sábado, 31 de janeiro de 2009

20. A Igreja Católica


E logo depois Constantino se tornou Imperador do Império Romano. Usou a religião cristã como instrumento de coesão da população do Império. Constantino tornou-se a pessoa muito importante para a definição da ortodoxia cristã. Grande parte dos bispos era agora oriunda da classe rica e já se acusava o clero de viver no fausto. O monasticismo surgiu como protesto contra esse acordo entre o espírito e a matéria.
Constantino manipulava a Igreja para servir aos seus objetivos políticos. Fez dos bispos juízes em suas dioceses. Construiu igrejas e concedeu recursos às associações cristãs. Constantino reuniu um concílio de bispos em Arles, ao qual compareceram os bispos britânicos de York, Londres e Lincoln. Sua mãe, Helena, tornou-se fervorosa cristã. Viajou a Jerusalém. Teria encontrado a cruz de Cristo e erigiu igrejas em Jerusalém e Roma.
Naquela época, em razão da difícil situação política e econômica do Império Romano, considerável parte da população romana transferiu-se para as regiões dos povos bárbaros. Os povos germânicos introduziam-se no Império, pacificamente ou até mesmo a convite do Imperador. Havia estreito relacionamento entre romanos e bárbaros. O Cristianismo já se achava difundido pela Espanha, Ilhas Britânicas e pela Gália: o bispo de Tours discordava da pena de morte de hereges; Prisciliano, o bispo de Ávila, na Espanha, foi julgado em Bordéus e depois submetido ao tribunal imperial de Trier; alguns bispos britânicos compareceram ao concílio de Rimini. No Concílio de Nicéia (uns 300 participantes, dentre uns 1.500 bispos então existentes), 325 EC, convocado por Constantino que não admitia divergência na crença, o Ocidente tinha cinco representantes, entre eles o bispo de Córdoba (presidente do concílio), o bispo de Dijon e um bispo da província do Danúbio.
Nele, a divindade de Cristo, defendida por Atanásio, patriarca de Alexandria, contra a doutrina de Ario, foi proclamada dogma de fé. Por certo tempo, Constâncio, filho e sucessor de Constantino, obrigou os patriarcas (os principais líderes da cristandade, bispos das mais prestigiosas e tradicionais igrejas) a professarem a doutrina ariana. Naquela época, até o papa Libério era ariano. Poucos anos depois, Teodósio convocou o Concílio de Constantinopla em 381 EC, que reafirmou a divindade de Jesus, e, acrescendo a divindade do Espírito Santo, formulou o dogma da Trindade. O dogma da Trindade conferia enorme prestígio intelectual e místico ao Cristianismo. Era politicamente emblemático.
Nesse mesmo século, um godo letrado, de nome Wulfila, freqüentou cidades do Império Romano, tornou-se cristão ariano (o arianismo - Cristo é apenas homem - era o cristianismo mais difundido na época) e bispo. Voltou para a sua terra (noroeste da Bulgária, de hoje), traduziu a Bíblia para o idioma gótico. Ele e seus discípulos evangelizaram os povos germânicos. O cristianismo ariano difundiu-se pelos povos germânicos: os invasores germânicos do Império Romano no século V e VI EC eram cristãos arianos, com poucas exceções como os hunos (que não eram germânicos). Os povos bretões já eram, então, cristãos arianos. No século V EC até as Ilhas Britânicas já tinham o seu herege, Pelágio, cuja doutrina foi combatida por Santo Agostinho.
Ambrósio, homem culto e enérgico, bispo de Milão, tornou-se o principal líder cristão no Ocidente, e o Imperador Teodósio proclamou o Cristianismo a religião oficial do Império Romano. Teodósio respeitava Ambrósio e a ele se submeteu como penitente, quando entraram em confronto. Ambrósio foi decisivo na elaboração da doutrina cristã: "Talvez homem algum tenha desempenhado papel maior, em termos concretos, na construção do aparato de crença prática que circundou o europeu durante o milênio em que o cristianismo foi o ambiente da sociedade."
Ambrósio foi também o primeiro bispo a tratar extensamente da questão do sexo. Sua idéia sobre o sexo: "O casamento é honorável, mas o celibato é mais. O que é bom não precisa ser evitado, mas o que é melhor deveria ser escolhido." Seu contemporâneo Jerônimo já tinha opinião mais negativa sobre o mesmo assunto: "o casamento é apenas um grau menos pecaminoso que a fornicação."
Os sermões de Ambrósio converteram ao Cristianismo um jovem africano, natural de Tagaste, que professava a filosofia de Mani de Ctesifonte, profeta da Mesopotâmia, que vivera no século III EC. Segundo essa doutrina, o mundo tem origem em dois princípios: o Bem (Ormuz, deus, a Luz, é a origem de todo bem) e o Mal (Arimã, o demônio, as Trevas, é a origem de todo mal). O espírito procede de Ormuz e a matéria procede de Arimã. O Bem e o Mal estão em contínua luta. Essa luta entre deus e o demônio se dá por todas as regiões do Universo, inclusive no interior do homem, entre a alma e o corpo. O espírito é cativo do corpo, da matéria. É preciso, portanto, libertar o espírito mediante a prática do ascetismo. O espírito se reencarna seguidamente, até que essa luz, que é o espírito, consiga libertar-se da matéria. Para o maniqueísmo, tudo o que é matéria, corpo, vida terrena, sexo é mau e produzido pelo demônio. A mulher é a obra-prima do demônio, se bem que possua alguns poucos raios da luz do Bem.
Agostinho, o mais importante dos Padres da Igreja, imbuído dos ensinamentos de Paulo de Tarso, foi com ele o responsável pela doutrina cristã que predominou durante toda a Idade Média, até Tomás de Aquino, no século XIII EC. Agostinho, o que não é de estranhar-se em virtude de seu maniqueísmo anterior, também comungava das idéias negativas de Ambrósio a respeito do sexo. A idéia do pecado original e da necessidade do batismo ao nascer para purificar a pessoa humana firmou-se nas suas condenações ao Pelagianismo, a doutrina de Pelágio, bispo bretão, que não aceitava a herança do pecado de Adão: "Na infinita sabedoria de Deus, os genitais foram, apropriadamente, feitos instrumentos para a transmissão do pecado original: ecce unde! É esse o lugar! É esse o lugar por onde o pecado primordial é transmitido!"
O historiador Paul Johnson explana: "Adão desafiara Deus - e, para cada homem que nascesse, a vergonha pela incontrolável agitação dos genitais era um lembrete do crime original de desobediência - e uma punição adequada para tal. Todo homem, indagou ele à sua aduladora congregação, não sentia vergonha ao ter uma poluição noturna? Claro que sim.' Juliano, um opositor pelagiano de Agostinho, discordava dele nestes termos: "e, o que é repugnante tanto quanto blasfemo, esse ponto de vista agarra-se, como sua prova mais conclusiva, à decência comum com que cobrimos nossos genitais."
Agostinho, convertido ao Cristianismo, voltou para Tagaste, e ali viveu uma vida monacal de cenobita até ser feito bispo de Hipona. Ele redigiu regras de vida cenobítica que governam ainda hoje a vida dos monges Agostinianos. São Jerônimo, contemporâneo de Santo Agostinho e autor da Vulgata (tradução latina da Bíblia), edificou em Belém (Palestina) um mosteiro para homens e dois para mulheres. Outro contemporâneo de Agostinho, São Paulino de Nola, gaulês de Bordéus, fundou um mosteiro em Nola, sul da Itália, onde vivia com sua mulher e outros companheiros vida monacal.
Os godos, vândalos, borgúndios e lombardos, que se trasladaram nos séculos V e VI EC para o Império Romano, eram cristãos arianos, evangelizados por Wulfila e seus discípulos.
Em toda a extensão do Império Romano, proprietários de terra, pessoas da nobreza e da administração das cidades, se tornavam bispos, isto é, chefes da igreja local. O Cristianismo se difundia sob o influxo político do Imperador e como religião do Império, e apoiado nos recursos em propriedades agrárias das classes abastadas e na herança das viúvas ricas. A riqueza dos bispados e dos mosteiros embasava o trabalho evangelizador de personalidades cultas ou politicamente influentes, e também de incontáveis anônimos pregadores. A atividade agrícola era a única atividade econômica considerada honesta pelo cristianismo àquela época.
Contemporâneo de Agostinho, São Martinho de Tours, nascido na Hungria, conhecido como o apóstolo da Gália, discípulo de Santo Hilário de Poitiers, voltou à sua pátria para evangelizar os compatriotas arianos, que o repeliram. Retornou a Poitiers, onde fundou o mosteiro de Ligugé (considerado o primeiro mosteiro do Ocidente). Feito bispo de Tours, aí instalou o mosteiro de Marmoutier. Algumas décadas depois de São Martinho, São João Cassiano ergueu em Marselha dois mosteiros, um masculino e feminino o outro, para converter e educar.
O monasticismo ocidental logo assumiu aspecto diferente do oriental: o monasticismo ocidental integrou-se à sociedade e até exerceu o papel de promotor do progresso. Essa importância espelha-se no fato de que várias cidades francesas herdaram de São Martinho de Tours o próprio o nome.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

19. A Igreja Apostólica


Na segunda metade do século I EC, escreveram-se os livros do Novo Testamento. Note-se que o mais antigo vestígio dos livros do Novo Testamento é um pequeníssimo fragmento do início do século II EC. Das sete mil cópias antigas da Bíblia Grega completa (Antigo e Novo Testamento), todas apresentam faltas de páginas e apenas quatro são anteriores ao século X EC, a mais antiga é do século IV EC. A primeira pessoa a falar da existência de livro do Novo Testamento teria sido um cristão, de nome Pápias, por volta de 170 EC: Jerônimo (séculos IV e V EC) escreveu que Eusébio de Cesaréia (IV século) afirmara que Pápias aludira à existência do evangelho de Mateus.
Em razão da extinção da geração dos apóstolos, os escritos sobre Jesus Cristo, de autoria atribuída aos apóstolos ou a discípulos deles, começaram a adquirir importância, assim como as igrejas que a tradição afirmava terem sido criadas pelos apóstolos. O Cristianismo no século IV EC deixara de ser guiado pelo Espírito Santo para ser conduzido pela tradição apostólica: Igreja Apostólica. É que a inspiração do Espírito Santo levara, já no início do século III EC, a quase uma centena de cristianismos diferentes. A tradição apostólica passou, por isso, a ser o critério de ortodoxia.
Estabelecida a concepção da Igreja Apostólica, surgiu o problema de quais escritos continham a doutrina verdadeiramente pregada por Jesus Cristo, a doutrina ortodoxa. Apareceram coleções diversas de livros pretensamente inspirados por Deus (livros divinos), e, por isso, contendo a doutrina ortodoxa: o cânon. O primeiro cânon conhecido (muito reduzido) foi o coligido por Marcião, no meio do século II EC. No final desse século, Irineu, bispo de Lião, afirmou que só podiam existir quatro evangelhos, nem mais nem menos, pois, dado que há quatro regiões do mundo em que vivemos, quatro ventos principais,... é adequado que ela (a Igreja) deva ter quatro colunas. Quem primeiro compôs o cânon com vinte e sete livros do Novo Testamento foi Atanásio de Alexandria, no ano 367 EC. E afirmou que nenhum outro escrito poderia ser aceito como inspirado pelo divino Espírito Santo. O cânon de Atanásio foi aprovado pelo Concílio de Cartago (397 EC). E, por fim, para a Igreja Romana, a controvérsia foi dirimida definitivamente no Concílio de Trento (1546 EC).
A idéia realmente empolgante e dominante (que tornou contagiante o cristianismo e mudou o comportamento e as atitudes dos ouvintes dos apóstolos) no início do Cristianismo foi a parusia. Os crentes da igreja de Tessalônica, fundada por Paulo de Tarso, dele aprenderam que não morreriam, eram imortais já que a morte de Cristo os limpara do pecado (a causa de todos os sofrimentos humanos, inclusive e principalmente a morte). Em vez da morte, a segunda visita de Jesus Cristo arrebata-los-ia para o céu, o paraíso eterno nas regiões supralunares. Por isso, eles viviam juntos, orando e na comunhão de bens, na expectativa da parusia. Os poucos ricos distribuíam seus bens para o sustento da comunidade cristã da cidade, a igreja local. Eles não necessitavam de bens materiais já que a parusia era iminente.
Mas, aqueles primeiros cristãos olhavam em redor e já percebiam que alguns morriam! Começaram, por isso, a desiludir-se dos ensinamentos de Paulo, até mesmo instigados por novos pregadores cristãos, também, como acreditavam, inspirados pelo Espírito Santo. Paulo, então, escreveu a sua primeira carta (o primeiro documento escrito do Novo Testamento), na década de 40 EC, para fazer o seguinte adendo aos seus ensinamentos anteriores verbais: os companheiros de fé, que haviam morrido, seriam ressuscitados na iminência da parusia e, assim, com eles, os vivos, conduzidos por Jesus Cristo para o reino dos céus.
Os cristãos logo perceberam que a parusia, se bem que iminente, poderia não acontecer em sua própria geração. Essa nova idéia de Paulo (a ressurreição na hora precedente à parusia) inspirou a prática das catacumbas: facilitar a ressurreição, mediante a colocação dos cadáveres num mesmo recinto, lado a lado. Induzidos, igualmente, pela idéia da parusia, , cristãos mais fervorosos, aos milhares, na Ásia Menor e no Egito, passaram a viver no deserto como faquires e produzindo milagres. Os anacoretas, como Santo Antão, foram os primeiros monges cristãos. O monasticismo oriental logo evoluiu com Pacômio para a forma de cenobitas. O monasticismo oriental foi o embrião da Igreja Copta, uma seita cristã do Egito.
No século II EC, o Cristianismo já penetrara nas fileiras do exército romano e Irineu, homem letrado, era bispo da igreja de Lyon na França. E, mais importante, o Cristianismo já possuía uma organização elementar. Num certo dia de 177 EC, as populações de Viena e Lião apedrejaram os cristãos que ousaram sair de casa.
No século III EC, as idéias cristãs já eram defendidas por pessoas cultas como Orígenes e Tertuliano: A Igreja era, agora, uma grande e numerosa força no império, atraindo homens ricos e de alto nível cultural. Criou, assim, uma estrutura intelectual e filosófica. Tertuliano já se referia ao cristianismo nas Ilhas Britânicas. No século IV EC, Constâncio, pai de Constantino, queimou algumas igrejas na Gália e na Bretanha. A história de Portugal registra os martírios de São Veríssimo, Santa Máxima, Santa Júlia de Lisboa e São Vítor de Braga. Nesse mesmo século IV EC, na batalha da Ponte Mílvio, Constantino, com a cruz de Cristo estampada em sua bandeira e nos escudos de seus soldados, venceu Maxêncio, em cuja bandeira e escudos estava estampada a efígie de Mitras.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

