domingo, 22 de novembro de 2015

352. Direito Adquirido e Ato Jurídico Perfeito

A Natureza, as circunstâncias e os nossos pais nos lançam no Mundo, na Existência, na Vida. Não somos consultados. Não pedimos. Não escolhemos.

Catapultado do nada para a Vida, é-se compelido a sobreviver. É-se um ser aparentemente frágil. Necessita-se de muitos cuidados nos primeiros anos de existência. É-se dotado de poucas armas de defesa. Ao contrário, é-se prendado com notável aparelho de informação. Até todo o nosso corpo é um órgão de informação. Toda a nossa aparelhagem informativa e de reação não tem igual na natureza. E é tal que a espécie humana conseguiu dominar o espaço terrestre e já tenta conquistar o espaço extraterrestre.

Esse complexo aparelho informativo e de reação é tão extraordinário que permite antever o futuro, planejar, optar, ter certo domínio sobre a ação circunstancial da Natureza, prolongar a existência, suprir todo tipo de necessidades, conquistar proteção e segurança, afastar adversidades e obter e prolongar a Vida e o Bem-estar e multiplicar a existência.

Um dos artefactos inventados pelo Homem para obter o bem-estar foi a Sociedade, a sociedade ordenada, o Estado. O Estado organiza a sociedade porque ele detém a força, a força que obriga o indivíduo a submeter-se à ordem expressa na Lei. O Estado organiza a sociedade através da coação legal, a coação inerente à Lei.

A Lei, pois, é uma norma de vida a que todos os indivíduos de uma sociedade, de um Estado se acham submetidos, a fim de que todos, em conjunto (sociedade) e individualmente, realizem o seu Bem-Estar, tanto o bem-estar a que todos aspiram em conjunto, como o bem-estar individual, o a que cada um aspira para si próprio. E esse bem-estar individual é exatamente o que cada um mais intima e entranhadamente deseja: maravilhosa fugaz existência terrestre. É o bem-estar que somente ele, indivíduo humano, conhece e quer.

Nesta autonomia indevassável, até pelo Estado coercitivo, neste bunker individual, reside a dignidade da pessoa humana. O indivíduo humano é soberano! É exatamente isso que é reconhecido por aquela lei, que já constava da primeira Constituição brasileira, aquela do Brasil Império, do ano de 1824 e vem sendo repetida em todas as Constituições brasileiras republicanas até a atualmente vigente: “Artigo 179-I. Art. 179...: I. Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei.”

Esse artigo continuava com outro inciso que exatamente delimitava o campo de atuação da Lei, o espaço público, as matérias de interesse de todos, geral, coletivo: “Artigo 179...: II. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade pública.” Só existe lei, o Estado só limita a autonomia individual, quando a matéria é do interesse da sociedade toda, não é do interesse apenas de alguns ou de um individuo. Ah! Quanta informação para o Brasil de hoje, inclusive para o Governo!... Esta norma não me parece ter constado nas Constituições brasileiras posteriores. Entendo que teria sido considerada desnecessária, haja vista que o interesse nacional é o próprio espaço da lei.

Além disso, está patente, pois, por tudo o que se disse, que a Lei é, de fato, regra importantíssima do jogo da vida do indivíduo. Ele é obrigado a segui-la. Para que a sociedade exista, para que ele se beneficie das vantagens que encontra no convívio social ordenado, ele concorda em abdicar de vantagens próprias que provocam desvantagens injustas (consequências desajustadas) nos outros indivíduos. E como tudo na vida humana individual, essa renúncia obrigatória, coagida, interfere, e muitas vezes decisivamente, nas escolhas existenciais, aquelas que tem consequências para a vida toda do indivíduo. É o caso, por exemplo, dos Participantes do Plano de Benefícios 1 da PREVI, que ingressaram no Banco do Brasil, antes de 1967.

