“Ordem e Progresso” é o lema que se acha
estampado em nossa bandeira nacional. Acho que a bandeira brasileira seja a
única bandeira nacional a conter lema. Essa bandeira e esse lema têm a sua
história.
Nas guerras de
antigamente, - infelizmente as guerras foram acontecimentos sempre muito
importantes na História, na vida humana – os exércitos necessitavam de bandeira
e de corneteiro, que eram pontos de referência, de direção e de união dos
combatentes. Eram objeto e pessoa imprescindíveis num exército. A bandeira e o
hino nacional fazem hoje o mesmo papel, com maior ênfase e abrangência, para um
povo, uma nação, um Estado.
Relembrando
meus quase cem anos de existência - estou entre aqueles 87 assistidos da PREVI
que teimam em subsistir com 90 anos ou mais -, não me recordo que, lá minha
cidade natal de Parnaíbaa, Dª. Raquel, a minha pavorosa primeira professora do
Grupo Escolar Miranda Osório, que me infligia uma reguada a cada erro de
aritmética ou português, nem minhas lindas, dedicadas, compreensivas e
carinhosas professorinhas do Grupo Escolar João Cândido hajam me explicado o
significado e o valor desses dois símbolos nacionais. Nunca meus sábios
mestres, padres jesuítas, ao longo dos estudos de Humanidades, Ciências,
Filosofia e Teologia, dezoito anos que com eles convivi, me explicaram o
significado e o valor dos símbolos nacionais. Ignoro se essas professoras e
doutos lentes possuíam a noção do significado dos símbolos nacionais.
Penso que hoje
é bem diferente, pois até existe, no programa do Curso Fundamental, a matéria
de Civismo. Nada obstante, não percebo que meus filhos e meus netos hajam
recebido qualquer informação sobre o significado e o valor dos símbolos
nacionais: a bandeira e o hino. Prossigo com a mesma dúvida sobre o grau de
conhecimento dos mestres atuais sobre essas matérias, que reputo
imprescindíveis num curso de Civismo.
O povo, a
nação, o Estado são construções mentais, resultantes de um conjunto de
circunstâncias tais como contiguidade territorial, acontecimentos históricos
fortuitos ou planejados, costumes, língua comum, amizades e inimizades,
interesses, domínio e submissão.
Por que existe
o Brasil, por exemplo? Em primeiro lugar, porque no século XV se imaginava que
a terra era uma superfície plana feita por Deus, que tinha um representante na
Terra, que era o Papa. O Papa, então, por interesse, desgostando outros súditos
fieis, decidiu dividir o Mundo entre dois súditos fidelíssimos, o rei de
Portugal e o rei de Espanha. Portugal ficou com a parte do Mundo que abrangia o
litoral do Brasil, a África e as Índias. A Espanha ficou com a maior parte da
América e o Oceano Pacífico. Em seguida, portugueses e paulistas, que não
gostavam de trabalhar, se embrenharam nas matas escravizando índios e procurando
ouro e diamante, tendo como consequência a rapinagem de terras espanholas, e
construindo o território atual do
Brasil. A língua portuguesa impôs-se através do extermínio dos indígenas e da
catequese dos jesuítas. Os costumes e valores recebemos dos negros escravos, os
poucos índios sobreviventes e, sobretudo, os portugueses.
Todos esses
acontecimentos, vividos ao longo de séculos, hoje nada mais são que recordações
históricas. Mas, tudo isso – o nosso território, a nossa língua, os nossos
costumes, a nossa comida, os nossos objetos, a nossa maneira de vestir, as
nossas festas, os nossos gostos, a nossa maneira de agir, de ser, a nossa forma
de conviver, a nossa sociedade, o nosso governo, o nosso Estado – existe numa
outra forma de ser, o País, a Nação, o Estado brasileiro, o Brasil, um conjunto
de coisas e de construções humanas, concreto, real, Não é mais, como
antigamente, realizado numa pessoa humana, como um rei, ou numa família, a
família real. O rei era o dono de tudo, era o dono do País. O Estado existe,
mas só é percebido hoje pela Razão. O Estado é algo concreto, definido
racionalmente e reconhecido pelo conjunto da Humanidade. Você é alemão, você é
inglês, você é brasileiro.
