto, nem as partes nem o próprio Governo através de
Resolução poderão conferir ao Patrocinador o direito de participar do resultado
superavitário de um Plano de Benefícios Previdenciários. Por que? Porque o
Plano de Benefícios Previdenciários é um contrato firmado no SEIO DO REGIME DA
PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR, e, portanto, TEM QUE SE SUBMETER AOS ARTIGOS 19 e 20
DA LC 109/01.
Peço
humildemente que os ilustres representantes dos Participantes dos Planos de
Benefícios Previdenciários lá na Audiência do Senado, no próximo dia 2 de
julho, alguns deles meus amigos queridos, e todos eles personalidades por mim
admiradas, tenham bem presentes esses dois enfoques do assunto que será
debatido. E não aceitem estender o assunto do debate para reforma da legislação
da Previdência Complementar. O assunto da Audiência Pública deve restringir-se
ao PDS 275 do Senador Paulo Bauer.