terça-feira, 3 de outubro de 2017

394.A Seguridade Social (conclusão)



 Assim como o direito à Assistência à Saúde, também o direito à Previdência Social se submete à Constituição, às leis e, no caso dos funcionários do Banco do Brasil pré-1998, segundo entendo, a três contratos, o do trabalho e dois específicos da Previdência Social, o da Previdência Social Básica e o da Previdência Social Complementar, este se contratado.

Já analisamos o alcance das normas constitucionais do Primado do Trabalho, da universalidade e da equidade do direito protetivo da seguridade social, bem como dos princípios que regem o ato jurídico do contrato, a formulação antiga da Súmula 288 do TST e o recente documento do MPF, em atuação na Lava-a-jato, onde se diz que contrato é ato jurídico perfeito.

Afirmamos que Seguridade Social é compromisso de gerações: a geração passada, que gerou e formou a geração presente, quando já deficiente e inabilitada para o trabalho, é sustentada pela geração presente.

Afirmamos, outrossim, que Previdência Social é negócio de proteção, de seguro, entre cidadão e Estado, contra os dois azares mais agressivos ao trabalho e à vida, a saber, a inabilitação e a morte. Essa segurança de permanência das condições de existência contra os azares das transformações, que constituem o tempo, é precisamente a razão de ser do negócio que é a Previdência Social e, no meu entendimento, uma característica fundamental daquilo que se intitula Civilização.   O homem civilizado é um homem que quer ser feliz durante a vida e, portanto, é previdente, previne-se contra os azares que o futuro pode aportar-lhe contratando com a geração, que colocou no mundo, representada pelo Estado, os meios que detém para prevenir ou, ao menos, abrandar o infortúnio.

Vimos que, na década de 30 do século passado, o Estado Brasileiro, através dos Institutos de Aposentadoria e Pensão, realizou esse projeto garantindo, inicialmente, renda para o empregado aposentado em nível bem aproximado dos últimos salários da vida ativa.
                                       
Vimos que o Banco do Brasil, naquela época, até o ano de 1967, completava a aposentadoria, garantindo a renda da data da aposentadoria.

Acontece que em 1957, Juscelino Kubitschek havia  editado a lei 3238/57, cujo artigo 1º promoveu a seguinte modificação na Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro:
“O art. 6º, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942), passa a ter a seguinte redação:
"Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso."

Entendo que essa lei quis definir exatamente o sentido das leis pétreas constitucionais. Então, um ato jurídico perfeito é imutável, até por uma mudança constitucional. Concordo.

Discordo quando se pretende transformar os direitos futuros contratuais em MERA EXPECTATIVA DE DIREITO. Não, os direitos contratuais futuros como os direitos contratuais presentes são regidos da mesma forma pelos princípios contratuais que em texto anterior explanamos: obrigam igualmente, exigem boa fé e equilíbrio dos contratantes, exigem que o Estado proteja o contratante mais fraco, o direito futuro só pode sofrer alteração por acordo mútuo, somente a imprevisibilidade ou o interesse social justificam a alteração ou a supressão de um direito contratual futuro. Isso posto, concordo que um direito futuro possa ser alterado e até mesmo supresso por uma lei superveniente, mas somente com base nesse dois motivos: IMPREVISIBILIDADE OU FUNÇÃO SOCIAL.
                                                                                           
Recorde-se igualmente que a Constituição Brasileira, além de colocar o Primado do Trabalho no pináculo das normas constitucionais, erige o princípio da segurança, como o princípio básico da Previdência Social. A Constituição Brasileira é uma CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA, DEMOCRÁTICA DO BEM-ESTAR SOCIAL.
                               
Considerado tudo o que expus acima sobre os direitos contratuais e sobre a lei 3238/57, vejo-me perplexo quando percorro a história recente de nossa previdência social.