Meu pai faleceu em 1931. Minha mãe sobreviveu viúva, com o encargo da sobrevivência de sete filhos, o mais velho, com 16 anos. Meu pai deixou-lhe uma boa habitação, um bom seguro de vida e uma loja em que se vendia de tudo a varejo, os produtos comercializados por Parnaíba, cidade internacional do Piauí, os produzidos no interior do Estado e os importados diretamente da Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos e França. Parnaíba era importante base econômica do norte do Brasil naqueles tempos, com belo prédio do Banco do Brasil, o mais importante da cidade, situado na praça principal da cidade, a Praça da Graça.

Walmásio, colega do Banco do Brasil, inspetor famoso, cidadão impoluto, contou-me que, certa vez, ali, na Praça da Graça, diante daquele edifício, meu pai lhe confiara a confidência de um desejo que intimamente nutria: “Meus filhos ainda serão funcionários do Banco do Brasil”. Era o emprego mais interessante daqueles tempos. Os rapazes das famílias mais abastadas saíam de Parnaíba para estudar, em geral com muito sacrifício, Direito, Medicina ou Engenharia em Recife, Salvador, Rio, São Paulo ou Minas Gerais. Os da classe média abraçavam a carreira militar ou faziam concurso para o Banco do Brasil, que na prática era o Banco Central do Brasil.
 
Por coincidência, os cinco filhos, do sexo masculino, de meu pai, realizamos os seu desejo. Ingressamos no Banco do Brasil conscientes de que teríamos um emprego com bom salário, aposentadoria integral, pensão para a viúva e filhos dependentes, integral e assistência médica de excelência até a morte, do funcionário e dos dependentes. Isso era prometido nos editais de concurso para o Banco do Brasil e prescrito nas instruções internas do Banco do Brasil sobre os direitos dos funcionários, como por exemplo a Circular FUNCI Nº 309/55. Foi essa remuneração que contratei com o Banco do Brasil, quando nele ingressei no dia 05/10/1955, recusando a oferta de meu irmão mais velho de me sustentar, enquanto me preparasse para o concurso para o Itamarati, a carreira diplomática. Ele me projetava repetir a façanha de Roberto Campos. Preferi, , aos vinte e oito anos de idade, não sacrificá-lo.

Aparentemente, o inciso III do Artigo 179 da Constituição de 1824 protegeria esses direitos contratuais: “a sua (da Lei) disposição não terá efeito retroativo.” Isto é, um fato, um contrato, é enquadrado, deve ser julgado pela lei de sua época. Isso é a expressão dos Princípios Jurídicos da Fidúcia e da Boa Fé. E nesse fato do ingresso no Banco, QUANTA BOA FÉ! Você ingressa no Banco, dedica oito, até doze horas diárias de trabalho ou mais quando comissionado, durante trinta anos ou mais, e, quando se aposenta ou morre, ESPERA (A BOA FÉ) QUE O BANCO, SÓ ENTÃO, CUMPRA A PARTE PRINCIPAL DE SEU CONTRTATO! Pague a aposentadoria integral até a própria morte e pague a pensão integral até a morte de seus dependentes.

As Constituições Brasileiras posteriores, TODAS, repetiram os dois principais desses três mandamentos da Constituição de 1824: “Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei.” e “a sua (da Lei) disposição não terá efeito retroativo.”, no meu entendimento, e corrigindo o segundo para melhor. É assim que entendo o artigo 113-3º da Constituição de 1934: “A LEI NÃO PREJUDICARÁ O DIREITO ADQUIRIDO, O ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA”, à luz do artigo 468 da CLT: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”.

Ora, nós ingressamos na PREVI OBRIGADOS, como atesta a Carta Circular nº 351 da PREVI, de 7/11/1966, citada em DA CAIXA MONTEPIO À PREVI: ‘’...por outro lado, O DITO BANCO DECIDIU, em Assembléia Geral Extraordinária de 8-7-1966, não só assumir os encargos a ele impostos pela reforma, senão também ABOLIR, a partir do momento em que entrarem em vigor os nossos novos Estatutos, A CONCESSÃO, PARA OS CASOS FUTUROS, DE COMPLEMENTOS DE APOSENTADORIA E PENSÕES. Portanto, a partir de l5-4-1967, quando entrarem em vigor os referidos Estatutos, deixará o Banco de conceder novos complementos de aposentadoria e pensões, os quais passarão a ser ENCARGOS DA CAIXA, RELATIVAMENTE AOS QUE INGRESSAREM NO SEU QUADRO DE ASSOCIADOS...”