18. A Igreja da Inspiração Divina


Pouco depois, Paulo de Tarso, judeu e cidadão romano, no caminho para a cidade de Damasco, onde ia destruir a comunidade de cristãos, teria tido uma visão de Cristo. Daí em diante, se arvorou em apóstolo de Cristo também. Arrogou-se o direito de pregar a boa nova cristã em pé de igualdade com os próprios apóstolos, que acompanharam Jesus Cristo em seus anos de prédica terrena. Estava convencido de que, naquele encontro com Cristo em Damasco, ele recebera o Espírito Santo exatamente como os discípulos de Jerusalém no dia de Pentecostes. Por isso, entrou em disputa com os citados apóstolos. Foi a Jerusalém afirmar à igreja de Jerusalém, dirigida pela própria família de Jesus Cristo, que ele tinha tão legítima revelação quanto ela, pois vira Cristo ressuscitado face a face e dele recebera então direta e pessoalmente a revelação divina, como qualquer outro apóstolo, e até julgava que sua doutrina cristã era mais legítima que a dela.
As duas concepções cristãs, a dos judeus e a do judeu romano, não conseguiram entender-se. Mas, numa coisa, sem dúvida, concordavam: na parusia, a segunda visita iminente de Cristo, naquela mesma geração de cristãos. Segundo Paulo, fez-se um acordo: ele pregaria a boa nova aos pagãos e a família de Jesus Cristo aos judeus. Paulo, o cristão judeu e cidadão romano, conferiu ao cristianismo a teologia e transformou-o numa religião distinta.
Na geração dos apóstolos, o cristianismo chegou à Ásia Menor, à Grécia, ao Egito, à Mesopotâmia, à Espanha, à Gália e à própria Roma, graças ao trabalho missionário de inúmeros pregadores, inspirados pelo Espírito de Deus, sobretudo à intensa atividade evangelizadora de Paulo de Tarso. Pedro e Paulo devem ter estado em Roma. A igreja cristã primitiva de Jerusalém acabou-se e espalhou-se pelo mundo na onda da diáspora, quando o imperador Tito destruiu Jerusalém no ano 70 EC.
O cristianismo difundiu-se, também, em virtude da intensa movimentação da população do Império Romano (comerciantes, piratas, exércitos, escravos, filósofos, líderes religiosos, curiosos, empreendedores) e da sua elevada sensibilidade religiosa. A cultura romana era liberal. Roma era um polo de irradiação de cultura e uma caixa de ressonância de todas as diversas culturas do Império, sobretudo das idéias e práticas religiosas. Assim, o cristianismo propagou-se pela ralé de Roma, segundo os historiadores romanos dos séculos I e II EC.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

17. A Igreja de Jerusalém

Essa mesma crença narra que, durante quarenta dias, Cristo, misterioso habitante da Terra, atravessava paredes, aparecia aos discípulos e desaparecia, até que, ante multidão de meio milhar deles, segundo Paulo de Tarso, ascendeu aos céus, deixando-lhes a missão de levar a boa nova a todos os povos, depois que recebessem o Espírito de Deus. Antes, teriam recomposto o número de doze apóstolos, desfalcado pela traição e morte de Judas, mediante escolha de dois seguidores de Jesus, da época evangelizadora nas terras de Israel, decidida por um desses dois em definitivo pela sorte. Acredito que Paulo de Tarso, romano culto que era, já que alude nas suas epístolas ao corpo incorruptível de Cristo ressuscitado, haja sido responsável pela crença de Cristo ressuscitado num corpo incorruptível de ser supraterrestre, celestial, imortal, regido por leis físicas extraterrestres, bem diferentes das terrestres, como imaginava Aristóteles. Cristo teria também feito a importante promessa de breve regresso para levar os crentes ao Reino de Deus nos céus (a parusia). Os evangelizadores cristãos pregariam e ensinariam sob a inspiração do Espírito Santo.
Recebido o Espírito de Deus, os apóstolos teriam iniciado a evangelização logo em seguida. A família de Jesus ficou em Jerusalém, sob a chefia do irmão de Jesus, Tiago, pregando a boa nova aos judeus no Templo: Cristo é o Messias prometido aos judeus nos livros sagrados da bíblia judaica; ele está vivo, ressuscitou, subiu aos céus, conquistou-nos a imortalidade elidindo o pecado que é a causa da morte; é iminente a segunda vinda de Cristo à Terra, naquela mesma geração de cristãos, para o julgamento final e ascensão aos céus (o paraíso celeste, supralunar) de todos os eleitos, crentes de Cristo. Os demais apóstolos e discípulos se espalharam pela Judéia e países vizinhos, pregando a mesma mensagem aos judeus (a lenda fala da evangelização da Grã-Bretanha por Paulo de Tarso, Filipe e José de Arimatéia, bem como da Península Ibérica por Tiago, irmão de São João Evangelista). O cristianismo nasceu como uma seita judaica. A primeira igreja cristã teria sido a igreja de Jerusalém, a igreja da família de Jesus.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

16. A Misteriosa Difusão do Cristianismo


Sapere aude. Ousa saber.
Horácio, em Epístolas,
Os sábios são em número tão escasso que nem vale a pena falar deles, e eu desejaria saber mesmo se é possível descobrir algum.
Erasmo de Roterdã, em Elogio à Loucura


Os Evangelhos acreditam numa morte terrível de Jesus Cristo, no patíbulo da cruz em Jerusalém, na época do imperador romano Otávio Augusto. O poder político de Jerusalém, àquela época, julgou ter assim exterminado incômoda e heterodoxa seita judaica. Os discípulos amedrontados se esconderam. Pedro teria até jurado não conhecê-lo.
Ainda segundo a crença evangélica, uma mulher, que o amava apaixonadamente e não podia conformar-se com sua morte, Maria Madalena, foi visitar a tumba de Cristo, no terceiro dia, após o sepultamento. Deparou-se com a pesada pedra de fechamento da sepultura removida e a mortalha abandonada. Não o viu ressuscitar. Ninguém assistiu à ressurreição de Jesus Cristo. Maria Madalena teria até conversado, na vizinhança do sepulcro, com um jovem desconhecido, que lhe revelou ser ele o próprio Jesus ressuscitado (história esquisita!), de quem ela teria recebido a mensagem para que os discípulos se reunissem na Galiléia. Ela teria, de fato, convencido os discípulos de que Jesus ressuscitara. O amor apaixonado de Maria Madalena por Jesus Cristo teria reacendido das cinzas o Cristianismo.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

15. O Brasil e a Farra dos Derivativos


Há tempos que venho imaginando o tamanho da farra dos derivativos e da subprime dos Estados Unidos. Quando ouvia nossos líderes enaltecerem a imunidade brasileira ao contágio, não acreditava tanto neles. Achava que não estavam ignorando como funciona o mercado financeiro internacional, é verdade. Mas, é verdade também, estavam desempenhando, e muito bem, o papel deles. Governo nunca é absolutamente sincero, quando se trata de notícia negativa em macroeconomia, simplesmente ou, no mínimo, porque a teoria econômica aceita atribui grande parte do sucesso ou do insucesso macroeconômico às expectativas racionais. É a famosa Lei de Murphy: em economia acontece aquilo que os agentes prevêem... E Governo existe para o bem do povo... É o que diz a ciência da Política em nossos tempos... É a arte do marketing do mundo globalizado, o que não é tão moderno assim, pois, já dizia Maquiavel, há seiscentos anos: em Política, é mais importante parecer do que ser...
Os banqueiros norte-americanos e europeus, sobretudo os norte-americanos, são muito criativos. Eles inventam papéis e vendem para o mundo inteiro. Assim, eu ficava matutando: qual o tamanho da crise dos derivativos, da subprime, das hipotecas dos pobres norte-americanos? Certamente ela não está circunscrita ao mercado norte-americano. O mercado norte-americano é globalizado. A economia norte-americana é hoje produzida, sobretudo, pelos serviços, serviços financeiros, consultorias, conhecimentos, pesquisas, tecnologias de ponta e invenções de todos os tipos.
Para mim, ela tem o tamanho do globo terrestre. Os norte-americanos tocam a música, e o resto do mundo dança. Onde está aplicada a riqueza da China, da Índia, da Rússia e dos xeques árabes? Estes são grandes negociantes e grandes depositantes de divisas nos bancos internacionais, isto é, norte-americanos, europeus e japoneses. Onde estão aplicados os ativos dos bancos europeus e japoneses? Porque onde estão os ativos dos bancos norte-americanos, nós sabemos. Essa riqueza toda está aplicada onde oferecer mais lucro, não sem cortejar a segurança do outro lado oposto da cerca, que pode ser matreiramente atraiçoada por uma taxa de juros mais generosa... E aí todos os apaixonados esquecem por alguns instantes a segurança para, no momento da explosão da bolha e em que o engodo se torna público, o investidor esperto se apresente como vítima e o banqueiro habilidoso se exiba como o rei nu ou o fabricante de sonhos ao ritmo de uma vara de condão de uma fada ou de um mágico.
Onde existia até ontem mais lucro e onde parecia haver até ontem mais segurança? Nas financeiras norte-americanas, nas hipotecas dos favelados norte-americanos e nos derivativos inventados por uns poucos espertos de Wall Street. Essa esperteza já era denunciada em 1966 em anuários estatísticos, fabricados nos Estados Unidos e na Europa e manuseados por consultorias econômicas e financeiras no mundo inteiro...
E me ficava uma interrogação: por que só a riqueza brasileira (e quanta riqueza ultimamente) seria tão clarividente e tão saudável a ponto de não se contaminar com toda essa ambição de lucro e renda? Uma contaminaçãozinha, que seja...
Agora, sabemos todos, as informações estão nos jornais diários e nos boletins das empresas de consultoria, a contaminação da ambição atingiu também o Brasil, na forma de marolinha, marola ou um pouquinho mais forte. Mas, chegou. Os jornais dizem até que o Madoff da Nasdaq tinha agentes negociando no seio de nossa sociedade endinheirada. E tem muita gente endinheirada neste país, graças a Deus. A riqueza brasileira contaminou-se também. Acho que não contaminou apenas os exportadores. Medidas do governo brasileiro foram baixadas para socorrer outras áreas da economia... Vi, por acaso, até fundo de pensão brasileiro planejando (não vi contratações efetivas) aplicar uma parcelinha de recursos em derivativo. Aliás, não é regra áurea em finanças a diversificação de aplicações?
Outra coisa. Todo semialfabetizado sabe hoje que se o valor do dólar dá subida de 60% é porque ele está raro e procurado. Logo o especulador está tratando de desfazer posições vendidas... Os mais espertos, os markets makers, já estavam tratando de serem os primeiros a largar o barco do REAL onde estavam se locupletando... É assim que funciona a economia, exatamente de acordo com a lei da evolução: quem se adapta melhor, e antes, é que sobrevive...