Com efeito, os princípios jurídicos contratuais amparavam os termos da norma de serviço que impôs a transferência da relação contratual previdenciária complementar do Banco para a PREVI? Não. Impossível apelar para a imprevisibilidade.  Tratava-se de uma história já longa de 70 anos, forçado o ingresso na PREVI em 1920, proibido pelo Estado em1934, novamente obrigado pelo Banco em 1967, talvez na suposição de que quem suporte o ônus da previdência seja aquele que dele assina o cheque. Será que Banco e Estado não tenham conhecimento do que informa Paul Krugman no seu livro texto de Economia: a maioria dos economistas admitem que a previdência social é totalmente paga pelo trabalhador, inclusive a parte do empregador que a contrabalança com salário mais baixo?... Além de supor reduzir o ônus da previdência, o Banco pretendeu principalmente retirar-se da relação previdenciária complementar, substituindo-a por essa de mero patrocinador do contrato previdenciário. Entendo que isso não se acha amparado pelo princípio da função social nem poderia ter sido amparado pelo Estado, em razão do princípio contratual da proteção ao mais fraco, os empregados.

Em 1998, a PREVI criou o Plano de Benefício 2, PREVI FUTURO, para os funcionários que ingressassem no Banco a partir daquele ano, plano esse de contribuição definida no que toca a aposentadorias (Da Caixa Montepio à PREVI). O Banco tem todo o direito de ter assim elaborado o plano. Mas, teria ele sido inspirado no espírito de sua tradição secular e da Constituição Brasileira do bem estar social de 1988?  Esse plano é, de fato, complementar ou é mais precisamente suplementar? Ele não tem mais o aspecto de poupança do que de previdência, benefícios de aposentadoria e pensão, já que, por esses azares da vida, pode até exaurir-se antes que o beneficiário faleça? Fornece ele, de fato, ao empregado a segurança para si   e seus dependentes, que ele almeja quando, na vida ativa, compra a aposentadoria? Tais deficiências são compatíveis com os objetivos de segurança existencial constitutivos da Previdência Social e protegidos pela Constituição Brasileira no Titulo VIII?

A Constituição Brasileira apresenta atualmente a Emenda nº 20 de 1998. O § 2º do artigo 202 prescreve: “As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. (Nova redação dada pela EC nº 20, de 1998”)”
Não concordo com esse parágrafo porque julgo que ele discrepa do princípio da sistematicidade, da coerência, que deve apresentar uma constituição. Claro que a previdência tem que ser um direito universal, isto é, todos os cidadãos têm o direito de contratar a previdência social, tanto o cidadão da livre iniciativa quanto o empregado. Assim, existe uma previdência umbilicalmente ligada ao contrato do trabalho. A previdência historicamente nasceu na Alemanha como uma proteção dos interesses do Empregador e do Estado. A previdência de que mais se ocupa a Constituição Brasileira é a do empregado nos artigos 201 e 202. A contribuição do empregado é precisamente uma PERCENTAGEM SOBRE SEU SALÁRIO. Como negar o óbvio se a contribuição do empregador também é uma PERCENTAGEM SOBRE O SALÁRIO DO EMPREGADO? Os planos de benefícios previdenciários são instituídos pelos empregadores para benefício de seus negócios e proteção do próprio interesse, aumento do patrimônio próprio. Direito, isto é, JUSTIÇA, é uma ciência objetiva, ou se ocupa de uma realidade mental, imaginária, fantástica? Como distribuir justiça mutilando a realidade ao invés de integrá-la? Existe, sim, uma previdência social intimamente ligada ao contrato de trabalho, que dele brotou e brota a cada dia, cada minuto, cada instante, como o vegetal brota do seio da terra. E esta previdência é um direito oriundo da força do trabalho do empregado, responsável direta por parcela da produção nacional que beira os três quartos dela!