Quer coisa mais clara? A PREVI dizia, então, o seguinte: ou entra para a PREVI ou não tem aposentadoria nem pensão! E o contrato de trabalho, onde é que fica? E a Constituição Brasileira, onde é que fica? E a Lei Trabalhista, onde é que fica?

Nem me aleguem que existe a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, que diz que Previdência Privada Complementar não tem relação com CONTRATO DE TRABALHO, porque o que tem relação não deixa de ter porque uma lei, mesmo que seja constitucional, diz que não tem: somente sou Assistido da PREVI porque fui funcionário do Banco do Brasil.  E mais, nenhuma emenda constitucional é legal se não se compatibilizar com os princípios constitutivos da Constituição, com o teor integral da Constituição. A Previdência Social Brasileira nasceu no serviço público (Montepios) e nas empresas (Previ, Lei Eloi Chaves, Institutos). O artigo 201 retira a quantia maior de recursos para o INSS do empregador. O GRANDE GARANTIDOR tanto da Previdência Social Básica, da Previdência Privada Complementar e da Previdência do Servidor Público é o Patrão, o Empregador. É óbvio que existe tanto a Previdência Social relacionada com o Trabalho quanto a que não é.

A Emenda Constitucional 20 e o artigo 17 da Lei Complementar 109/01 são bem posteriores à Constituição Brasileira de l988, a Constituição que Ulisses Guinarães orgulhosamente denominava de CONSTITUIÇÃO CIDADÃ, a CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA DO BEM ESTAR SOCIAL. A Emenda Constitucional 20 e o artigo 17 já sofrem influência dos governos neoliberais de Margareth Tatcher e Ronald Reagan, bem como da economia globalizada influenciada pela mão de obra barata chinesa. A Emenda Constitucional 20 e o artigo 17 da LC 109/01 são produtos de mentalidade moldada por outro tipo de Constituição, a CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA LIBERAL.

Essa mentalidade liberal, em nome do progresso, em nome do crescimento econômico, ÚNICA MEDIDA DO BEM ESTAR, desconsiderando princípios outros tão importantes ou mais, segundo a mentalidade do bem estar social, como o Primado do Trabalho, a Justiça Social e o Bem Estar Social, inspira essa interpretação atual que centra todas as decisões administrativas e jurídicas, em matéria previdenciária, no Princípio do Equilíbrio financeiro e atuarial do Plano de Benefícios, em vez de guiar-se pelo Princípio Legal do Interesse do Participante como manda a LC 109/01. Entendo que é ela também a responsável por essa atual predominante situação em que as decisões do Tribunal Civil contrariam as tradicionais decisões do Tribunal Trabalhista, distinguindo entre EXPECTATIVA DE DIREITO e DIREITO ADQUIRIDO, entre ATO JURÍDICO IMPERFEITO e ATO JURÍDICO PERFEITO.

Não. Quando, naquele início da tarde de 5 de outubro de l955, que tarde linda da minha vida!, me sentei na carteira do Gabinete do Contador da Agência Central de Recife, (sim, foi no Gabinete do Contador, o segundo administrador de uma das mais importantes agências do Banco, que tomei posse no Banco do Brasil!) eu estava convicto de que HAVIA CONCLUÍDO UM ATO JURÍDICO PERFEITO, que EU INICIAVA A MINHA PARTE (o primeiro dos meus trinta anos de trabalho) e que o BANCO DO BRASIL, POR CADA ANO DE TRABALHO, ME FARIA COM ABSOLUTA CERTEZA A CONTRAPARTIDA DE UM TRIGÉSIMO DE APOSENTADORIA E PENSÃO ATÉ A MORTE MINHA E DE MEUS DEPENDENTES! Não era expectativa. Era certeza. TODAS AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS ME GARANTIRAM. Não, UMA EMENDA CONSTITUCIONAL 20 E MUITO MENOS UM ARTIGO DE UMA LEI, MESMO QUE COMPLEMENTAR,  NÃO ME PODE RETIRAR ESSE DIREITO. Penso que nem mesmo uma nova Constituição Liberal tenha esse poder. São os princípios da Segurança Legal, da Fidúcia e da Boa Fé, Princípios Jurídicos legais universais e milenares, que me garantem essa contrapartida. São princípios de uma  vida social organizada, pacífica, justa e segura. Princípios de uma sociedade civilizada!
 
