Assim como o
direito à Assistência à Saúde, também o direito à Previdência Social se submete
à Constituição, às leis e, no caso dos funcionários do Banco do Brasil pré-1998,
segundo entendo, a três contratos, o do trabalho e dois específicos da
Previdência Social, o da Previdência Social Básica e o da Previdência Social
Complementar, este se contratado.
Já analisamos o
alcance das normas constitucionais do Primado do Trabalho, da universalidade e
da equidade do direito protetivo da seguridade social, bem como dos princípios
que regem o ato jurídico do contrato, a formulação antiga da Súmula 288 do TST
e o recente documento do MPF, em atuação na Lava-a-jato, onde se diz que
contrato é ato jurídico perfeito.
Afirmamos que
Seguridade Social é compromisso de gerações: a geração passada, que gerou e
formou a geração presente, quando já deficiente e inabilitada para o trabalho,
é sustentada pela geração presente.
Afirmamos,
outrossim, que Previdência Social é negócio de proteção, de seguro, entre
cidadão e Estado, contra os dois azares mais agressivos ao trabalho e à vida, a
saber, a inabilitação e a morte. Essa segurança de permanência das condições de
existência contra os azares das transformações, que constituem o tempo, é
precisamente a razão de ser do negócio que é a Previdência Social e, no meu
entendimento, uma característica fundamental daquilo que se intitula
Civilização. O homem civilizado é um
homem que quer ser feliz durante a vida e, portanto, é previdente, previne-se
contra os azares que o futuro pode aportar-lhe contratando com a geração, que
colocou no mundo, representada pelo Estado, os meios que detém para prevenir
ou, ao menos, abrandar o infortúnio.
Vimos que, na década
de 30 do século passado, o Estado Brasileiro, através dos Institutos de
Aposentadoria e Pensão, realizou esse projeto garantindo, inicialmente, renda
para o empregado aposentado em nível bem aproximado dos últimos salários da
vida ativa.
Vimos que o Banco
do Brasil, naquela época, até o ano de 1967, completava a aposentadoria,
garantindo a renda da data da aposentadoria.
Acontece que em 1957, Juscelino
Kubitschek havia editado a lei 3238/57,
cujo artigo 1º promoveu a seguinte modificação na Lei de Introdução ao Código
Civil Brasileiro:
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“O art. 6º, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro
de 1942), passa a ter a
seguinte redação:
"Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o
ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já
consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os
direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo
comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida
inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso
julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso."
Entendo que essa lei quis definir
exatamente o sentido das leis pétreas constitucionais. Então, um ato jurídico
perfeito é imutável, até por uma mudança constitucional. Concordo.
Discordo quando se pretende transformar os
direitos futuros contratuais em MERA EXPECTATIVA DE DIREITO. Não, os direitos
contratuais futuros como os direitos contratuais presentes são regidos da mesma
forma pelos princípios contratuais que em texto anterior explanamos: obrigam
igualmente, exigem boa fé e equilíbrio dos contratantes, exigem que o Estado
proteja o contratante mais fraco, o direito futuro só pode sofrer alteração por
acordo mútuo, somente a imprevisibilidade ou o interesse social justificam a
alteração ou a supressão de um direito contratual futuro. Isso posto, concordo
que um direito futuro possa ser alterado e até mesmo supresso por uma lei
superveniente, mas somente com base nesse dois motivos: IMPREVISIBILIDADE OU
FUNÇÃO SOCIAL.
Recorde-se igualmente que a Constituição
Brasileira, além de colocar o Primado do Trabalho no pináculo das normas
constitucionais, erige o princípio da segurança, como o princípio básico da
Previdência Social. A Constituição Brasileira é uma CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA,
DEMOCRÁTICA DO BEM-ESTAR SOCIAL.
Considerado tudo o que expus acima sobre os
direitos contratuais e sobre a lei 3238/57, vejo-me perplexo quando percorro a
história recente de nossa previdência social.
Com efeito, os princípios jurídicos
contratuais amparavam os termos da norma de serviço que impôs a transferência
da relação contratual previdenciária complementar do Banco para a PREVI? Não.
Impossível apelar para a imprevisibilidade. Tratava-se de uma história já longa de 70 anos,
forçado o ingresso na PREVI em 1920, proibido pelo Estado em1934, novamente
obrigado pelo Banco em 1967, talvez na suposição de que quem suporte o ônus da
previdência seja aquele que dele assina o cheque. Será que Banco e Estado não tenham
conhecimento do que informa Paul Krugman no seu livro texto de Economia: a
maioria dos economistas admitem que a previdência social é totalmente paga pelo
trabalhador, inclusive a parte do empregador que a contrabalança com salário
mais baixo?... Além de supor reduzir o ônus da previdência, o Banco pretendeu
principalmente retirar-se da relação previdenciária complementar, substituindo-a
por essa de mero patrocinador do contrato previdenciário. Entendo que isso não
se acha amparado pelo princípio da função social nem poderia ter sido amparado
pelo Estado, em razão do princípio contratual da proteção ao mais fraco, os
empregados.