O §3º desse mesmo artigo 202 determina: “É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado. (Incluído pela EC nº 20, de 1998)”
Entendo a extravagância deste parágrafo assaz patente. O Estado declara que o trabalhador precisa de proteção, abre o título da Ordem Social da Constituição com o princípio do primado do trabalho e limita em absoluto, sem qualquer consideração das singularidades, os recursos nos planos de benefícios previdenciários pelos patronos estatais? Pode-se igualar a capacidade financeira do Patrocinador à do empregado? O que é o patrocinador de um fundo? Pode-se igualar, na obrigação de contribuir, o papel do Patrocinador com o do Participante? Esta norma está protegendo ao Patrocinador ou ao Participante? Quem a Constituição e os princípios contratuais mandam o Estado proteger, o Patrocinador ou o Participante? Essa norma não assumiria o papel desestimulante de criação de plano de benefício BD com vigorosos patrocínios? Esta emenda reveste-se realmente da necessária qualidade sistêmica constitucional?

Três anos transcorridos, e o Estado edita as leis complementares 108 e 109. A LC 109/01 é a lei básica da previdência complementar, que dispõe no seu artigo 17: “As alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam-se a todos os participantes das entiades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de cada participante.
Parágrafo único. Ao participante que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria.”

Claro que esse artigo atingiu o princípio da segurança jurídica, baseado na racionalidade e na dignidade humana, bem como os princípios contratuais da garantia (pacta sunt servanda). Entra-se num plano de benefícios e não se sabe o que o que ele nos proporcionará na hora da inabilitação ou da morte (aposentadoria e pensão)!

Leiam-se artigo 17 e seu parágrafo e julguem qual é a norma que protege o mais fraco, o Participante, essas duas normas ou a antiga súmula 288 do TST (“a complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito”.). Feita essa comparação, ficam no ar as interrogações:
Qual desses dois normativos, o artigo 17 acima ou a antiga súmula 288, está de acordo com os princípios jurídicos? As alterações do regulamento ficam ao sabor da vontade do Estado leviatã, não mais se sujeitando os direitos futuros aos PRINCÍPIOS UNIVERSAIS DO DIREITO CONTRATUAL?  Não mais existe no Direito Brasileiro direito futuro previdenciário? Aceito esse artigo tal qual aí se acha não mais existe PREVIDÊNCIA complementar no Brasil, porque PREVIDÊNCIA É FUTURO e futuro que pode até superar as expectativas de vida do cidadão!... Tudo agora, no tocante às cláusulas futuras, é MERA EXPECTATIVA? Então as cláusulas futuras contratuais não são mais protegidas pelos supracitados princípios contratuais (as cláusulas contratuais obrigam igualmente, exigem boa fé e equilíbrio dos contratantes, exigem que o Estado proteja o contratante mais fraco, o direito futuro só pode sofrer alteração por acordo mútuo, somente a imprevisibilidade ou o interesse social justificam a alteração ou a supressão de um direito contratual futuro). São meros flatus vocis (sopros de voz) e borrões de tinta, para ludibriar ignorantes e incautos?
Sinceramente, não tenho, então, condição racional, lógica, de encaixar esse artigo legal no contexto da CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DEMOCRÁTICA DO BEM-ESTAR SOCIAL. Eis porque entendo que o antigo teor da Súmula 288 do TST (“a complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito”) é que expressa o real ordenamento constitucional brasileiro. Eis porque entendo que ainda permanece incólume a sagrada invulnerabilidade dos direitos futuros contratuais previdenciários: QUALQUER MUDANÇA NO ESTATUTO E NO REGULAMENTO DE UM PLANO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO SÓ PODE REALIZAR-SE POR CONSENTIMENTO MÚTUO DE FUNDO E PARTICIPANTES, OU POR MOTIVO DE IMPREVISIBILIDADE E FUNÇÃO SOCIAL QUANDO POR COMANDO ESTATAL.


                                                                                       
                                                                                                          



Nenhum comentário:

Postar um comentário