domingo, 25 de janeiro de 2009

14. O Valor do Trabalho


Até Adam Smith prevalecia a mentalidade cristã medieval. O trabalho era o meio de alcançar a subsistência, é verdade. Mas, ele continha um aspecto de pena. Ele envolvia sofrimento para pagamento da culpa pelo pecado, pela desobediência às ordens de Deus. Ele não produzia a riqueza. A riqueza era produzida pela Terra, quando Deus mandava a chuva e as condições de solo, climáticas e metereológicas favoráveis. A riqueza era do dono da Terra, daqueles a quem Deus predestinara um feudo, que enriquecia a família do senhor e permitia também destinar aos servos, os trabalhadores, apenas o necessário para subsistir. Era pecaminoso ser negociante: o negociante nunca, ou quase nunca, entrará no reino dos céus, era um ditame popular da Idade Média.
É fundamental notar que na Idade Média, até Adam Smith, não havia uma ciência chamada Economia. A Economia era uma parte da Ética, que, por sua vez, era uma parte da Filosofia, que por sua vez acabara de ser, em grandes áreas, iluminada pela Teologia. Isso, insisto, é importante: a Economia fazia parte da ciência do comportamento humano correto, do socialmente aceitável. Assim, reconheçamos, já existiu uma época em que o relacionamento respeitoso entre os homens, ao menos como norma de conduta e como espírito da época, era consagrado como o valor básico da sociedade. Era até norma divina, eterna, absoluta.
No século XV, Maquiavel desvinculou a Ciência Política da Ética. Queres ser príncipe? Perguntou Maquiavel. Se queres realmente ter o poder político, comporta-te da forma exata que te conduzirá ao poder de uma nação: tem sorte e sê tão cruel com teus concorrentes que os mates não somente a todos eles como também a todos os seus descendentes. Mais ainda, o fim justifica os meios e, em política, o que vale é parecer, o que menos interessa é ser.
Adam Smith, o professor de Ética na universidade da Escócia, já mais tarde, nos meados do século XVIII, simplesmente teve intuição semelhante. Queres ser rico? perguntou ele. Se de fato queres ser rico comporta-te com total liberdade. Sê totalmente livre, não aceites nenhuma ingerência da autoridade estatal nos teus negócios. A liberdade total na Economia não somente te fará rico, como também fará rica a tua nação (porque os recursos da nação serão empregados com a maior eficiência) e também implantará a justiça em tua nação (já que irá remunerar a todos de acordo com sua contribuição para a riqueza da Nação). A mão invisível funcionaria...
E o que cada trabalhador, aqueles que passavam 20 horas do dia trabalhando nas fábricas, ganharia? Exatamente o valor do seu trabalho, respondeu Adam Smith. E qual é o valor do trabalho? David Ricardo, um economista posterior a Adam Smith, respondeu: o necessário para a subsistência, nunca terá o valor de uma vida rica, opulenta.
Outros economistas posteriores responderam que o valor de um trabalhador é a avaliação que o mercado faz do valor do trabalho de alguém no momento em que este alguém quer se empregar, isto é, é o interesse que o patrão tem no trabalho que ele vai fazer posto em relação com a quantidade de mão de obra oferecida. Você vai atender telefone? Quem dentre os mil que querem atender telefone sabe melhor atender telefone e quer receber a menor remuneração? Mas, o patrão também está precisando de um engenheiro que seja capaz de produzir um motor de automóvel movido a energia solar e que tenha desempenho igual aos motores a gasolina. Só existiriam dois no mundo. Então ele está disposto a dividir os lucros de sua empresa, que serão gigantescos, com um desses engenheiros: ele oferece 40% dos lucros.
Na realidade, as coisas acontecem assim desde a época de Adam Smith e, pior, sem qualquer consideração acerca da correção do comportamento dos negociantes. Leia a história da riqueza dos Estados Unidos, em especial dos empresários no ramo de transporte ferroviário: eles usaram todas as falcatruas, inclusive assassinatos. Galbraith estende suas dúvidas até sobre personalidades respeitáveis: “Por outro lado, os homens que lesaram seus clientes ou usuários de seus produtos ou serviços saíram-se muito melhor junto ao público, e suas respectivas famílias conseguiram alta distinção social. Isso se aplica a Vanderblit. Foi o que aconteceu também em outros setores de atividade, onde encontramos os nomes de Rockefeller, Carnegie, Morgan, Guggenheim, Mellon, que fizeram fortuna produzindo a baixo custo, suprimindo a concorrência e vendendo caro. Todos eles fundaram dinastias da mais alta reputação. Todos se tornaram, com o passar do tempo, nomes extremamente respeitáveis.” Reflita sobre os fatos corriqueiros do que ocorre hoje em nosso País.
Veja como não se leva em consideração o comportamento socialmente correto. Para mim, ético é aquele comportamento que permite aglutinar as pessoas, que permite a convivência. O patrão, a que me referi acima, precisa do engenheiro e precisa do telefonista. Se ele quer que a empresa funcione, ele tem que fazer com que ele, o engenheiro e o telefonista convivam harmonicamente, satisfeitos com a sociedade de trabalho. Então, ele e o engenheiro têm também que concordar que devem prover não apenas a subsistência do telefonista, mas de propiciar-lhe uma vida com dignidade: subsistência, é claro, alimentar-se, saúde, habitação, agasalho, e também, instrução e lazer. Afinal, o valor do trabalho do telefonista não pode ser unicamente um valor econômico, ele tem que ter um valor humano, uma vida digna e que mereça ser vivida. O trabalho de todo homem, que realmente trabalhe, tem que lhe proporcionar dignidade e qualidade de vida.
Aliás, os primeiros economistas e também Karl Max colocavam o valor das mercadorias na quantidade de trabalho necessária para produzi-lo. O valor de troca, o valor em dinheiro portanto, eram as horas de trabalho gastas na produção da mercadoria ou serviço. Esse valor ainda é considerado, de alguma forma, nas teorias econômicas modernas, quando se estuda o custo de produção. Não seria ele, na prática comercial, apenas considerado e valorizado a favor do comerciante? Vender abaixo do custo nunca! Mas, em épocas de pouca produção e vasta demanda, ou mesmo apenas de margem de manipulação de preços, de possibilidade de engodo ou de maldosa eliminação da concorrência, esbulhe-se a massa ignara,
Concluindo, o trabalho, antes de ser um ato econômico, é um ato humano. A Economia não pode dissociar-se das convenções morais estabelecidas numa sociedade moderna civilizada. O próprio Charles Darwin não confessou que se inspirou nos escritos tenebrosos de Malthus quando concebeu a idéia da evolução? E Herbert Spencer não consagrou em sua sociologia que os ricos são a raça humana do futuro, que eliminaria da face da Terra a multidão da gentalha pobretona? E onde ficam Aristóteles e Bertrand Russell quando afirmaram que o Homem é um animal social?

sábado, 24 de janeiro de 2009

13. A Crise Financeira Mundial


Estas reflexões sobre o cenário financeiro mundial e brasileiro escrevi em setembro do ano passado e transmiti a amigos, que parecem apreciam os pensamentos que expresso.
Estou ouvindo com muita freqüência pessoas do Governo Brasileiro afirmarem na televisão e nos jornais que o liberalismo acabou no mundo, agora nesta crise, assim como o socialismo acabou no mundo em 1988, com a queda do muro de Berlim.
Primeiro, o socialismo não acabou naquela época. Mudou. E tudo muda constantemente.
Segundo, o capitalismo não vai acabar agora. Vai mudar. E tudo muda constantemente.
Terceiro, a crise atual decorre do fato de que os governos não cumpriram com suas obrigações. A economia do liberalismo total, sem norma alguma senão as normas próprias da riqueza (as normas do mercado), nem mesmo norma ética, foi o liberalismo inicial, aquele de Adam Smith, do século XVIII.
Este liberalismo clássico constituiu as idéias que embasaram a Revolução Industrial e levaram os Estados Unidos à hegemonia mundial, e onde o valor máximo do Homem era a riqueza. Milhões de pessoas morreram nas fábricas, ganhando miséria, envenenando-se na poluição do ar e dos rios, trabalhando vinte horas por dia, desde a tenra idade, enquanto as empresas competiam, inclusive com assassinato de seus donos.
Contra ele insurgiu-se Karl Marx, que propugnou por um comunismo de Estado, enquanto não se atingia o ápice da transformação socialista da sociedade, a saber, a sociedade comunista. O Estado passaria a planejar a sociedade, até a designar o que cada um seria na vida (profissão), onde trabalhar, onde e como morar, o que e como comer, que papel exerceria na sociedade e o que cada um possuiria (comunidade de bens e de mulheres). Nunca me esquecerei daquele representante do governo iugoslavo comunista de Tito, que me convidou para um almoço, a fim de obter algumas informações como: qual a dimensão do apartamento a que eu, gerente da Carteira de Câmbio do Banco do Brasil, tinha direito e a quantos quilos de arroz e de feijão eu tinha direito por mês.
A economia do século XX apareceu com John Maynard Keynes, pretendendo resolver o dilema liberdade com igualdade, e exigindo a interferência do Estado no papel de controlador das atividades monetárias e fiscais, o que aliás sempre fora papel do Estado, desde o século XV. O New Deal de Delano Roosevelt implantou o keynesianismo nos Estados Unidos e ele se tornou a teoria econômica dos governos liberais, em oposição aos socialistas marxistas, até a década de 60 do século passado. Segundo Keynes, o Estado só precisava controlar as atividades monetárias e os seus gastos, segundo as flutuações para cima e para baixo, da atividade econômica, mantendo assim o pleno emprego e a plena atividade da capacidade produtiva.
No final da década de 50, do século passado, Milton Friedman lançou a teoria do neoliberalismo, a saber, o Estado só precisa interferir na área monetária, controlando a flutuação da economia, fornecendo mais dinheiro e menos dinheiro, conforme a atividade econômica diminui ou aumenta excessivamente. Margareth Tchacher e Reagan adotaram essa orientação econômica em seus governos. O sucesso deles contaminou a quase totalidade dos governos: a URSS que se acabou (muro de Berlim de 1988) e até a economia da China de Mao Tsê Tung se liberalizaram. Veio depois a globalização. O Brasil de Lula tem gostado muito da globalização e, sobretudo, a China.
Ora, o que ocorreu agora foi exatamente isso: abandonou-se até mesmo o neoliberalismo de Milton Friedman. Não se controlaram os bancos de investimento, não se controlaram as seguradoras que inventavam que davam segurança aos bancos (o Brasil já havia feito isso na década de 70 e 80 com o IRB dando todo tipo de seguro para exportação brasileira. Lembram-se?). Não se controlaram os bancos comerciais. O ativo de empréstimos dos bancos americanos é superior ao PIB americano. O ativo de empréstimos dos bancos ingleses é superior ao PIB inglês. O ativo de empréstimos dos bancos da Islândia é 50 (cinqüenta) vezes o PIB islandês (a Inglaterra teve que assumir a sua capitalização, porque os bancos ingleses estavam comprometidos com essa farra!).
Assim, a derrocada se deve ao fato de que os governos não seguiram a cartilha do neoliberalismo, a cartilha de Milton Friedman, e muito menos ainda a de Keynes. Preferiram voltar a Adam Smith. A derrocada é do liberalismo clássico. Milton Friedman está dando gargalhadas na sepultura. E retornará com força Keynes. E talvez Galbraith (o mais comunista dos economistas liberais, e o mais liberal dos economistas comunistas) com sua política de renda. Ou talvez ainda, como afirmo no outro artigo (Valor do Trabalho), o liberalismo humanista, isto é, o liberalismo ético.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