Os colegas que me lerem, que me ilustrem, que me digam se estou certo ou errado. São tantos colegas formados em Direito! São tantas associações de funcionários, cada uma com sua assistência jurídica! Esclareçam-me. Vamos formar um grupo de estudo do Direito Previdenciário e fornecer elementos para o Direito Previdenciário que se está formando, sem a contribuição da ciência jurídica dos Participantes e Assistidos!

Este texto também tem sua razão de ser no fato de que a nossa colega Isa Musa nos próximos dias irá participar de uma sessão pública da CPI dos Fundos de Pensão. Creio que este texto poderá fornecer elementos para denunciar, caso me assista a razão, que se pretende atingir os interesses dos Participantes e Assistidos, infringindo os expressos termos da LC 109/01, com base em normas constitucionais e legais, inspiradas em ideais claramente discordantes do espírito da CONSTITUIÇÃO BRASILEIRRA DE 1988, CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA DO BEM ESTAR SOCIAL.

 

 

 

sábado, 7 de novembro de 2015

351. A Instituição do Absolutismo Político Europeu

Transcorridos três séculos, Pepino, o Breve, Prefeito do Palácio do rei franco, isto é, governante de fato do reino franco, narra Will Durant, “enviou uma embaixada ao Papa Zacarias para perguntar se era pecado depor o títere merovíngio e tornar-se ele próprio rei de nome, como já o era de fato. Zacarias, que necessitava do apoio dos francos contra os lombardos ambiciosos, respondeu-lhe com uma negativa animadora. Pepino convocou uma assembleia de nobres e prelados em Soissons; ali foi ele escolhido rei dos francos...” e internou o rei num mosteiro.
 

Três anos transcorridos, continua Will Durant, “... o Papa Estêvão II veio à abadia de São Dionísio nos subúrbios de Paris e ungiu Pepino rex Dei gratia – rei pela graça de Deus -... (em contrapartida, Pepino) salvou o papado dos reis lombardos e deu-lhe um poder temporal espaçoso na Doação de Pepino em 756 EC...  (Pepino) Ficou contente em receber em troca o título de patricius Romanus e uma injunção papal aos francos para que nunca escolhessem um rei a não ser de sua progênie.” Diz-se que esse socorro régio ao Papa deveu-se ao receio real de que, caso o negasse, se concretizasse a ameaça papal da recusa de São Pedro de usar as chaves da porta do Reino dos Céus para abri-la a Pepino, na hora da morte. Ao que consta, esse receio naqueles tempos era generalizado, dramático, compulsivo e empreendedor!
 

A realeza, daí em diante, tornou-se instituto social e jurídico por concessão divina, através do Papa, o sucessor de Pedro, o delegado divino, sediado em Roma!
 

Poucos anos  decorridos, Carlos Magno, filho de Pepino, jovem rei, muito prendado e bafejado pela sorte, concebeu, diz Will Durant, “uma das mais brilhantes ideias na história política da humanidade: a transformação do reino de Carlos Magno no Santo Império Romano, que teria atrás de si todo o prestígio, santidade e estabilidade da Roma imperial e papal."
 

