segunda-feira, 7 de julho de 2014

294. O Contraditório

Entre meus grandes amigos, possuo um, que nem pessoalmente conheço. Tenho-o, é claro, em alta conta. Filho maravilhoso, inexcedível no zelo pela sua idosa e adoentada mãezinha, Cláudio Augusto Falco, reside lá na longínqua cidade de Palmital, do Estado de São Paulo, fronteira com o Paraná. Essa ACP do Procurador da República do Estado do Rio de Janeiro contra o instituto da Reversão de Valores deve muito à atividade incansável de Cláudio, como posso testemunhar.
 
 
Sempre lhe envio pelo e-mail os textos que publico em meu blog. E ele sempre me faz apreciações e sugere alterações no texto. Desta vez, além das habituais sugestões, Cláudio, de forma muito sutil, atitude própria de quem é excepcionalmente educado, me enviou o contraditório a esse meu último texto o “283. O Representante da PREVIC”, colocando na sua mensagem passagens da exposição do pensamento da PREVIC, que se encontram no texto taquigrafado da Audiência Pública do Senado, e concluindo com a seguinte observação:
 
 
“O artigo 19 da LC 109/01 manda gastar as reservas no pagamento de benefícios previdenciários. Não proíbe, todavia, o gasto noutros pagamentos. Logo, nela existe lacuna. E a GGPC é quem tinha na época autoridade para regulamentar essa lei e a regulamentou, introduzindo o instituto da Reversão de Valores, sem INOVAÇÃO. Logo, esse instituto é legal.”
 
 
Cláudio colocou esse contraditório com propósitos provocativos de aguçar a minha reflexão e obter maior elucidação do texto. Não a colocou porque pense que seja objeção consistente. Absolutamente. Ele sabe que não o é.
 
 
Aparentemente esse contraditório é poderoso, parece até mesmo decisivo. Ele baseia-se no mandamento constitucional da legalidade: “Artigo 5º-II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” É-se obrigado a fazer o que a lei manda fazer. E é-se livre para fazer o que a lei não proíbe fazer. Aparentemente até justifica o instituto da Reversão de Valores, como pretende o representante da PREVIC, ao interpretar a expressão “Reserva Especial para revisão do Plano de Benefícios”.
 
 
Ora, nós já vimos em textos anteriores que este é o mandamento do artigo 19 da LC 109/01:
“TODAS as contribuições, que são separadas como reservas, são separadas para pagamentos de BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS.” Acho esse mandamento, nesses termos, incontroverso, não apenas diante do teor do próprio artigo 19, como de toda a contextura da LC 109/01.
 
 
Até parece que aí existe apenas um mandamento de FAZER, não existindo nenhum mandamento de NÃO FAZER, como entende a PREVIC: “ Será que a PREVIC efetivamente percebe dessa forma esse mandamento? Custa-me acreditar. Seja como for, quem assim pensar está completamente enganado.
 
 
Reservar em Finanças e Contabilidade, é separar valores com determinada finalidade, explica qualquer dicionário de Economia e Finanças. Isso é ponto pacífico. Reservei essa quantia para comprar um automóvel, ou para gastar nas férias, ou para pagar os meus estudos. Se é para comprar um automóvel, não é para gastar nas férias nem pagar os meus estudos. Então, reservar implica um mandamento de fazer simultâneo com um mandamento de não fazer.
 
 
Assim, Reservas para POUPANÇA, por exemplo, são recursos financeiros para colocar em contas de poupança em alguma instituição financeira e que, portanto, NÃO PODEM SER GASTOS nas compras do supermercado. Reservas para investimentos são recursos financeiros separados para serem gastos na aquisição ações de uma empresa, e, portanto, NÃO PODEM SER GASTOS na compra de comida.
 
 
Ora, o mandamento do artigo 19 da LC 109/01 afirma que AS CONTRIBUIÇÕES separadas como RESERVAS SÃO PARA PROVER PAGAMENTO. Então, a nossa primeira conclusão é que AS CONTRIBUIÇÕES SÃO SEPARADAS PARA SEREM GASTAS e, portanto, NÃO SÃO SEPARADAS PARA SEREM POUPADAS. Mais, são separadas para serem gastas NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Não pode haver mandamento mais pormenorizado! As Contribuições SOMENTE PODEM SER GASTAS NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS DE NATUREZA ALIMENTÍCIA, DE SUBSISTÊNCIA (aposentadoria, pensão, etc.), isto é, de pessoas físicas que precisam sobreviver! Elas, portanto, não podem ser gastas na REVERSÃO DE VALORES AO PATROCINADOR, porque isso é UMA VANTAGEM, isto é, é um BENEFÍCIO, que não é, nem pode ser, um BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, já que uma empresa não precisa de proteção alimentícia, porque não se alimenta.
 
 
Assim, é evidentíssimo que o artigo 19 da LC 109/01 é, ao mesmo tempo, um mandamento de fazer e um mandamento de não fazer. É, portanto, evidente que ele somente permite o gasto das reservas (contribuições separadas) no pagamento de benefícios previdenciários, proibindo o gasto no pagamento da Reversão de Valores ao Patrocinador ou qualquer outro tipo de vantagem.
 

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