12. Barack Obama


No dia 20 do corrente mês, Barack Obama tomou posse na presidência dos Estados Unidos. Eu tenho muito respeito pelos Estados Unidos. Ninguém tire deles a glória de ter reinstalado na Terra, nos tempos modernos, o governo democrático, o governo sem rei, mais de dois mil anos depois que o primeiro governo democrático, o governo sem rei, foi extinto, com apenas uns trezentos anos de existência! Eles endossaram o Estado do Bem-Estar Social e erradicaram da face da Terra o nazismo e o fascismo! Eles inventaram a produção para o consumo das massas, para o povo. E nenhum povo, nem mesmo o chinês, ultrapassa o norte-americano na inovação e criatividade.
A inovação é a força que dá início ao ciclo de um tempo de prosperidade. O grande problema de Barack Obama é fazer voltar os Estados Unidos a produzir. A economia saudável consta de dois fluxos circulares, consoante ensinaram os Fisiocratas do reinado de Luís XV. Foi lição econômica, ensinada pelo médico de Madame Pompadour, antes que Adam Smith inaugurasse o estudo científico dos assuntos econômicos (vejam só!) dissociados de considerações éticas.
O rio da renda, dizia o felizardo médico, começa nas Famílias, vai até as Empresas como capital, e volta para as Famílias na forma de salário, lucro e juros. O rio dos bens começa nas Empresas, vai até as Famílias na forma de bens de consumo e volta para as Empresas na forma de matéria-prima.
Até os anos 50, o capital ia para as empresas européias e, sobretudo, para as americanas. A partir de 60, as coisas começaram a mudar. Da mesma forma, o emprego e a renda voltavam para as famílias européias e norte-americanas. A facilidade de transporte de matérias-primas transferiu a vantagem competitiva para a produção nos locais de consumo. Os países emergentes, como o Brasil (esse era um dos ofícios da CACEX), por sua vez, passaram a impedir o ingresso de produtos estrangeiros, se tivessem similares produzidos internamente. Obrigaram os países industrializados a fabricar nas regiões subdesenvolvidas e a difundir o conhecimento de tecnologias. Quase tudo o que temos de tecnologia nuclear haurimos dos norte-americanos e dos alemães. Ainda agora, estamos obrigando os franceses a transferirem o conhecimento da tecnologia de produção de navios movidos a energia nuclear.
Assim, nos dias de hoje, a Europa e os Estados-Unidos ainda produzem mais que qualquer outra região do mundo. Mas, o resto do mundo, sobretudo Japão, Coréia do Sul, Taiwan, China, Índia, Rússia, África do Sul e Brasil, são países com significativa produção de industrializados. Muita renda na forma de salário, juro e lucro fica nesses países atualmente. Fábricas se fecharam nos Estados Unidos e na Europa, enquanto firmas japonesas e sul-coreanas diminuem o ritmo de produção. Muito desemprego. Muitas famílias, muitas pessoas com dificuldade para sobreviver e sem esperança.
Mas, como Estados Unidos e Europa consentem que suas empresas deixem de produzir lá e passem a produzir no exterior? Porque é difícil controlar o espírito de empreendimento, de enriquecimento, a ambição. As empresas dos países ricos foram produzir no exterior para produzir mais e com menor custo, lucrar muito mais no exterior do que nos países de origem. A produção nas regiões subdesenvolvidas é menos custosa, porque os operários aceitam salário menor. Mais produção e menor custo, mais venda e lucro maior.
Também os economistas acreditavam que grande parte desses lucros voltasse aos países de origem. Havia ainda a idéia de que o mundo dos negócios respeitasse a instituição das marcas e patentes. Havia ainda outro aspecto interessante. Esperava-se que se transferissem para os países subdesenvolvidos sobretudo as indústrias sujas, como a produção de aço e de alumínio, as indústrias com tecnologia defasada já. As indústrias de ponta e as indústrias limpas se manteriam nos países de origem. Infelizmente para os norte-americanos e europeus, nos negócios nada se respeita. Os países emergentes produzem qualquer remédio que os norte-americanos inventem (os famosos genéricos) e o Brasil compete na produção de certos tipos de aeronaves até com a Boing e a Airbus. Os países inventores ficam com o ônus todo da invenção, mas a renda da produção é repartida pelo mundo inteiro, em virtude da pirataria.
Estados Unidos e Europa permaneceriam também como os grandes provedores de serviços, como consultorias, finanças, pesquisas, ciência, invenções, tecnologia. Na verdade, tudo isso também está sendo compartilhado pelo resto do mundo. A produção científica hoje em dia, muito mais do que antes, e a invenção tecnológica são produtos globais.
O mundo de Barack Obama, presidente, é a cada dia muito mais diferente do mundo de Barack Obama, jovem mestiço norte-americano do Havaí. Assim mesmo, entendo que ele esteja pretendendo estimular a produção e o emprego da energia limpa e, como conseqüência, a intronização da nova economia, a economia com base no desenvolvimento sustentável. Pretenderia repetir o que aconteceu na primeira e na segunda fase da revolução industrial, quando a invenção de novos tipos de energia possibilitou a transformação da vida humana e a criação de infinitas formas novas de comodidade de vida bem como de fontes numerosas e maravilhosas de prazer. E naquela segunda fase os norte-americanos partiram na frente e empolgaram a liderança social e política da Terra. É assim que entendo a sua ênfase no investimento de gigantesco capital do Estado norte-americano em energia renovável de todos os tipos. É assim que entendo aquela exigência do Congresso Norte-Americano para a concessão do auxílio financeiro à indústria automobilística: façam o carro que ninguém é capaz de fazer e todo mundo quer ter.
Por isso, já disse neste blog “Pobre Barack Obama”, porque o empreendimento que lhe cabe liderar é simplesmente gigantesco e as forças que se lhe contrapõem são hercúleas. Muita coisa se tem ainda a dizer sobre isso. Mas, há uma que não quero calar: Obama foi eleito para presidir os Estados Unidos. Ele vai atrás do que interessa aos Estados Unidos. Ele olhará os problemas da Terra sob a ótica norte-americana. E fico refletindo sobre as pequenas dimensões da Terra e o enfoque humanístico de Erasmo de Roterdã, que se julgava um cidadão da Terra!...

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

11. Mensagem a um Senador


Eu acompanho de longe a trajetória de V. Exª, desde a década de 70 do século passado.
V. Exª sempre mereceu minha admiração e respeito. Mas, o pronunciamento, que V. Exª fez no Senado Federal, na última quarta-feira, deixou-me um misto de satisfação e decepção.
Concordo com V. Exª que é triste ver o partido de V. Exª aceitar orgulhosamente o papel de acólito no cenário da política brasileira. Mas discordo quando V. Exª afirma que o Governador José Serra não pode ser o próximo presidente da república brasileira, porque é paulista, já que os paulistas vêm governando o País há dezesseis anos seguidos.
Acho que o Estado de origem de um presidente é irrelevante. O necessário e importante é que ele seja competente, correto e patriota. Por outro lado, será que o Presidente Lula é realmente paulista? Não seria ele um Presidente híbrido? Híbrido não de paulista e nordestino, mas de sindicalismo paulista e nordestino? A maioria dos votos que recebe no próprio Estado de São Paulo não seria de nordestinos?
Acho também interessante o que V. Exª expressou acerca da forma como o partido de V. Exª deveria escolher o candidato do Partido à Presidência da República. Penso, em primeiro lugar, que basear o Governo do País em partidos políticos é uma forma anti-social. O Governo nunca será de todos. Será sempre de uma facção. Teremos sempre uma Pátria fracionada. Ainda mais que os partidos têm donos e esses líderes acabam impondo os nomes preferidos deles para candidatos à presidência da república e selecionando-os para os demais cargos eletivos. É democracia que o povo escolha entre os nomes selecionados pelos donos dos partidos? Isso repugna-me como uma farsa.
Mas, V. Exª retrucar-me-ia com a frase famosa de Churchill: A democracia é uma péssima forma de governo, mas até hoje nada se inventou de melhor. E eu lhe retorno com os sonhos de Barack Obama: Change we need. Vamos tentar algo novo. Vamos acabar com os partidos políticos. Vamos acabar com representantes (que palavra horrorosa! Será que, de fato, um indivíduo humano pode representar outro indivíduo humano?). Que farsa mais odiosa é essa, contemplar-se, a cada biênio, um grupo de indivíduos, que ninguém sabe quem eles são, apresentar-se na televisão suplicando: votem em mim, que eu sou o tal! Isso é ridículo, pretensioso e no limite da morbidez e do mau-caráter.
Voltemos para a democracia direta dos atenienses. Iniciemos as eleições nas comunidades, nas cidades. Todos os cidadãos juntos. Sem partidos. Os candidatos não serão os oferecidos, mas os escolhidos. Os eleitos não serão representantes, mas delegados. Passaremos depois aos Estados e depois ao País. Então teremos um Governo, que dirá: eu sou governo porque fui de fato escolhido pelo Povo e porque sou conhecido do povo e porque o povo, de fato, confia em mim. Nesse tipo de eleição os grandes crimes seriam a violência, a truculência opressora dos brutamontes e a sub-reptícia esperteza dos conchavos.
V. Exª diria: isso é utopia. E retrucar-se-ia: tudo o que nós vivenciamos hoje foi outrora utopia. Nós vivemos a utopia dos que nos precederam.
Vamos tentar viver a verdadeira democracia, não porque a democracia seja o melhor tipo de governo, mas porque a democracia é a mais justa, a mais correta forma de governo. Um dia, não os países, mas o planeta Terra, se esta velha Gaia não for antes destruída pelo próprio homem, será administrado por governos eleitos desta forma onírica!

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

10. Beijo na Boca


Há dias, a televisão difundiu cena de trocas de beijos no rosto e na boca entre amigos notáveis, numa reunião de lançamento de novo livro. O beijo na boca é costume em certos países do Leste Europeu. Em nações africanas é hábito os amigos passearem de mãos dadas pela via pública. Em nada, pois, pode surpreender o acontecimento nacional.

Até acho que os atores de tal proeza se mostraram morigerados e conservadores em termos de História. O ateniense costumava ter a mulher, uma segunda mulher, várias concubinas e, além disso, exibir-se em publico na companhia de cortesãs, sem que dispensasse o amante. Sócrates, que tinha o amante Carmênides, não continha a ansiedade quando o valente general Alcebíades escapulia para outras traquinagens, constando até que os ciúmes de Anito pelo amor do imortal comandante foram a causa da condenação à morte do filósofo. Aristipo, o amante de Laís, a mais linda cortesã da Grécia, amava também a Xenofonte, o historiador e general da retirada dos dez mil. Pelópidas e Epaminondas, os dois grandes generais e líderes de Tebas, mantinham relacionamento amoroso. Àquela época, homens se auto-emasculavam para se dedicarem ao culto da deusa Cibele.

Os hábitos homossexuais se inocularam nos másculos romanos sob a vaga epicurista grega que inundou Roma, e de tal forma que nela os historiadores identificam uma das causas do fim do Império Romano. Contemporâneos segredaram que César era homem para todas as mulheres e mulher para todos os homens.

Se é verdade que os países principiam estóicos e acabam epicuristas, o Brasil, pelo que se vê, ainda vai perdurar por longo tempo.
(Escrito em 10/01/89)

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

9. O Que Penso Sobre o Conhecimento


Como Descartes, eu sei que existo. Como Kant, não posso negar os conhecimentos práticos da vida. Como Charles Darwin, estou convencido de que sou um animal. Já afirmaram, e concordo com quem disse que sou um macaco desnudo. A ciência moderna comprova que a diferença genética entre o chipanzé e o homem reduz-se a 1% dos genes!
A teoria da relatividade acabou estendendo a história da evolução para o campo da Cosmologia. O Universo está em expansão, tem história evolutiva de quinze bilhões de anos. Essa história evolutiva é composta por determinismo e acaso. Inicia-se no Big Bang e é conduzida por essa força intrigante, que afasta as galáxias, e por essa força gravitacional, que parece familiar. Mas, a energia gravitacional também tem seus mistérios: como toda energia, ela também seria partícula-onda, mas, até hoje, cientista algum constatou a existência das partículas gravitacionais! No início, para toda partícula de matéria existia uma partícula de anti-matéria. Quando elas se encontravam, elas se destruíam. E como restou toda essa matéria de que o Universo é composto, desaparecida, como está, a anti-matéria que a corresponde? Nos primeiros momentos do Universo, afirmam os cientistas, a assimetria fez surgir mais anti-matéria que matéria!... É a matemática que o afirma...
Seja lá o que tenha acontecido, ninguém sabe, a ciência de hoje nos afirma: as partículas primitivas subatômicas, sob o acaso de forças que atraíam e repeliam, formaram os núcleos e os átomos, formaram os elementos leves e depois os elementos pesados. A Química não é mais que uma continuação da Física. E a Biologia não é mais que uma continuação da Química. O reducionismo é uma probabilidade. É uma teoria. A representação mental, a atividade mental, nada mais seria que a manifestação interna das reações bioquímicas das células nervosas, dessa máquina anatômica e fisiológica, que é o cérebro humano. Steven Rose afirma: Não existe no cérebro nenhum local em que a neurofisiologia misteriosamente se torna psicologia.
O cérebro humano só diferiria do cérebro animal por grau de perfeição. O cérebro humano nada mais seria que o cérebro animal aperfeiçoado, paulatinamente, sob o impulso determinado e também fortuito do processo evolucionista que trabalha a matéria, ao longo de bilhões de anos. As espécies humanas não são separadas por fossos intransponíveis. Pequenas mudanças as separam. É questão de um gene ou muito poucos genes. Afinal de contas, não há como negar que os animais, como os peixes, aves, cachorros, cavalos, bois, elefantes, primatas, sentem, emocionam-se, padecem de estresse, percebem e se intercomunicam. Os elefantes e os chipanzés, entre outros, até apresentam sinais de consciência, tais como se reconhecer diante de um espelho. Os cavalos e os bois percebem a morte dos companheiros e se entristecem com o fato! Dizem que eles não formam aquelas idéias abstratas, universais, que fascinaram Sócrates.
Estarei dentro da teoria evolucionista afirmando que o cérebro humano nada mais é que o órgão de informação, que permite a sobrevivência do indivíduo humano e, assim, da espécie humana, em razão de sua eficiência para a captação dos recursos de sobrevivência. Graças ao cérebro, o Homem sobreviveu e domina o espaço terrestre, numa evolução impressionante, cuja história desde os australopitecos já dura uns seis milhões de anos, desde o Homo Erectus três milhões, enquanto sua própria história de Homo Sapiens parece já alongar-se por duzentos mil anos.
Em termos evolucionistas, o cérebro humano é o órgão de informação que permitiu a mais perfeita adaptação de um organismo complexo ao meio ambiente e, assim, conferiu ao Homem o domínio sobre o espaço terrestre. O que estou querendo afirmar é que, para mim, o cérebro é por excelência um instrumento de informações práticas, isto é, tudo o que o cérebro faz é mostrar ao organismo humano o meio ambiente de uma forma muito prática e eficiente para a sua sobrevivência. Nada mais. O cérebro não é o instrumento para obter a verdade. Ele é o instrumento mais útil para descobrir o que é bom para a sobrevivência e o que é ruim para a sobrevivência de um organismo, que a evolução formou.
Afinal de contas, o que diz a ciência? A luz, as cores, o som, a aspereza, a maciez, o odor e o gosto somente existem em nossa mente. Lá fora a luz e as cores são energia eletromagnética. O som só existe em nossa mente. Lá fora o que existe é a vibração do ar. Fora da mente, só existe escuridão e silêncio. A sensação de tato fora da mente é pressão. O odor fora da mente são partículas de matéria, assim como o gosto. Tudo isto, as sensações, só existe em minha mente. Sem dúvida que normalmente são provocadas por coisas que existem lá fora. Mas, elas mesmas, as sensações, são fabricações mentais, produzidas, é verdade, sob estímulos externos, geralmente os mesmos, mas nem sempre os mesmos. Há pessoas que percebem as cores das palavras, dos cheiros, etc. Há pessoas que ouvem as cores. Há pessoas que vêem o que não existe e não vêem o que existe, embora tenham olhos perfeitos. Se a pele e os ossos de uma pessoa são intransponíveis para nós, não o são para milhões de microorganismos. O que será a água para um peixe? Ou a pele para um microrganismo?
E afinal, como ocorrem as sensações? Todos esses estímulos (energia eletromagnética, vibrações aéreas, partículas odoríferas e palatais, energia mecânica da pressão), captados pelos sentidos externos (olho, ouvido, nariz, língua e pele) são transformados num único tipo de energia. o cérebro é uma fábrica com muitos produtos. Sua matéria-prima é a informação: a onda eletromagnética de comprimento específico (visão), a vibração aérea de comprimento específico (ouvido), a molécula orgânica específica (olfato e paladar), a pressão e o calor (tato). A partir disso, as áreas sensoriais do cérebro criam uma idéia do que está situado fora. Essa percepção básica não é o produto acabado do cérebro. O constructo final é uma percepção investida de significado.