Acontece que, narra Will Durant, “Em 26 de dezembro de 795, Leão III foi eleito papa. A população romana não gostava dele; acusou-o de vários erros... a 25 de abril de 799, atacou-o, maltratou-o e prendeu-o em um mosteiro. Leão III escapou e buscou a proteção de Carlos Magno em Paderborn. O rei recebeu-o bondosamente, mandou-o de volta a Roma sob escolta armada e ordenou ao Papa e seus acusadores que comparecessem a sua presença no ano seguinte. Em 24 de novembro de 800 Carlos Magno entrou na antiga capital com pompa. A lº de dezembro, uma assembleia de francos e romanos concordou em arquivar as acusações contra Leão se esse as negasse sob juramento solene. Ele o fez e abriu-se o caminho para a magnífica celebração do Natal.”
 

“No dia de Natal, quando Carlos Magno, relata Will Durant, envergando uma clâmide e calçando, como era hábito dos reis francos, sandálias de patrício romano, ajoelhava-se ante o altar de São Pedro, Leão subitamente apresentou uma coroa ornada de gemas e colocou-a na cabeça do rei. A congregação, talvez de antemão instruída para agir conforme o ritual antigo do senado e povo romano ao confirmar uma coroação, gritou três vezes: “Salve Carlos, o Augusto, coroado por Deus, grande e pacífico imperador dos romanos!” Em seguida o Papa ungiu-lhe a cabeça com o óleo do Crisma e lhe rendeu o ato de homenagem reservado unicamente ao imperador do Oriente, ajoelhando-se em frente a Carlos Magno.
 

Estava fundado, de fato, o Santo Império Romano. Mas, Will Durant diz que Eginardo, cronista da corte de Carlos Magno, relata que este lhe confidenciara que, “se soubesse da intenção do Papa de coroá-lo, ele não teria entrado na igreja.” Esse desgosto decorreria do fato de que era hábito dos reis francos se coroarem,  em sinal do seu poder político supremo, da soberania: o seu poder era considerado uma disposição direta de Deus.
 

Nada obstante, como explana Will Durant, “A coroação teve resultados para mil anos.. Fortaleceu o papado e os bispos, tornando a autoridade civil derivada da confirmação eclesiástica. Gregório VII e Inocêncio III,..., construiriam uma Igreja mais poderosa. A coroação fortaleceu Carlos Magno contra o descontentamento dos barões e outros elementos, por torna-lo o próprio vigário de Deus, favoreceu muito a teoria do direito divino dos reis... O fato de Carlos Magno (como desejava o Papa) continuar a fazer de Aachen, e não Roma, sua capital, sublinhou a passagem do poder político do Mediterrâneo para o norte da Europa, do povo latino para os teutônicos. Acima de tudo, a coroação estabeleceu de fato o Santo Império Romano, embora não em teoria. Carlos Magno e seus conselheiros conceberam a sua nova autoridade como um renascimento do velho poder imperial; somente com Oto I foi reconhecida distintamente a nova característica do regime; e ele se tornou “santo” somente quando Frederico Barba Roxa introduziu a palavra sacrum no seu título em 1155. Além de tudo, a despeito de sua ameaça à liberdade do espírito e do cidadão, o Santo Império Romano constituía uma nobre concepção, um sonho de esperança e paz, ordem e civilização estabelecidas em um mundo heroicamente conquistado ao barbarismo, violência e ignorância.” 
 

Sessenta anos passados desde aquela histórica noite de Natal, o papa Nicolau I governava a Igreja de Roma com plena convicção de que Jesus Cristo, o Filho de Deus, fundara a Igreja de Roma, nomeara Pedro seu primeiro chefe, de modo que os bispos de Roma são herdeiros da autoridade de São Pedro. O Papa é o representante de Deus na Terra. Tem a autoridade suserana sobre todos os cristãos, súditos e reis, pelo menos em matéria de fé e moral. Nisso ele acreditava. Com essa autoridade ele procedeu, submetendo o clero, os reis e os senhores feudais por toda a Europa de tal forma que, diz Will Durant, “Quando morreu, o poder do papado estava reconhecido mais amplamente do que nunca.”