sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

235. O Patrimônio

O parecer jurídico, elaborado pela Consultoria do Ministério da Previdência Social, com a finalidade de justificar o instituto da Reversão de Valores, apela, como se sabe, para a aplicação do Princípio da Proporcionalidade Contributiva ao fato econômico e jurídico da distribuição da RESERVA ESPECIAL do Plano de Benefícios Previdenciários.

E a respeito desse assunto quero externar a estranheza que me provoca a leitura desse parecer, já que a frase usada me soa como de raciocínios soltos, incluindo indevidamente a hipótese da Reversão de Valores, na qualidade de suposição quando, a meu ver, o que importava provar era exatamente a legalidade da Reversão de Valores.

Não creio que a atividade da administração financeira, exercida pela EFPC, seja razão decisiva para se decidir pela LEGALIDADE DA REVERSÃO DE VALORES, como parece estar contido naquele documento: “...os investimentos do fundo são atividades meio em relação à finalidade de garantir o pagamento dos benefícios contratados, configurada a hipótese de reversão de valores de recursos, esta deve necessariamente obedecer à proporcionalidade contributiva...”

Por que essa alusão a INVESTIMENTOS DO FUNDO? As RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS não são investimentos financeiros do Patrocinador e dos Participantes. O Fundo de Pensão Previdenciário não é um Fundo de Investimento Bancário. EFPC não é Banco. Os fundos de investimentos bancários são empréstimos que os participantes fazem a um Banco, porque Banco tanto empresta quanto toma emprestado. Os recursos investidos nesses fundos bancários continuam vinculados ao patrimônio do cliente através dos respectivos títulos de crédito. Passam à propriedade fiduciária transitória do Banco para retornar em futuro determinado ao patrimônio do cliente.

As Contribuições não são empréstimos. São fatos jurídicos muito mais próximos da doação. E quando se doa algo a outra pessoa, o donativo deixa de pertencer ao patrimônio do doador e passa simplesmente a pertencer ao patrimônio do beneficiado. As Contribuições feitas à EFPC pelo Patrocinador e pelos Participantes passam a integrar o PATRIMÔNIO DA EFPC, conforme o artigo 31-§3º da LC 109: “Os responsáveis pela gestão dos recursos de que trata o inciso I do parágrafo anterior deverão manter segregados e totalmente isolados o seu patrimônio dos patrimônios do instituidor e da entidade fechada.”

Nem o patrimônio de uma EFPC pode sequer comparar-se com o patrimônio de uma empresa, cujas parcelas de capital se vinculam ao patrimônio do cotista ou do acionista, de modo que a Lei exige que os títulos representativos de cotas e ações do capital da empresa sejam declarados como valores constitutivos do capital da pessoa física do cotista ou acionista.

Os mestres do Direito Previdenciário afirmam que a Contribuição é uma espécie de prêmio de seguro. E eu vejo a justificativa dessa conceituação na própria Constituição Federal, quando no artigo 201, em diversos incisos, como no IV e V, por exemplo, denomina o beneficiário de SEGURADO! É incontroverso que o prêmio de seguro pago à seguradora não mais é propriedade, patrimônio, do segurado. Ele integra indiscutivelmente o patrimônio da seguradora. É incontroverso que a contribuição feita pelo patrão para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço não mais é propriedade do patrão. É incontroverso que a contribuição que o empregador faz ao INSS para obter os benefícios do RGPS não é mais propriedade do empregador. Nada pode a respeito dela ele reivindicar para proveito próprio.

Pois bem. Nada disso, segundo o texto, que conheço, do parecer que embasou a Resolução CGPC 26, foi discutido pelo ilustre Procurador. Ora, é exatamente esse um dos assuntos analisados pelo Desembargador Sergio d’Andrea Ferreira.

O Desembargador discorre sobre o conceito jurídico de patrimônio, demonstrando as especificidades do patrimônio global, do patrimônio geral e do patrimônio separado. Quero salientar o aspecto característico desse patrimônio separado, patrimônio de afetação, patrimônio de VINCULAÇÃO. O patrimônio separado é, pois, um patrimônio que tem destinação. Isso são as RESERVAS DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS: patrimônio separado, com a destinação de serem gastos no pagamento de benefícios previdenciários.