Esse significado é o que estamos indo buscar lá fora. Isso é o que importa: o que significa esse estímulo para mim? É útil? É nocivo? Não interessa exatamente o que a coisa é. Não nos interessa a sua realidade. Nem é a realidade o que os nossos sentidos nos fornecem. A mente é um instrumento que capta a informação de utilidade das coisas para a sobrevivência do indivíduo. A mente descobre os objetos que podemos usar, as pessoas a quem podemos amar e lugares aonde podemos ir. Mas, algumas vezes, são enganosos: a poça de água no deserto se revela uma miragem; o homem com machado no canto escuro, uma simples sombra.
Cada órgão realiza essencialmente a mesma tarefa: traduz seu tipo particular de estímulo em impulsos elétricos. De fato, em vez de discriminar um tipo de input sensorial de um outro, os órgãos dos sentidos os tornam mais parecidos. Esses córregos de impulsos elétricos mais ou menos indiferenciados entram no cérebro onde se transformam e um córrego passa a ser visão, outro audição, etc. simplesmente porque estimula neurônios diferentes e percorre vias de neurônios diferentes.
Cada córrego percorre no cérebro caminhos neurais diferentes e é dividido em vários córregos diferentes, processados em paralelo por diferentes módulos cerebrais. Alguns desses módulos estão no córtex cerebral e tornam essas sensações (visão, audição, etc) conscientes. Outros estão no sistema límbico que, gerando reações corporais (contração das artérias, liberação de hormônios, etc), lhes conferem qualidade emocional (a beleza do som, a beleza do desenho, o sabor da comida, etc).
Cada área cortical própria de cada sentido dirige seu córrego de informações, agora já por ela processadas, para as áreas de associação, onde as percepções sensoriais são reprocessadas conjugando-se com informações outras de experiências anteriores armazenadas (percepção de faca associada a de comer, cortar, etc), e tornam-se percepções plenamente desenvolvidas, significativas. O que temos agora na mente foi desencadeado por estímulos do mundo exterior, mas não é um reflexo fiel daquele mundo - pelo contrário é uma construção ímpar.
Todo cérebro constrói o mundo de maneira ligeiramente diferente de qualquer outro, porque cada cérebro é diferente. A visão de um objeto externo variará de pessoa para pessoa porque não existem duas pessoas que tenham precisamente o mesmo número de células de movimento, células sensíveis ao vermelho ou células de linha reta. Em cada caso, os dados brutos serão idênticos, mas a imagem levada à consciência é diferente. Quando a diferença é muito acentuada e torna a convivência impossível ou inviabiliza a sobrevivência individual, diz-se que esse indivíduo está doente, é um anormal. O voto que vale é o que viabiliza a sobrevivência e contribui para formar o voto da maioria.
Cada um cria o seu universo. Cada um tem um universo na cabeça. Cada um vive, se movimenta e se relaciona no seu universo. Em geral, esses universos são muito parecidos, apesar de divergentes em milhões de minúcias. Outros universos são muito diferentes.
Assim também, quando a ciência aplica três teorias diferentes (a teoria quântica, a física newtoniana e a teoria da relatividade) para explicar a Natureza, ela está elaborando um constructo útil para a sobrevivência do indivíduo e da espécie Humana. Visões utilitárias também são as partículas-ondas, a matéria escura, a energia escura, a identificação de energia com massa, a identificação de gravidade com massa inercial, o espaço-tempo, o tempo como dimensão do espaço, a gravidade como deformadora do espaço, a anti-matéria, o big bang e as leis naturais.
Isso tudo são modelos, mapas, modos de entender a Natureza e torná-la útil à sobrevivência do indivíduo e da espécie humana. Quem garante que essas teorias sobreviverão por muito tempo? Será mesmo que seja inteligível dizer-se que energia eletromagnética, a luz, é uma perturbação que se movimenta pelo vácuo? Os próprios cientistas dizem que a ciência é um modo de entender as coisas. Heisenberg demonstrou que jamais o homem poderia conhecer o estágio inicial de um processo físico atômico, porque o instrumento de medida do estágio inicial, o comprimento da luz, o modificava, ou na posição da partícula atômica ou em sua velocidade. O aparelho humano de investigação da Natureza, o cérebro, não perturba a Natureza, mas a transforma quando a capta para conhecê-la. Jamais amaríamos o rosto de pavoroso queijo suíço, que a teoria quântica diz ser o de uma mulher. Nem nos agradariam os beijos de milhões de átomos. Nem nos seduziria o seu silêncio.
Também a arte, essa linguagem emotiva, tem a sua importância utilitária, agregando os indivíduos no culto da beleza e aliviando o estresse. A beleza é atração, é convivência, é sobrevivência do indivíduo e da espécie humana.
O conhecimento será sempre um processo, que só se extinguirá quando a Humanidade se extinguir, se não for substituída por outra espécie mais evoluída. Sombrias são presentemente as perspectivas de permanência da vida sobre a superfície terrestre. O tipo de cultura adotada pela Humanidade, com o predomínio do valor econômico, sem qualquer sentido de adaptação ao meio ambiente, está conduzindo a Humanidade para a auto-destruição. O espírito da época atual é o capitalismo liberal, maquiavelicamente globalizante, isto é, enquanto interessa ao capital dos países hegemônicos, ultrapassado que foi o espírito econômico implantado por John Keynes, que se preocupava com o paradoxo liberdade e igualdade, e posto em prática pelo New Deal de Delano Roosevelt. O Brasil se vangloria de estar exportando o seu próprio solo (as lindas colinas rochosas e verdejantes de Minas Gerais e do Pará) para a China e para o mundo.
É imperioso que a Humanidade se reoriente no sentido da vida, como valor supremo da existência, no sentido da sobrevivência individual e coletiva. O século XX foi um tempo de extraordinárias conquistas nesse sentido também. A descoberta dos antibióticos. Os avanços na medicina preventiva, a descoberta de fármacos para o combate às doenças infecciosas, coronarianas, arteriais e degenerativas, o progresso da técnica cirúrgica e os transplantes de órgãos aumentaram extraordinariamente a expectativa de vida humana.
A ciência agora se volta para a leitura do DNA, esse livro que descreve os segredos da constituição da máquina da vida e informa o seu modo de funcionamento. Alguns dizem que a Humanidade está perigosamente afoita ao adentrar o espaço divino do conhecimento. Outros alegam impedimentos éticos para essa aventura. Outros afirmam, como tentamos expor neste artigo, que tudo é relativo e todo conhecimento é subjetivo, e, portanto, cada época tem o espírito que a impulsiona e estabelece os costumes aceitáveis, que se convertem em normas morais e mandamentos legais e jurídicos.
Já se fazem clonagens de animais. Já se inoculam genes de aranha em cabras para produzir teias de aranha em abundância e usá-las na fabricação de coletes resistentes a projéteis de armas de fogo. Já se faz a fecundação in vitro de seres humanos. Já se escolhe o sexo, a cor dos olhos e outras características do filho que se deseja. Isso é eugenia, alguns objetam. E daí? Por que Hitler fez a eugenia perversa, não se pode fazer a eugenia benéfica?
Acho que, por mais que alguns queiram obstar a manipulação dos genes humanos, ninguém impedirá a Humanidade de avançar nesse sentido. Ela irá construir seres humanos cada vez mais perfeitos. Nascerão indivíduos humanos com telômeros mais perfeitos, capazes de viver trezentos anos como as tartarugas. Nascerão indivíduos humanos imunes ao câncer, ao diabetes e às doenças de Alzheimer e Parkson.
Mais importante ainda. Muitos psicólogos ensinam que o indivíduo humano é a resultante da hereditariedade (DNA) e do meio ambiente. Ortega y Gasset expressou essa opinião naquela frase famosa: Eu sou eu e minhas circunstâncias. A influência das circunstâncias é tão grande, todavia, que os psicólogos afirmam que até a localização dos gêmeos no útero da mãe provoca diferença entre eles.
É verdade que existem alguns psicólogos que afirmam (e lembram a teoria da tabula rasa de Locke) que todos nascemos iguais, todos nascemos com aptidão para tudo, a mente humana é plasticidade total, a hereditariedade nada significa para o que somos e seremos, tudo depende unicamente do meio ambiente, da educação, da cultura: os indivíduos são produto exclusivamente da sociedade. Acho isso muito exagerado, muito ideológico, e prefiro ficar com a ampla maioria dos neurocientistas que afirmam a influência da hereditariedade e do meio ambiente na constituição do indivíduo humano.
Neurocientistas afirmam que até o comportamento anti-social, em cerca de 15% dos indivíduos, tem origem na constituição genética. Se isso é um fato científico, vemos que a manipulação genética terá influência até na cura de males sociais e no aperfeiçoamento da sociedade. Claro que tudo tem seu risco. Não se poderia construir uma espécie humana para dominar e outra espécie humana para servir? uma espécie humana de senhores e outra de escravos? O erro, a meu ver, não está na eugenia. O erro está no mau uso dela. Já o deus Asclépio dos gregos possuía duas filhas, Higiéia (a deusa da medicina preventiva) e Panacéia (a deusa da medicina curativa). O próprio deus grego preferia os cuidados da Higiéia aos da Panacéia.
E fico meditando: onde chegará a Humanidade? Alain Touraine falou que a revolução do século XX foi a revolução dos costumes, que teve seu ápice na revolução da liberdade sexual de 1968. De fato, a liberdade dos costumes é tão evidente, que a tradicional idéia da família já se acha ultrapassada e o sexo já se está tornando algo tão humano que está passando a ser um ato público legalmente admitido, realizável em locais públicos, como na Holanda. E fico imaginando a invenção das maternidades cibernéticas, onde se construirão os próprios filhos, fecundados em clínicas especializadas em DNA eugênico selecionado e onde serão também gestados, porquanto os japoneses já estão também aperfeiçoando o útero eletrônico. A atividade sexual nesses futuros tempos será reconhecida simplesmente como atividade recreativa e de prazer.
Vimos que o conhecimento tem uma longa história. Ao longo dos tempos, os conhecimentos se acumularam e se modificaram. Já foi dito por um grande cientista que a transformação do conhecimento não se deve ao fato de que uma teoria científica antiga é vencida por outra mais nova. O que ocorreria, de fato, é que os adeptos das antigas teorias morrem e só restam vivos os adeptos das novas teorias. Humor à parte, o que vemos é que o conhecimento humano sofre contínuas alterações e, por vezes, profundas alterações.
Entendo que o mais bem fundamentado conhecimento humano é o científico. Ele tem a precisão matemática e a comprovação do experimento ou da observação. Mas, ele não passa de um modelo mental que explica de tal forma os fenômenos naturais em que estamos imersos, que nos permite prever o futuro, conhecida a situação presente. Nada mais que isso. E à medida que a Humanidade sobrevive, ela é capaz de observar melhor a Natureza e precisa formular novos modelos que permitam representar melhor a situação presente e antever a situação futura. A ciência é transitória, é momentânea, porque nada mais é que a forma como a mente humana, ampliada a sua capacidade de perscrutar a Natureza com os aparelhos atualizados da tecnologia de informação, entende a Natureza que ela capta à sua maneira. A Natureza captada pela mente não é exatamente a mesma coisa que a Natureza em si. Entre tantas ambigüidades, que descobrimos na História da Ciência, quero aqui recordar apenas aquela: a nossa mente, ampliada a sua capacidade de captação da Natureza com os aparelhos da tecnologia atual da informação, só capta 4% daquilo que é o Universo, e com tanto lusco-fusco, como vimos! Sobre os restantes 96%, apenas suspeita que existam. Nada mais.
Esclareçamos o nosso entendimento. A filosofia moderna, por ampla maioria, discorda de Aristóteles no que seja a verdade. É simplesmente impossível para o Homem comparar a idéia com o objeto externo, e concluir que a idéia é a exata representação do objeto externo. Qualquer objeto de conhecimento é uma criação mental. Nunca a mente alcançará o objeto externo exatamente como é, para compará-lo com a idéia. Ou, pelo menos, sempre existe um fundamento sólido para a dúvida. Os seres vivos sobrevivem simplesmente porque eles estão dotados da capacidade de obter do meio ambiente informações úteis à sobrevivência. Assim o microorganismo retira o nutriente do meio ambiente e refuga as toxinas. Seres vivos mais complexos estão dotados de um sistema específico para obter a informação útil do meio ambiente: o sistema nervoso. O sistema nervoso animal, em geral, capta as informações do meio ambiente, forma uma imagem sensível do meio ambiente e procura as situações favoráveis à sobrevivência e foge das situações adversas.
O homem está dotado de um sistema nervoso mais sofisticado e mais poderoso, sobretudo o cérebro. Ele capta as informações do meio ambiente e forma a imagem sensível do meio ambiente. Guarda muita coisa dessa imagem na memória. E manipula essas imagens da memória produzindo as fantasias, as imagens fantasiosas. A atividade mais poderosa do cérebro humano, a mente, manipula as sensações, as memórias e as fantasias e produz as idéias, as teorias, as doutrinas, as imagens racionais, que permitem distinguir com maior perfeição o que é útil à sobrevivência do indivíduo humano para adquiri-lo agora e no futuro, bem como o que é nocivo à sobrevivência do indivíduo humano para evitá-lo agora e no futuro. Atente-se bem para como funciona essa busca ou construção de significado realizada pela mente humana. Vê-se um homem armado com um fuzil. Aquilo pode significar para umas pessoas: ele tem segurança. E pode significar para outras pessoas: ele não vai sobreviver por muito tempo. Um jovem bomba-suicida dos muitos que existem pelo mundo afora, hoje em dia. Para alguns: um idiota. Para outros: um mártir. Então, constrói-se toda essa teoria quântica e toda essa teoria da relatividade para extrair da Natureza um conjunto de significados, capaz de me permitir a construção de uma estação espacial que me permita um mundo de realizações, em breve. Quem sabe? Colonizar a lua, ou transformá-la no depósito de lixo da Humanidade! E a mente humana produz os mais sofisticados modelos matemáticos que permitem atribuir significado ao mundo caótico das condições atmosféricas de tal forma que posso prever com grande antecipação os eventos climáticos futuros. E também ao mundo das incertezas financeiras, de modo a alcançar a riqueza mediante a aplicação da teoria matemática do jogo, não sem correr o risco de até uma hecatombe econômica e social!...
E ainda há a linguagem, esse instrumento de compartilhamento de informações entre os indivíduos humanos, que possibilita a formação da sociedade. E o que era informação para a sobrevivência individual torna-se informação para a sobrevivência individual e coletiva. Forma-se a cultura, o patrimônio mental coletivo do passado e do presente da Humanidade. E cada cultura condiciona um estilo diferente de coexistir que se chama Civilização. A linguagem está na base da cultura e da civilização. Ela é a chave da sobrevivência humana, desde que ela seja entendida e valorizada no sentido positivo de veículo de informação dos conteúdos mentais significativos do que é e do que não pode ser de interesse do Homem.
Os gregos explicavam o tempo através de um mito, o mito de Cronos. Acreditavam que no princípio existiu apenas o Caos, uma força primitiva, um mundo sem forma. Ele gerou Érebos e Nix (a noite). E tinha três irmãos: Eros, Tártaro e Gaia (ou Géia, a Terra). A Terra gerou Urano (o Firmamento) e outros deuses. A união de Gaia com Urano gerou vários filhos, entre eles Cronos (o Tempo).
Urano fora informado de que um dos filhos o destronaria. Por isso, sempre que um filho nascia, ele o ocultava no corpo de Gaia. É uma representação mítica da frase bíblica: és pó e a pó hás de voltar. Não suportando as dores do sepultamento, Gaia apelou para que os filhos pusessem fim ao comportamento brutal de Urano. Cronos acatou a suplica de Gaia e entrou em luta com o pai, armado com uma foice fornecida por Gaia. Ele emasculou Urano e lançou os testículos do pai sobre a Terra. Respingos caíram sobre o Mar Egeu e da espuma formada brotou Afrodite, a deusa do amor. Naquele instante, o Firmamento se separou da Terra.
Cronos ocupou o trono de Urano e foi informado de que um filho também o substituiria no governo de seu império. Por isso, ele passou a devorar todos os filhos que a esposa Réia gerava, para evitar a sua deposição. Esse é, de fato, o papel mais evidente e temido, exercido pelo Tempo: a sucessão das gerações e das coisas, tudo passa. Réia revoltou-se com a atitude do marido. Obteve a solidariedade do filho Zeus, que destronou o pai Cronos. Zeus não só se tornou o deus supremo do Olimpo, como também conquistou a imortalidade para os deuses. Cronos ainda hoje modifica tudo no Universo. A cada instante, modifica também o conhecimento humano, a Ciência.



segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

8. O Conhecimento no século XX.



Nos últimos anos daquele século, ao lado da Física de Isaac Newton, elaboraram-se duas outras ciências físicas: a Física do extremamente pequeno e a Física do extremamente grande. Aquela é a Física Quântica, esta é a Teoria da Relatividade. Estranho, três ciências físicas para uma só realidade! Essas teorias físicas novas foram formando um corpo de ciência ao longo do século XX, e ainda continuam evoluindo.
A Física newtoniana considerava o espaço como uma realidade contínua. Mas, o próprio Newton afirmava que a luz era constituída de partículas. A idéia de que a matéria é constituída de partículas, os átomos, os indivisíveis, era, todavia, multimilenar. Rutherford demonstrou: a matéria é constituída de átomos, e os átomos não são as partículas elementares da matéria; os átomos são constituídos de um núcleo, que contém a quantidade maior da massa do átomo, e de elétrons, que orbitam esse núcleo. O átomo, por sua vez, é formado por prótons e nêutrons. O átomo é o pingo de um ponto de lápis de massa numa vasta sala de um escritório! A matéria que vemos é mais buraco do que massa! Max Planck demonstrou inequivocamente que a luz é partícula: o quantum, o fóton. A luz é energia, é onda, e é também partícula, e é partícula sem massa.
O desenvolvimento da teoria atômica levou ao estágio atual de conhecimento, onde se sabe que as partículas constitutivas da matéria são todas, como a luz, partículas e ondas. Classificam-nas em férmions (constituintes da matéria) e bósons (partículas transportadoras de força). Os férmions subdividem-se em léptons e quarks. Há os léptons da matéria comum (elétrons e neutrinos eletrônios) e quarks da matéria comum (up e down). E há os quatro léptons e os quatro quarks da matéria exótica (existiram independentes nos tempos primordiais do cosmo, época de altíssimas temperaturas). Os bósons são os fótons (partículas da energia eletromagnética), os glúons (partículas da força nuclear forte), bósons vetoriais intermediários (partículas da força nuclear fraca) e grávitons (partículas da força gravitacional, até agora não se conseguiu constatar sua existência, através de experimentos).
Três são as idéias fundamentais da Física Quântica. A primeira, já vimos, a matéria é formada de partículas-ondas. A segunda idéia foi formulada por Heisenberg: o princípio da incerteza. A ciência física, até então, funcionava sobre a premissa de que, conhecida a situação presente, a situação inicial, se pode com toda a precisão prever a situação futura, a situação subseqüente. Para isso, basta conhecer a lei que rege o fenômeno observado. A ciência era materialista, mecanicista, reducionista e determinista. Como disse Einstein: Deus não joga dados. Nada é indeterminado. Tudo é determinado. Tudo é regido por leis naturais.
O que estava dizendo Heisenberg? O contrário. No mundo atômico, não há certeza, porque não posso conhecer com precisão o estágio inicial. O conhecimento do que é agora, neste momento, é subjetivo, não é absolutamente objetivo. O que existe na Natureza é conhecido através dos instrumentos que uso para investigá-la. E esses instrumentos, que são as ondas eletromagnéticas da luz, modificam o estado inicial, as realidades de posição e velocidade de movimento das partículas examinadas. Se não conheço com precisão o estágio inicial, é impossível conhecer com precisão o estágio futuro, o estágio subseqüente. Daí, a terceira idéia fundamental: o mundo atômico não é determinístico, é probabilístico. Não só todos os caminhos são possíveis, são prováveis, como também todas as trajetórias possíveis são percorridas pela onda que é a partícula. A partícula está em toda parte, não se limita a uma única posição! Assim, só se pode calcular a probabilidade maior ou menor do ponto futuro onde estará a partícula atômica num determinado instante futuro.
O mundo macroscópico em que vivemos se fundamenta nesse mundo atômico subjacente. Esse mundo macroscópico, portanto, é resultante desses incalculáveis movimentos probabilísticos do mundo atômico. Nesse mesmo mundo macroscópico em que vivemos nada é absolutamente preciso. Tudo tem sua margem de erro, de imprecisão, que deve ser levada em conta. Já tínhamos visto que, segundo a teoria evolucionista, no mundo do ser vivo, determinismo e acaso se misturam. Vemos agora que o mundo atômico é probabilidade.
Há ainda uma afirmação desconcertante da Mecânica Quântica. No mundo subatômico não vale a lei de Lavoisier, já que nele partículas se criam e se perdem!
E esse mundo atômico probabilístico subjacente é que fornece a característica da modernidade que hoje vivemos. É a mecânica quântica que permite a existência de computadores, dos aparelhos de telecomunicação, das viagens interplanetárias, de equipamentos de pesquisa, bem como de equipamentos de diagnóstico e de tratamento médico de última geração. Ela se acha em todos os maquinismos automáticos e cibernéticos existentes nas mais diversas áreas de produção de bens e serviços, de transportes e distribuição. A mecânica quântica dá forma à civilização eletrônica que estamos vivendo.
Outra verdade fabulosa do mundo contemporâneo é a teoria da relatividade. A Física newtoniana considerava que o universo existia no Espaço e no Tempo. Eles (Espaço e Tempo absolutos) seriam a ribalta onde todos os fenômenos naturais acontecem. Einstein aceitou que a velocidade da luz é fixa, como dizia Maxwell, 300.000 km por segundo. Afirmou que a luz, energia eletromagnética, é uma perturbação que se movimenta no vácuo a essa velocidade constante: a luz é energia eletromagnética, é perturbação que se movimenta. Para se movimentar e para existir, portanto, a luz não precisa do éter, a substância criada pelos antigos cientistas para explicar a perturbação que se movimenta, substância cuja existência nunca se constatou.