Aí está o
valor, a importância dos símbolos nacionais: toda essa grandeza humana, toda
essa riqueza humana que é ser brasileiro, e que só percebemos de uma forma tão
esquálida, tão pobre, que é um conceito racional, abstrato, se materializa num
símbolo visível, a bandeira, e num símbolo sonoro, o hino. Quando vejo a bandeira
brasileira, vejo todos os brasileiros com todo o seu arcabouço cultural, vejo o
Brasil todo. Quando ouço o Hino Brasileiro, sinto o Brasil todo, todos os
brasileiros, com toda a carga de sua História e Cultura: “Ouviram do Ipiranga
as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante.” Ah! Quanta
história, quanto valor, quanta riqueza no brado deste povo!...
Mal proclamada
a República e Rui Barbosa já idealizara uma bandeira para o Brasil, listrada e
estrelada como é a bandeira norte-americana. Diferia apenas no número de
estrelas e nas cores das listras, verde e amarelo. Afinal o Brasil tornara-se,
como todas as nações americanas, um Estado sem rei, democrático, cujo soberano
agora era o Povo, e, a exemplo, dos Estados Unidos, uma união de Estados: República
dos Estados Unidos do Brasil. Uma das correntes do movimento republicano
vitorioso era exatamente a daqueles que advogavam o Estado republicano, sem
rei, com soberania popular e a descentralização da autoridade soberana, a
exemplo exatamente dos Estados Unidos da América do Norte. Essa bandeira não
durou mais que quatro dias.
No dia 19 de
novembro de 1989, outra corrente do movimento revolucionário, a Positivista,
via a sua proposta de bandeira brasileira transformada em decreto, que fora
preparado pelo Ministro Benjamin Constant. Ela foi concebida por Raimundo
Teixeira Mendes, filósofo e político, com a colaboração de Miguel Lemos,
professor e político, Manuel Pereira Reis, engenheiro e astrônomo, desenhada
por Décio Vilares, artista de presença internacional, que acolheu a sugestão da
inclusão do Cruzeiro do Sul, da parte de Benjamin Constant. Grupo positivista esse de próceres do
Apostolado Positivista do Brasil, aqueles republicanos positivistas inspirados
nas ideias filosóficas e religiosas de Augusto Comte, inclusive a Religião da
Humanidade. Eles foram, durante dezenas de anos, movidos pelos valores da
sociedade industrial e pelas ideias do Iluminismo, Evolucionismo e Cientifismo,
ardorosos propagandistas da abolição da escravidão, da república, dos direitos
sociais e trabalhistas, do pacifismo, do laicismo e da justiça social. Ao lado
de Deodoro, naquela sua histórica cavalgada contra o Governo do Visconde de
Ouro Preto, ladeavam-no Benjamin Constant e Quintino Bocaiúva, ambos
Positivistas, e, que com outro Positivista, Demétrio Ribeiro, integraram o
primeiro ministério da república brasileira.
A bandeira
brasileira republicana, a atual, como adaptação da bandeira brasileira do
Império, projetada pelo pintor francês Jean-Baptiste
Debret, por encomenda de D. Pedro I, teria sido sugestão do Marechal Deodoro. O
brasão do Imperador foi substituído pelo ceu azul estrelado do dia 15 de
novembro de 1989, cortado por uma faixa branca com o lema “Ordem e Progresso”,
a orientação básica da atitude de conduta que o Povo Brasileiro deve adotar. A
cor verde é a da Casa de Bragança, de D. Pedro I, e a amarela é a da Casa de
Lorena (da rainha Dª Leopoldina, da linhagem austríaca dos Habsburgos). As
estrelas da primeira bandeira republicana eram vinte e uma, representando as
repúblicas de então, inclusive a capital federal.
Segundo o Decreto n.º 4, de 19 de
novembro de 1889, que criou a bandeira republicana, "(...) as cores da nossa antiga bandeira
recordam as lutas e as vitorias gloriosas do exercito e da armada na defesa da
pátria; (...) essas cores, independentemente da forma de governo, simbolizam a
perpetuidade e integridade da pátria entre as outras nações."
Já o lema é
parte do pensamento completo materialista, formulado por Augusto Comte, sobre a
organização estatal: “O amor por princípio, a ordem por base e o progresso como
fim.” Augusto Comte entendia que a sociedade funcionava segundo comportamentos
determinados, exatamente como a natureza inanimada. Movido por seus instintos
egoísticos na vida privada, o homem se engaja na sociedade arrastado pelo
instinto do altruísmo, palavra por ele criada, pela amizade, pelo amor ao
outro, agindo segundo comportamentos estereotipados, as leis sociais, cuja
observância engendra a ordem que produz o progresso, a perpétua elevação do
nível do bem-estar social.
