Adam
Smith afirmou, em 1776 no seu livro Riqueza das Nações, considerado a obra
inicial da Escola Clássica da Economia e da teoria do livre mercado, que a
livre atividade econômica de cada agente econômico produz em seu conjunto um
resultado não conscientemente perseguido, consistente no nível de equilíbrio
das atividades globais de demanda e oferta de bens. Adiciona que esse nível de
equilíbrio é aquele em que a demanda global existente é plenamente satisfeita
ao nível de preço que os demandantes estão dispostos a pagar. Não entrarei na
discussão desta última assertiva, adicionando, todavia, que o próprio filósofo
sentiu que se compram produtos por preços superiores aos desejados, que se
consideram justos pagar.
Vinte
e nove anos depois, Hegel desenvolveu ideia semelhante, em perspectiva muito
mais ampla, nas suas famosas obras filosóficas, onde afirma que a realidade é o
Absoluto, o Espírito, a Razão: “O que é racional é real; e o que é real é
racional.” Ubaldo Nicola explica: “A realidade forma no seu conjunto um
organismo, uma estrutura unitária em que cada parte pode ser entendida somente
em relação ao todo a que pertence.” Stephen Law esclarece que “Hegel usa o
termo Geist (Espírito) para se referir a esse processo mundial, no qual mentes
individuais não têm importância, sendo meros joguetes numa dinâmica impelida
por sua própria lógica inexorável.”
Deparamo-nos
aqui com aquela mesma intuição que gerou o mito grego das deusas Moiras, as
Parcas dos Romanos, que tecem os destinos dos homens. Mito que passou para o
Evangelho Cristão, na roupagem muito mais rica da Providência Divina, nos
versículos 27 e 28 de Lucas: “Olhai os lírios como crescem... Se é assim que
Deus veste a erva, que hoje está no campo e amanhã será lançada no forno,
quanto mais vós, homens de pequenina fé!” E logo depois a Igreja de Roma, na
Idade Média, considerará a Providência Divina um dogma de fé.
Claro
que a intuição de Hegel assume os contornos de perspectiva meramente
filosófica, que tem a dimensão genial de seu autor, que Stephen Law alça à
grandeza de “o maior filósofo alemão”, superior, pois, ao próprio Kant. Essa
ideia da poderosa influência do ambiente social e cultural sobre o indivíduo já
se lê que foi tão viva em Sócrates, que atribuía tudo o que ele era à cidade de
Atenas. E tal era o sentimento de reconhecimento do filósofo grego à sua
Cidade, que ele, na imortal reflexão filosófica proferida ante à morte,
rechaçou a proposta de evasão por julgar a fuga à pena de morte da Lei, que lhe
fora imposta, um ato de ingratidão e injúria à Cidade que fizera o que ele era.
Hegel
entende como Heráclito que a realidade é devir, é processo. É, porém, um
processo que tem causa. Só acontece o que as circunstâncias fazem acontecer e
as circunstâncias só fazem acontecer o que pode acontecer. Tudo que acontece
tem razão de ser. E tudo que tem razão de ser acontece. Tudo é racional, tudo
tem explicação. A Razão não é o espelho da realidade. A Razão é a Realidade. É
o Espírito.
É
o Absoluto, cujo devir realiza a História na sua marcha dialética, um processo
de três fases: tese, antítese e síntese. Ubaldo Nicola explica que, segundo
Hegel, “cada estado da realidade, cada ser, se encontra a cada instante em uma
condição contraditória. E aquilo que é se afirma e existe de um modo, mas ao
mesmo tempo se nega, torna-se outra coisa... todo ser, existindo, realiza a
unidade de contrários.” Eis, em concreto, a genialidade, a novidade, a revolução
da intuição original da filosofia de Hegel: a filosofia toda que o precedera
afirmou que o mundo sensível não era objeto do conhecimento, enquanto para Hegel
ela é o Inteligível, a Realidade, o Ser, o Espírito, a Razão, a História, o
Absoluto, Deus. Hegel reencontra a seu modo Spinoza.