Mas, se a luz se movimenta a velocidade finita e constante no vácuo, o tempo e o espaço são relativos. O espaço varia de acordo com a referência que se toma. O homem sentado numa poltrona, num trem fechado, deslocando-se à velocidade constante de quarenta quilômetros por hora, e tão suavemente que nem sente o deslocamento, responde nada, não saí desta poltrona a quem lhe pergunte ao cabo de uma hora: que espaço percorreu? Faça-se a mesma pergunta, uma hora depois, a um expectador externo ao trem, que o vê deslocar-se. Ele responderá: quarenta quilômetros. O espaço é um conceito que exige uma referência para ser compreendido. É um conceito que varia, de acordo com a referência que se toma. É um conceito relativo.
A mesma coisa é o tempo. Imagine um trem, a dez quilômetros da cidade das Angústias, movimentando-se a oitenta quilômetros por hora na direção da cidade dos Prazeres, que está a dez quilômetros adiante. Imagine que nesse mesmo instante caia um raio na cidade das Angústias e outro na cidade dos Prazeres. O que dirá sobre o tempo dos raios um viajante dentro do trem? Em razão do efeito Doppler, dirá que o raio da cidade dos Prazeres caiu antes do raio da cidade das Angústias. E o que dirá sobre o tempo dos raios, um observador que, estático, fora do trem, esteja situado exatamente a dez quilômetros de cada cidade? Os dois raios caíram no mesmo instante, na mesma hora. O tempo também é uma medida relativa, subjetiva, depende da situação do observador.
Assim, não existe um relógio que marque o Tempo Absoluto, um relógio que marque o tempo que seja o mesmo para todo o Universo. Quanto maior a velocidade com que um relógio se desloca, mais vagarosos os ponteiros se deslocam. À velocidade da luz, o tempo pára. O tempo é um conceito relativo. Ele varia com a velocidade do movimento e também com a força gravitacional. Um relógio no sopé de uma grande montanha anda mais devagar que no pico da montanha. Cada indivíduo humano tem o seu tempo. Quanto mais veloz se desloca um objeto, mais reduzido fica o seu volume. E quanto mais energia movimenta um objeto, mais velozmente ele se desloca e maior fica a sua massa inercial. Em velocidade próxima à da luz, um objeto não aumenta de velocidade, apenas aumenta a massa inercial. Conseqüência espantosa: energia se converte em massa, energia é massa! Nenhum objeto dotado de massa pode alcançar a velocidade da luz. À velocidade da luz, a massa inercial seria infinita. A fissão e a fusão atômica podem desprender quantidade colossal de energia. A energia atômica pode ser utilizada para o bem ou para o mal. Em nossos dias, fornece grande parte da energia que movimenta a atividade dos países mais desenvolvidos da Terra e é empregada na promoção da saúde humana. Já foi também utilizada na guerra na forma da espantosamente devastadora bomba atômica.
Mas, tudo isso é só uma visão parcial do novo modelo científico da Natureza, elaborado por Einstein. Tudo isso é apenas a teoria da relatividade especial. Anos depois de agraciar a Humanidade com esse modelo, Einstein elaborou a teoria da relatividade geral. Agora, ele tratava do movimento acelerado. Uma pessoa colocada numa espaçonave completamente fechada e em movimento acelerado no espaço para cima, ela se acha parada contra o soalho da espaçonave, em razão da gravidade ou em razão da inércia? O astronauta é incapaz de responder a essa pergunta: sem referência, gravidade e inércia se confundem. A força da gravidade e a resistência à força (inércia) são a mesma coisa. O espaço não é tridimensional. Ele é tetradimensional. Os eventos, qualquer evento, têm quatro dimensões: comprimento, largura, altura e tempo. O tempo nada mais é que uma dimensão do espaço. A dimensão tempo nada mais faz do que encurvar o espaço. O espaço-tempo não é uma realidade absoluta, separada das coisas. O espaço-tempo não é um continente onde as coisas se acham depositadas. Não é uma ribalta onde as coisas acontecem. O espaço-tempo e as coisas influenciam-se mutuamente. O espaço-tempo muda, consoante as coisas mudam. O espaço-tempo é encurvado pela presença das coisas. A gravidade não é uma força de atração, como imaginava Isaac Newton. Ela simplesmente encurva o espaço ao redor de um corpo. Imagine uma cama elástica, dessas onde acrobatas se exibem, suportando um peso de cem quilos, colocado no meio dela. A cama elástica afunda em volta desse peso. É isso que faz a gravidade dos corpos: quanto maior a massa de um objeto, maior a curvatura em sua volta.

O espaço-tempo é como o globo terrestre. Em pequenas distâncias, parece plano, retilíneo. Na sua visão total é que ele se apresenta encurvado. Assim, no espaço-tempo, a luz, que se movimenta em velocidade uniforme e fixa de 300.000 quilômetros por segundo, sempre se desloca em trajetória retilínea. Nas proximidades dos corpos de grande massa, por exemplo o Sol, ela segue a sua trajetória retilínea ao longo do espaço-tempo encurvado das vizinhanças do Sol. A luz não acelerou seu movimento. A luz continua se deslocando na reta sobre um espaço-tempo curvo, como nós caminhamos na reta sobre a crosta terrestre curva. Assim, no espaço-tempo curvo, a distância mais curta entre dois pontos não é uma linha reta, mas uma linha curva. Como, aliás, o sabem muito bem os pilotos das aeronaves: eles seguem as geodésicas nos seus vôos, a trajetória curva da menor distância entre dois pontos do globo terrestre. A linha reta não é a distância mais curta entre duas cidades terrestres.
Se o Universo é o espaço-tempo, isto é, se, à medida que o tempo passa, ele se encurva cada vez mais, o Universo não poderia ser estático como pensara Isaac Newton. Einstein introduziu em sua fórmula matemática uma constante para ajustar-se à idéia da estabilidade do Universo, isto é, ele imaginou uma força expansiva para contrabalançar a da gravidade e, assim, dar estabilidade à posição existente estável dos astros e das constelações. Einstein se arrependeu desse artifício, quando novos instrumentos de observação astronômica constataram que o Universo não é estático, ao contrário, se acha em expansão. Descobriu-se que há no Universo mais de cento e vinte bilhões de galáxias e que cada galáxia tem mais de cento e vinte bilhões de astros. Descobriu-se que quanto mais distante é a galáxia, mais rapidamente ela se afasta das outras. O mundo se acha em expansão. Ele não é estático.
E a taxa de expansão do Universo é de tal grandeza que só pode ser explicada se houver mais matéria do que a que conhecemos e mais energia do que a conhecemos. Os cientistas supõem, assim, a existência da matéria escura (aquela que existe e não se conhece) e a energia escura (aquela que existe e não se conhece). O Universo compor-se-ia, portanto, 23% de matéria escura, 73% de energia escura e 4% de matéria comum. Dessa forma, tudo o que o Homem conseguiria conhecer do Universo, nos tempos atuais, não iria além dos 4% que ele é! Formidável grande verdade!
Outra conseqüência importante da teoria da relatividade geral é que, se o Universo está em expansão, ele foi um espaço-tempo muito mais reduzido no passado. Chegou-se assim ao cálculo de que, há cerca de quinze bilhões de anos, toda a matéria hoje existente estava condensada num ponto infinitamente pequeno e infinitamente quente, isto é, há quinze bilhões de anos houve uma formidável explosão, o Big Bang. Os aparelhos de pesquisa ainda captam os sinais sonoros dos vestígios residuais dessa época, situados nas bordas externas do Universo. Na ciência, o infinito é desconhecido. A ciência Física é medida, o infinito é sem medida. A ciência humana chega até ao infinito, até o Big Bang. Nada sabe dizer sobre o infinito e sobre o que era antes. Para a ciência não existe o antes do Big Bang.