Esse lema foi
logo contestado pelo arcebispo do Rio de Janeiro de então, e até livro se
escreveu contra ele. Vem-se arguindo contra ele o viés de mentalidade
autoritária, como se norma não pudesse consistir num dos mais preciosos
constructos da cultura humano, o Direito, ordem consensual de cidadãos que
prezam a dignidade da pessoa humana. Certamente desgostava aos políticos
liberais como Campos Sales, Ministro de Estado, e republicanos de outros matizes,
como Rui Barbosa e Aristides Lobo, que entendiam o egoísmo, a realização
pessoal, erigir-se na única motivação pessoal do indivíduo humano, racional e
autônomo. Mas não desagradava, mutilada, aos Positivistas e militares, embora
não representasse toda a pujança de seus ideais. Entendo, outrossim, a omissão
da parte inicial do pensamento de Augusto Comte, ter sido operada também por
motivo de espaço e estética.
Seja como for,
eis a intenção, naquele dia 15 de novembro de 1989, do grupo mais atuante dos
pais de nossa república: instituir um Estado, unidos os cidadãos pelo elo da
amizade, da fraternidade, da convivência harmoniosa, pacífica, compreensiva,
organizado da forma mais racional e adequada a produzir o mais alto nível de
bem-estar social.
Não percebo
antinomia irredutível entre o egoísmo e o altruísmo, ambos instintos humanos,
e, como disse Públio Terêncio Afro, há dois mil anos: Homo sum, nihil humanum a
me alienum puto (Sou Homem, nada de humano entendo estar alheio a mim). Sou
egoísta e sou altruísta para o meu próprio bem. A mais recente ciência
neurológica ensina que existe o hormônio da felicidade que se excita num
abraço. Eu sou feliz amando as outras pessoas, convivendo com elas num clima de
compreensão e amizade. Eu sou infeliz quando cultivo um ambiente de ódio, de
inimizade, de incompatibilidade.
Na felicidade
de um empreendimento social, como é o Estado, construímos o ambiente necessário
para que viceje a Vida Plena e Feliz que cada cidadão precisa construir para si
próprio. Esse é o lema “Ordem e Progresso”. A Ordem é o consenso fraterno, é o
básico, o imprescindível, o comum a todos, o de que todos se nutrem, o que a
todos pertence.
Não acredito
que o progresso brote do caos, da anarquia, da irracionalidade, da
desorganização. O progresso é uma marcha do devir, do fluir do tempo. O
progresso é o presente, o dia de hoje, um equilíbrio instável, que une o nada
do ontem com o nada do amanhã. Ele é o ser, síntese dos caos que é o ontem e o
caos que é o amanhã. É equilíbrio e caos. É ser e não-ser. É ordem e desordem.
O progresso é a própria modesta, limitada racionalidade, organização
contraditória, imperfeita ordem humana.
Nada disso
veta que intuamos no verde da bandeira nacional as florestas e no amarelo as
riquezas minerais do País e no conjunto colorido toda a riqueza do nosso solo e
clima.
Já em l906, na
letra do maravilhoso Hino à Bandeira, encomendada pelo imortal prefeito do Rio
de Janeiro, Pereira Passos, ao maior poeta parnasiano brasileiro, Olavo Bilac
identificava nela tantos significados:
“Salve! Lindo
pendão da esperança!” Ah! Quanta esperança, de tantas pessoas, há tantos anos!
Salve! Símbolo
augusto da paz! Símbolo de um Povo, de cidadãos em convívio de entendimento, de
ordem, de paz!
“Tua nobre
presença à lembrança a grandeza da pátria nos traz!” Recorda-nos toda a nossa
gente, nossos pais, nossos avós, nossos filhos, nossos netos, nossos parentes,
nossos amigos, nossos concidadãos, nosso Povo com sua cultura e sua história.
“Em teu seio formoso retratas
este céu de puríssimo azul, a verdura sem par destas matas, e o esplendor do
Cruzeiro do Sul.” Tudo nela está simbolizado nas cores verde, amarela, azul e
branca, toda a riqueza de nosso ecossistema, as matas, a riqueza mineral e
bioquímica: o Brasil, celeiro da Humanidade.
“Contemplando o teu
vulto sagrado, compreendemos o nosso dever, e o Brasil por seus filhos amado,
poderoso e feliz há de ser!” O altruísmo, a amizade, o convívio fraterno é
obrigação de cada um de nós, que construirá um Estado poderoso e feliz e amado,
um paraíso terrestre onde cada brasileiro é capaz de realizar , da forma mais
perfeita e atual, seu projeto individual de Vida Plena e Feliz!!