Karl
Marx, quarenta anos depois, tomou emprestadas a Hegel essas ideias, para
elaborar a doutrina do materialismo dialético. Não existe Espírito. Só existe a
matéria. A realidade humana é a estrutura de relacionamentos que constituem a
atividade econômica. E a História é o processo de realização e transformação
dessas relações econômicas na forma dialética em três fases: tese, antítese e
síntese. Assim, as relações da economia capitalista atual estão engendrando a
próxima fase da ditadura do proletariado, e a esta seguir-se-á a fase da
perfeita igualdade e liberdade sociais.
A
filosofia de Hegel infelizmente proporcionou no século passado experiências
políticas extremamente desastrosas para a Humanidade, na forma de Estados
totalitários: o stalinismo, o hitlerismo e o fascismo. Segundo Ubaldo Nicola,
Hegel pensou que “o Estado é a encarnação suprema da moralidade humana e,
portanto, é em si sede de valores... o Estado é uma totalidade orgânica... não
uma soma de pessoas... Não são os cidadãos que fundam o Estado, mas o Estado
que funda os indivíduos.” O Estado hegeliano, portanto, é totalitário.
Por
isso, em razão de sua teoria política, sua filosofia perdeu muito do prestígio
que alcançara. De fato, Hegel expressou explicações e tirou conclusões
inaceitáveis sobre o fenômeno político. Ressaltou a soberania dos Estados e
refugou uma sociedade mundial. O princípio do direito internacional não é um
contrato constitutivo de uma sociedade de nações, limitando-se apenas ao
cumprimento dos tratados que os Estados Nacionais decidiram soberanamente
assumir. Admitiu a soberania popular, mas a luta é essencial à vida do Estado.
A guerra é essencial tanto para a vida das Nações como nas relações
internacionais. O Estado da Natureza, aquele estado de guerra do homem bárbaro,
o Leviatã imaginado por Thomas Hobbes, que a Humanidade repele, é de fato,
segundo Hegel, o próprio Estado do homem civilizado, e o motor de seu devir, do
seu progresso. Estado sem guerra é estado estagnado. Enfim, Ubaldo Nicola diz
que Hegel imagina o Estado como “um organismo vivo e necessariamente compacto e
unitário, uma verdadeira família ampliada. É o momento culminante e insuperável
da eticidade, o que de mais completo e perfeito produziu o desenvolvimento da
espiritualidade humana.” Afinal de contas, explica Ubaldo Nicola, para Hegel,
tal qual também pensava Maquiavel, a Filosofia não se ocupa em prescrever “como
o mundo deve ser, mas limita-se a explica-lo.”
Realmente,
a realidade atual do Brasil e do Mundo inteiro não enseja que se discorde com
total segurança do que ensinou Hegel. Até entendo que a efervescência social
belicosa a que se assiste no cenário nacional e internacional é, em parte,
estimulada pelas ideias hegelianas hauridas nas universidades. Vejo na
televisão que a juventude universitária tem participado desses movimentos de
rua em todas as regiões do planeta. Assisto a entrevistas com líderes desses
movimentos, que são intelectuais formados até nas mais conceituadas
universidades existentes e até líderes políticos de insigne atuação em
entidades situadas no mais alto nível da estrutura política mundial. Desfilam
ante a nossa vista chefes de Estado, pessoas da mais alta formação
universitária, atuando nesse cenário, por vezes de forma estranha, e até por
vezes marcadas por atitudes marginais, que só se adotam sob a obscuridade da
chicana e da amoralidade. Não desconheço a provável interferência de
personalidades marginais, com o simples interesse de se aproveitar para tirar
proveito pessoal econômico de movimentos originalmente patrióticos e
idealistas.