Outro aspecto enfocado pelo Desembargador é que no Plano de Benefício Definido o patrimônio não é um conjunto de cotas patrimoniais individuais. Não, o patrimônio é um patrimônio comum dos Participantes, montante patrimonial global, parcialmente indistinto. E cita nada menos que Pontes de Miranda: “Na comunhão de patrimônio, ou patrimônio comum, o patrimônio tem por titular duas ou mais pessoas. Cada uma delas tem seu patrimônio geral e parte indivisa no patrimônio comum... não é direito real... é direito sobre o patrimônio especial.”

Os participantes não possuem direitos reais a partes do patrimônio do Plano, isto é, não tem direito a parcelas específicas desse montante. Eles possuem direitos obrigacionais. Disserta, a propósito, sobre o caráter fiduciário do patrimônio separado da EFPC. Isso significa que a EFPC é proprietária temporariamente de um patrimônio, que é destinado a ser transferido no futuro a outras pessoas, e estas pessoas são os PARTICIPANTES e ASSISTIDOS. O PATROCINADOR É MERO CONTRIBUINTE. NÃO É COMUNHEIRO NEM BENEFICIÁRIO.

Mas, contestar-se-ia, existe toda uma contabilidade que identifica, a cada momento, a parcela a que cada Participante e Assistido faz jus. Trata-se de mero registro, afirma o Desembargador: não se tem direito real a uma quota-parte, mas um direito obrigacional, de crédito. Resgata-se o contrato previdenciário privado, que enseja o direito econômico ao valor corresponde às contribuições.

A exposição elaborada pelo Desembargador apresenta na linguagem do jurisconsulto, do cientista do Direito, aquela ideia que me parecia revelar-se na leitura da LC 109, a saber, a Contribuição, ao ingressar na EFPC, desgarra-se totalmente do patrimônio do Contribuinte e transforma-se na realidade econômica de patrimônio da EFPC, cuja natureza jurídica contém relação indissolúvel com os Participantes, através de vinculação finalística.





4 comentários:

  1. Prezado e admirado Edgardo,

    É, parece que a industria dos Pareceres encomendados para tentar justificar o injustificável anda "de vento em popa" em nosso País. E a prova inconteste disto foi nos trazida agora pela Polícia Federal sobre a turma da Rosemary.

    Para se conseguir algo imoral e anti-ético na esfera governamental, é só encomendar tais Pareceres, pagando-se lá só Deus sabe o quanto.

    Também a indústria da corrupção no País se aperfeiçoa a cada dia, tornando-se tal prática "perfeitamente" normal entre nossos "senhores feudais contemporâneos".

    Parabéns, amigo Edgardo, por mais este excelente artigo.

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    1. Amigo Juarez
      Espero que a ANAPAR consiga realizar o milagre, que está tentando fazer acontecer nas reuniões do CNPC, a saber, a revisão da Resolução CGPC 26. Espero que ela consiga fazer com que se reconheça o destino exclusivo das RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS PARA GASTOS COM BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS na Retirada de Patrocínio, que deve ser fato RARO, EXCEPCIONAL, ABSOLUTAMENTE JUSTIFICADO, NECESSÁRIO e assim reconhecido por TODOS OS INTERESSADOS, inclusive os PARTICIPANTES e ASSISTIDOS, TODOS DELIBERANDO DE BOA FÉ. Espero que ela NÃO NEGOCIE NEM O COMPARTILHAMENTO DA RESERVA ESPECIAL COM O PATROCINADOR. Odeio esta palavra NEGOCIAÇÃO. Não se negociam DIREITOS. As pessoas se reunem e CONSTATAM O QUE É JUSTO e HARMONIOSO COM O BEM COMUM. NADA DE TOME LÁ, DÁ CÁ!
      Edgardo Amorim Rego

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    2. Edgardo consegue exprimir com exatidão o que sentimos com relação a esse assunto, qual seja a inconstitucionalidade da famigerada Resolução CGPC 26, bem como outros assuntos. Parabéns pela assertiva. Ao comentar assuntos dessa natureza, possibilita-nos melhor assimilar o que realmente ocorre nos bastidores do BB - PREVI - CASSI e Ministério da Previdencia. Muito obrigado por seus esclarecimentos.
      Luiz Faraco, de Florianópolis (SC)

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    3. Faraco amigo
      O conhecimento deve ser a luz a iluminar as nossas ações. Ele possibilita ajustar as nossas ações ao conjunto dos fenômenos existenciais em que vivemos mergulhados e deles obter o que nos permite sobreviver! É isso, o conhecimento guia a nossa sobrevivência!
      Edgardo

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