domingo, 18 de janeiro de 2009

7. O Conhecimento nos Tempos Modernos.



O espírito daquela época, daqueles últimos quatro séculos de riqueza, era o Humanismo. Empolgada com a visão do Homem, o senhor da Terra, e com sua criatividade, a nova civilização ocidental se ufanava com as máquinas que o Homem inventara, sobretudo o relógio. Andreas Vesalius, o pai da medicina moderna, publicou o De Humani Corporis Fabrica, o primeiro livro de anatomia moderna, cujo título sugere a comparação do corpo humano com uma máquina. Essa nova grande verdade inspirava a concepção de René Descartes sobre o Universo e o Homem.
A mente de Descartes era desafiada por três enigmas: o conhecimento, o Homem e o Universo. O Homem pode adquirir conhecimentos certos? O que é o Homem? O que é o Universo? Descartes esclareceu o primeiro enigma: sim, o Homem é capaz de produzir conhecimentos certos, porque existe um conhecimento de que nenhum Homem pode duvidar, mesmo que de tudo duvide, a saber, a dúvida. Se duvido, penso. Se penso, existo: cogito, ergo sum.
Descartes era um matemático. Criou a Geometria Analítica. Ele achava que a Matemática é um conhecimento absolutamente certo. Pensou, então, transportar o método dedutivo matemático para a Filosofia. A Filosofia de Descartes utiliza, portanto, o método dedutivo como a Matemática. Descartes parte, gradativamente, da idéia clara e distinta fundamental da dúvida universal para idéias claras e distintas cada vez mais complexas e, nessa clareza pretensamente irrefutável como é a da Matemática, criar uma teoria filosófica irrefutável: duvido, existo, Deus, o Homem e o Universo. Assim, ele chegou às seguintes conclusões: o Homem pode ter conhecimento verdadeiro e certo, o Homem é corpo e alma, o corpo é uma máquina movida pela alma desde o cérebro, Deus existe, Deus é o mecânico que criou e movimenta a máquina que é o Universo. A filosofia mecanicista de Descartes e sua crítica do conhecimento foram outras grandes verdades.
No século XVII, Thomas Hobbes e John Locke afirmaram que o poder político pertence ao povo que, por consenso, o transfere para o rei. Ambos concordam que o poder político existe unicamente para cuidar dos interesses comuns de todos os cidadãos, a res publica, sobretudo manter a paz na sociedade. Hobbes acha que esse poder do rei, por isso, é absoluto, que o rei cria as leis e, portanto, o rei está acima das leis, a elas não está sujeito. É o Estado Leviatã, o Estado como aquele monstro marinho que engoliu Jonas, segundo a Bíblia. Locke já pensa que o povo não abdica do poder soberano, apenas delega esse poder ao rei para que cuide da res publica. Locke colocou em xeque o poder absoluto dos demais reis daqueles tempos.
Locke também se interessou pelo assunto do conhecimento. Afirmou que a mente, ao nascer o ser humano, é vazia de idéias, é uma tabula rasa. Não há idéias inatas. Todos os conhecimentos são adquiridos durante a vida, através dos sentidos. Todo o conhecimento consiste em uma sensação ou um agrupamento de sensações, isto é, associação de idéias. É a doutrina do empirismo e do reducionismo. O reducionismo é a concepção geral de que todos os seres da Natureza são, como as máquinas, compostos de partes. Conhecer um ser da Natureza é decompô-lo em suas partes (análise) e depois reconstruí-lo mentalmente (síntese). Esse pensamento perpassa toda a ciência moderna.
Essa idéia também inspirou um dos livros monumentais da ciência, o Principia de Isaac Newton, herdeiro intelectual de Descartes e Galileu. É o primeiro livro escrito com o método científico: precisão matemática e comprovação experimental. Ele explica todos os movimentos, na Terra e no espaço sideral, com uns poucos conceitos: espaço, tempo, repouso, movimento, aceleração, força, inércia, massa, energia e trabalho. As mesmas leis físicas regem a Terra e o Céu, a gravidade nada mais é que um caso particular da lei da gravitação universal. Aristóteles equivocou-se quando pensou que o mundo supralunar se rege por leis diversas das terrestres.
O Universo de Isaac Newton é estacionário. No espaço absoluto todos os corpos celestes ocupam sempre as mesmas posições, desde o começo até o fim do mundo. O Sol lá se encontra no lugar que sempre esteve e sempre estará, orbitando-o os planetas em trajetórias elípticas em razão da atração mútua gravitacional entre o Sol e os planetas. Essa atração provoca a trajetória elíptica. Por que os planetas não caem sobre o Sol? Em razão da gravitação universal, da força de atração do universo astral, ou os planetas, deslocando-se em movimento retilíneo uniforme, foram captados pela força da gravidade solar. Seja como for, a força gravitacional aproxima os planetas cada vez mais do Sol.
Há ainda outra intuição notável nessa teoria newtoniana da gravitação universal. Até Newton, entendia-se que a força atuava sobre a matéria por contacto dos corpos, por choque entre os corpos. Newton, influenciado pelo fenômeno do magnetismo, concebeu a gravitação universal como um campo gravitacional de força, exercitando-se numa determinada região em sua volta, à distância, como ele via atuar a propriedade magnética dos ímãs.
Naquele século, duas teorias se instituíram sobre a luz e os respectivos autores se confrontaram: Isaac Newton afirmava a luz é partícula, não é onda, e Christinaan Huyghens retrucava é onda, não é partícula.
O século XVIII foi a época do Iluminismo, da Revolução Americana e da Revolução Francesa. Naquele século David Hume declarou que as leis da natureza são criações da mente humana. Não existem na Natureza. Nesta só existe o antes e o depois, a sucessão de fenômenos. Porque eles sempre sucederam uns depois do outro, afirmamos que sempre acontecerá a mesma sucessão de fatos no futuro. A lei natural é uma extrapolação mental.
Kant abalou as convicções tradicionais dizendo que o objeto do conhecimento é o fenômeno, isto é, o ser da Natureza transformado pelo aparelho sensorial da mente. Portanto, o que conhecemos, o que a Ciência conhece, não é o ser da Natureza (a coisa-em-si, a realidade), mas o fenômeno modificado pela mente humana, pelo sujeito pensante. Todo conhecimento teórico não é explicação da própria Natureza. É explicação do mundo fenomenal, dos objetos naturais modificados pelo aparelho mental humano. A ciência é o conhecimento do mundo fenomenal. Todo conhecimento teórico é subjetivo. Trata-se do fenômeno interpretado pelas categorias da razão. É produto subjetivo da razão. Essa grande verdade, todavia, não invalida a vida prática, o conhecimento prático sobre a vida social, a organização política, o comportamento ético. Na vida cotidiana, o indivíduo humano tem que viver de acordo com suas certezas práticas.
Jean Jacques Rousseau adotou as idéias de Thomas Hobbes e John Locke sobre a origem do poder político. E acrescentou: todos os homens nascem livres e iguais, mas a propriedade introduz a diferença econômica e social, o senhor e o servo. Helvetius também insistiu em que todos nascemos iguais. Montesquieu expressou a convicção de que as leis são criações humanas, são convenções humanas, que dependem de condições geográficas e de clima, de costumes e tradições. Manifestou também a opinião de que a melhor forma de governo é aquela em que o poder soberano é exercido por três instituições diferentes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Os Enciclopedistas, cujos principais nomes são Voltaire, Diderot e d’Alembert, entenderam que as religiões ritualistas e reveladas já não mais tinham base conceitual para se sustentarem. Voltaire insistia que fossem substituídas pela simples convicção racional de que existe um ser que criou e mantém o Universo, essa maravilhosa e complexa máquina. Dizem que no fim da vida quis convencer até o Papa dessa grande verdade.
Até aquela época, a riqueza era apenas um fenômeno social e moral. A riqueza era assunto estudado apenas nas aulas de Ética. A riqueza era ambicionada e usufruída intensamente. Mas, a teoria ética cristã condenava a exploração dos consumidores e dos devedores: devia-se cobrar o preço justo e emprestar sem cobrar juros. Imperava a mentalidade que se consubstanciava num conceito consagrado naquele tempo: o negociante nunca, ou quase nunca, entrará no reino dos céus. Assim, quando Adam Smith publicou A Riqueza das Nações, o fato significou a libertação da atividade mercantil das peias da moral. Significou que é legítimo, é ético negociar, enriquecer. Significou que enriquecer tinha normas próprias, sendo a liberdade a norma fundamental do enriquecimento. Até Adam Smith, estudava-se como acumular riqueza honestamente. A partir dele, começou-se a estudar qual comportamento humano leva a acumular riqueza.
A Humanidade aprendeu que a riqueza não consiste precisamente em acumular dinheiro, ouro e prata, nem apenas na produção agrícola. A riqueza consiste em produzir bens e serviços. A Humanidade aprendeu, e muito bem, que se enriquece com liberdade, mercado, competição, especialização e produtividade. A teia social, resultante das ações livres dos indivíduos humanos, competindo pela sobrevivência através da produção e troca de bens (a mão invisível, como diz Adam Smith), é uma sociedade rica e justa, porque, assim, aplica os recursos produtivos com o máximo de eficiência e distribui a riqueza com a devida justiça.
A cultura se transformara radicalmente. O espírito da época era absolutamente novo. A vida prática tinha que se transformar. Aparece, então, nas regiões novas do mundo, um novo país, que, ainda colônia, se tornara campo fértil para o surgimento de universidades, os Estados Unidos da America. Foi o primeiro país sem rei, governado por um grupo de representantes (senadores e deputados) do Povo, periodicamente eleitos pelo povo: o Congresso. Como consagrado por Montesquieu, o Congresso era completado por duas outras instituições: o Executivo, conduzido por um Presidente, e o Judiciário.
Reunidos no Congresso da Filadélfia, em 4 de julho de 1776, os chamados Pais da Pátria, tomados pelo espírito da época que acima descrevemos, declararam os motivos da independência norte-americana: todos os homens nascem iguais e dotados dos direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca da felicidade; os governos são instituídos para assegurar esses direitos e seu poder deriva do consentimento do povo.
Treze anos depois, a França seguiu o exemplo dos Estados Unidos da América. A Revolução Francesa acabou com a realeza e instituiu o governo republicano democrático. É verdade que houve a recaída na realeza logo depois, na época de Napoleão Bonaparte. Passada a recaída napoleônica, os ideais democráticos triunfaram definitivamente.
O famoso lema da Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – é muito significativo. Jean Jacques Rousseau insistira em que todos os homens nascem livres e iguais. Como Locke e Hume, Rousseau também pensava que a mente é uma tabula rasa. Todos, pois, nasceríamos iguais: uma tabula rasa, uma chapa fotográfica. Através dos sentidos, os objetos imprimem na mente humana a sua respectiva imagem. Os sentidos são passivos à ação dos objetos da Natureza. Condorcet percebeu que, assim sendo, a educação igual para todos os seres humanos manteria todos os homens iguais, de geração em geração. Participando do governo revolucionário, acabou com as escolas particulares na França e pretendeu realizar o projeto das escolas públicas, escolas iguaiszinhas para todas as crianças. Condorcet morreu na guilhotina.
Na guilhotina também morreu Lavoisier, considerado o pai da química moderna, consagrado como o autor da famosa teoria da conservação da matéria: nada se cria, nada se perde, tudo se transforma! Duzentos anos depois de Galileu e cem anos depois de Isaac Newton, os homens no mundo e na França já podiam proferir essa lei científica sem temer a Inquisição! Se a matéria é eterna, onde fica a criação do mundo? Para que existe Deus?
Se a mente humana mudara radicalmente, o comportamento humano também teria que mudar radicalmente. Já se achava em gestação a segunda maior revolução da História, a Revolução Industrial. O mundo agrícola padecia a influência do Homem, mas nele o Homem era filho submisso da Natureza. No mundo industrial, o Homem ainda é dominado pela Natureza. Entretanto, herdeiro da curiosidade da primeira mulher, Pandora, o Homem tenta dominar os segredos da Natureza para fazê-la submissa na medida do possível. Como se acha escrito sob o túmulo de Karl Marx em Londres: O importante é fazer, não é contemplar!
O século XIX é o alvorecer de uma civilização muito diferente daquela da Idade Média. A Terra deixa de ser movida pela energia humana, animal, eólica e hidráulica. Agora é a energia calórica, elétrica e fóssil que movimenta a Terra. O Homem não mais precisa da escravidão e até tem dela vergonha. A atividade humana se torna independente da luz solar. O gás e a eletricidade iluminam as noites. O Homem inventa as telecomunicações (o telégrafo, o telefone e o rádio). Inventa o macadame, o coke e o aço. Constrói modernas estradas e pavimenta as ruas. Constrói navios de aço e movidos a vapor. Constrói ferrovias. Aparelha as cidades com serviço de água e rede moderna de esgoto. Reforma as velhas cidades e as aparelha com o serviço público de metrô. Constrói os automóveis movidos à energia fóssil. Anda também de bicicleta e triciclo. Aprende a fazer turismo e se diverte com a vitrola e o cinema. As fábricas são movidas pela energia calórica e elétrica. O artesão cede lugar ao trabalhador urbano fabril. As cidades se envolvem em fog e nos rios a poluição extingue a vida. O Urbanismo surge como ciência aplicada e como atividade prática do Homem moderno. A população cresce, o desemprego cresce e a população européia desempregada emigra, sobretudo para os Estados Unidos da América. Os Estados Unidos da América gradativamente se estendem, até encontrar os limites nos dois oceanos, Atlântico e Pacífico. Os países europeus empreendem missões militares de conquista colonial na África, na Ásia e no Oriente Médio. Surgem as repúblicas latino-americanas.
A nova sociedade não era mais constituída de senhores e servos, nem de latifundiários e escravos. A nova sociedade era, sobretudo, urbana, constituída de patrões e empregados, capitalistas e trabalhadores. Karl Marx entendeu que a dinâmica do capital consiste em sempre crescer. Crescer em recursos produtivos, em terras e em tecnologia. Pelo lado da produção, a lei do capitalismo é produtividade, isto é, produzir ainda mais com menos homens. Pelo lado do consumo, a lei do capitalismo é ampliação do mercado, isto é, maior quantidade de homens consumindo cada vez mais. Claro que essa dinâmica é contraditória, é uma armadilha. Essa contradição explica as crises e a injustiça do capitalismo. Explica a sua realidade transitória.
As constatações básicas do materialismo dialético é que só existe a matéria e que a matéria é devir, é transformação. Toda transformação consta de um presente (uma síntese), trabalhado por um passado (uma tese) e um futuro (uma antítese). Em todo o presente existe um final de um passado e o início de um futuro. O presente é sempre uma luta entre a tese e a antítese, que finda em uma síntese (um presente, que é uma nova realidade). Mas, essa síntese nunca é tranqüila, já que ela, que é o presente, contém em si mesma a nova tese e a nova antítese. O mundo é transformação dialética permanente. O mundo é processo dialético.
Na luta dialética entre capital e trabalho, a síntese é a sociedade dos trabalhadores, a sociedade sem classe, sem patrão. A síntese será a sociedade sem classes, porque a classe trabalhadora crescerá sempre, em razão da marcha inexorável para cada vez menos capitalistas e cada vez mais assalariados, e também porque o trabalho é que produz o capital.
A realidade humana é essa luta incessante pela sobrevivência. É a forma de relações no uso dos recursos produtivos dos objetos de subsistência que definem o tipo de sociedade humana. Isso - a economia, as relações da produção - é o substrato básico da sociedade humana. Tudo mais é conseqüência, é superestrutura. A religião, o direito, a política, a ciência, as artes, a cultura, tudo é superestrutura. Tudo o mais é moldado pela atividade econômica. O capital deve ser propriedade comum. A propriedade individual deve restringir-se aos bens necessários para a subsistência e exigidos pela contribuição individual para a sociedade. A propriedade capitalista pertence à sociedade e deve ser possuída e administrada pelo Estado. A família é uma excrescência hipócrita da sociedade capitalista, que deve ser extinta. A herança é conseqüência da família capitalista e também deve ser extinta. As relações de procriação devem ser livres e descompromissadas. A criação e a educação são obrigações da sociedade e devem ser ministradas pelo Estado. O materialismo dialético foi uma poderosa e grande verdade.
Os marxistas não simpatizavam com os anarquistas, isto é, aqueles grupos de intelectuais também materialistas e comunistas, que rejeitavam o Estado (an=sem e arquia=poder,comando). Os anarquistas afirmam a total igualdade social e a democracia direta, sem representantes. A sociedade é uma parceria, é associação livre de iguais. Toda representação é desigualdade. É espúria. É dominação de poucos sobre muitos.
Mas, a mais revolucionária verdade do século XIX EC foi a evolução natural das espécies de Charles Darwin. Nós já vimos que até o século XIX, se acreditava que tudo o que existia existira desde a criação do Universo. As espécies botânicas e zoológicas sempre haviam existido, desde o começo do Universo, e haveriam de sempre existir. A transformação era só de indivíduos, isto é, uma geração era substituída por outra. Charles Darwin demonstrou que espécies desaparecem e novas espécies aparecem. Esse processo é gradual e aleatório. Os organismos sofrem continuamente pequenas alterações.
O meio ambiente sofre continuamente pequenas ou grandes alterações. As espécies e os indivíduos estão competindo por alimentos para sobreviver. Os indivíduos mais competitivos, isto é, mais adaptados ao meio ambiente, monopolizam toda a alimentação e sobrevivem. A espécie sobrevive nesses indivíduos mais bem adaptados. Os indivíduos menos competitivos não conseguem alimentos, não sobrevivem. A espécie desaparece com esses indivíduos. Charles Darwin afirma que a hipótese da competição pelos alimentos foi inspirada nas lições de economia de Malthus, o economista da superpopulação.
A ciência genética do século XX esclareceu que essas pequenas modificações aleatórias acontecem, sobretudo, no momento da fecundação, na reprodução sexuada, quando acontece a herança genética individualizada. A teoria da evolução através da seleção natural constituiu uma revolução mental tão grande quanto o heliocentrismo de Copérnico e Galileu. A história bíblica de Noé era reconhecida agora como uma lenda. Aliás, Cristóvão Colombo, ao descobrir a América, já duvidava da veracidade dessa história. As espécies não mais são realidades fixas, imutáveis. Ao longo do tempo, passa-se de uma espécie para outra. A transformação também abrange as espécies. Mais impressionante: o mais complexo provém do mais simples e a organização surge do acaso. A realidade é determinismo e acaso.
Naquele mesmo século de Charles Darwin, Louis Pasteur demonstrou que inexiste a geração espontânea. Foi uma formidável verdade: destruiu uma crença multimilenar! Gregor Mendel descobre as leis do fenômeno da hereditariedade. Haeckel, Gobineau e Chamberlain conduziram a teoria evolucionista na direção do racismo e concluíram que os alemães, arianos puros, constituiriam uma raça superior. O nazismo de Hitler, na primeira metade do século XX, encampou politicamente essa idéia e adotou a eugenia, o método de purificação da espécie humana.
A teoria evolucionista passou a dominar todo o conhecimento científico. Influenciou o desenvolvimento de ciências que surgiram naquele século XIX, como a sociologia, a psicologia e a antropologia. Até as ciências físicas e químicas bem como a cosmologia foram por ela influenciadas.