Nada
obstante, leio em Stephen Law perspectiva que abre janela mais ampla para as
lições ministradas por Hegel. Ele ensina que “o fim da história significa
libertação humana... ausência de coações, pois... ignora as forças que
determinam as escolhas que fazemos e que escapam ao nosso controle.” Não
estaria se reportando à famosa mão invisível de que fala Adam Smith? E continua
explanando que, consoante Hegel, “a verdadeira liberdade só pode ocorrer depois
que controlamos essas forças. Isso não pode acontecer enquanto a sociedade for
tratada como uma coleção atomizada de indivíduos, cada um perseguindo seus
próprios objetivos, mas somente quando a vontade do indivíduo for absorvida na
vontade do coletivo e reconhecida pela razão como partilhada por todos. Então
ela não será mais algo de que nos sintamos alienados, e reconheceremos nosso
dever social como sendo de nosso próprio interesse. Livres de conflito, numa
comunidade racional, harmoniosa, nos tornaremos autolegisladores e, assim,
enfim livres.”
Julgo
que esse entendimento se aproxima da visão de Karl Marx que descrevia o fim da
História na comunidade de plena igualdade e liberdade, depois do período atual
de lutas de classe na sociedade capitalista, seguida da fase totalitária sob o
domínio da ditadura do proletariado.
Percebo
essa premunição hegeliana harmonizada com as doutrinas da Psicologia Social
contemporânea, com os anseios dos movimentos sociais contemporâneos e com a
realidade da sociedade de informação em que se transformou o Mundo atual.
O
mundo de informações que hoje circunda todas as pessoas, e a cada dia se
amplia, não mais admite profundas desigualdades sociais. A Psicologia nos
informa que o Homem nasce apenas com um aparelho de captação de informações
semelhante, que se aperfeiçoa ao passo que é posto a funcionar. E adiciona que
a pessoa é o que é através das experiências que vivencia. A pessoa se constrói ao
longo da vida. Adverte que maior é a diferença entre uma pessoa construída por
refinadíssima educação e outra isolada desde o nascimento, do que entre esta e
um primata outro antropoide. A Filosofia moderna ensina que “Eu sou eu e minhas
circunstâncias” (Ortega y Gasset). “O reino da necessidade (centrado no
princípio do desempenho e da eficiência, que suga toda a energia humana) será
então substituído por uma sociedade não repressiva, que reconcilia natureza e
civilização, na qual se afirma a felicidade do Eros libertado.”, profetizou
Herbert Marcuse. Jean Paul Sartre opinava: “O homem inventa o homem.” E
insistia: “eu sou obrigado a querer ao mesmo tempo minha liberdade e a
liberdade dos outros, e não posso tomar minha liberdade como fim se não tomar
igualmente como fim a liberdade dos outros.”
Eis
porque entendo todas estas intensas perturbações sociais, existentes atualmente
no Brasil e por toda a Terra, como indícios de que estamos ingressando nessa
nova fase da História, a Era do Conhecimento, a
da igualdade e da liberdade, para a qual converge a marcha da História, no
que concordam, fato inacreditável se não houvesse ocorrido, os dois filósofos,
Alexis de Tocqueville, o filósofo do Liberalismo, e Karl Marx, o filósofo do
Socialismo, a Direita e a Esquerda política.
Neste
umbral da Era do Conhecimento, fica-nos a impressão de que não apenas as nossas
organizações sociais e de classe, mas até mesmo a organização estatal, deveriam
avançar no sentido de maior participação direta da população. No caso
particular do Estado Brasileiro, entendo que assistimos a movimentos populares
que não só exigem dos três poderes do Governo respeito à Lei, igualdade perante
a Lei, mas também efetivo funcionamento da democracia semidireta consagrada na
Constituição Brasileira.
Nós
poderíamos iniciar esse movimento de ingresso na Era do Conhecimento, adotando
em nossas associações de funcionários e aposentados do Banco do Brasil, essa
administração direta, condizente com a nossa dignidade de cidadãos conscientes,
responsáveis, dignos, iguais e livres.
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