Em 1998, a PREVI criou o Plano de
Benefício 2, PREVI FUTURO, para os funcionários que ingressassem no Banco a
partir daquele ano, plano esse de contribuição definida no que toca a
aposentadorias (Da Caixa Montepio à PREVI). O Banco tem todo o direito de ter
assim elaborado o plano. Mas, teria ele sido inspirado no espírito de sua
tradição secular e da Constituição Brasileira do bem estar social de 1988? Esse plano é, de fato, complementar ou é mais
precisamente suplementar? Ele não tem mais o aspecto de poupança do que de
previdência, benefícios de aposentadoria e pensão, já que, por esses azares da
vida, pode até exaurir-se antes que o beneficiário faleça? Fornece ele, de
fato, ao empregado a segurança para si e seus dependentes, que ele almeja quando, na
vida ativa, compra a aposentadoria? Tais deficiências são compatíveis com os
objetivos de segurança existencial constitutivos da Previdência Social e
protegidos pela Constituição Brasileira no Titulo VIII?
A Constituição Brasileira apresenta
atualmente a Emenda nº 20 de 1998. O § 2º do artigo 202 prescreve: “As
contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas
nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência
privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à
exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos
participantes, nos termos da lei. (Nova redação dada pela EC nº 20, de 1998”)”
Não concordo com esse
parágrafo porque julgo que ele discrepa do princípio da sistematicidade, da
coerência, que deve apresentar uma constituição. Claro que a previdência tem
que ser um direito universal, isto é, todos os cidadãos têm o direito de
contratar a previdência social, tanto o cidadão da livre iniciativa quanto o
empregado. Assim, existe uma previdência umbilicalmente ligada ao contrato do
trabalho. A previdência historicamente nasceu na Alemanha como uma proteção dos
interesses do Empregador e do Estado. A previdência de que mais se ocupa a
Constituição Brasileira é a do empregado nos artigos 201 e 202. A contribuição
do empregado é precisamente uma PERCENTAGEM SOBRE SEU SALÁRIO. Como negar o
óbvio se a contribuição do empregador também é uma PERCENTAGEM SOBRE O SALÁRIO
DO EMPREGADO? Os planos de benefícios previdenciários são instituídos pelos
empregadores para benefício de seus negócios e proteção do próprio interesse,
aumento do patrimônio próprio. Direito, isto é, JUSTIÇA, é uma ciência
objetiva, ou se ocupa de uma realidade mental, imaginária, fantástica? Como
distribuir justiça mutilando a realidade ao invés de integrá-la? Existe, sim,
uma previdência social intimamente ligada ao contrato de trabalho, que dele
brotou e brota a cada dia, cada minuto, cada instante, como o vegetal brota do
seio da terra. E esta previdência é um direito oriundo da força do trabalho do empregado,
responsável direta por parcela da produção nacional que beira os três quartos
dela!
O §3º desse mesmo artigo 202 determina: “É
vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas
públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na
qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua
contribuição normal poderá exceder a do segurado. (Incluído pela EC nº 20, de 1998)”
Entendo a extravagância deste parágrafo
assaz patente. O Estado declara que o trabalhador precisa de proteção, abre o
título da Ordem Social da Constituição com o princípio do primado do trabalho e
limita em absoluto, sem qualquer consideração das singularidades, os recursos
nos planos de benefícios previdenciários pelos patronos estatais? Pode-se
igualar a capacidade financeira do Patrocinador à do empregado? O que é o patrocinador
de um fundo? Pode-se igualar, na obrigação de contribuir, o papel do
Patrocinador com o do Participante? Esta norma está protegendo ao Patrocinador
ou ao Participante? Quem a Constituição e os princípios contratuais mandam o
Estado proteger, o Patrocinador ou o Participante? Essa norma não assumiria o
papel desestimulante de criação de plano de benefício BD com vigorosos
patrocínios? Esta emenda reveste-se realmente da necessária qualidade sistêmica
constitucional?
Três anos transcorridos, e o Estado edita
as leis complementares 108 e 109. A LC 109/01 é a lei básica da previdência
complementar, que dispõe no seu artigo 17: “As
alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam-se a todos os
participantes das entiades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão
regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de cada participante.
Parágrafo único. Ao participante que tenha cumprido os
requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a
aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou
elegível a um benefício de aposentadoria.”
Claro que esse artigo atingiu o princípio da segurança
jurídica, baseado na racionalidade e na dignidade humana, bem como os princípios
contratuais da garantia (pacta sunt servanda). Entra-se num plano de benefícios
e não se sabe o que o que ele nos proporcionará na hora da inabilitação ou da
morte (aposentadoria e pensão)!
Leiam-se artigo 17 e seu parágrafo e julguem qual é a
norma que protege o mais fraco, o Participante, essas duas normas ou a antiga
súmula 288 do TST (“a
complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na
data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde
que mais favoráveis ao beneficiário do direito”.). Feita essa
comparação, ficam no ar as interrogações:
Qual desses dois normativos, o artigo 17 acima ou a
antiga súmula 288, está de acordo com os princípios jurídicos? As alterações do
regulamento ficam ao sabor da vontade do Estado leviatã, não mais se sujeitando
os direitos futuros aos PRINCÍPIOS UNIVERSAIS DO DIREITO CONTRATUAL? Não mais existe no Direito Brasileiro direito
futuro previdenciário? Aceito esse artigo tal qual aí se acha não mais existe
PREVIDÊNCIA complementar no Brasil, porque PREVIDÊNCIA É FUTURO e futuro que pode
até superar as expectativas de vida do cidadão!... Tudo agora, no tocante às
cláusulas futuras, é MERA EXPECTATIVA? Então as cláusulas futuras contratuais
não são mais protegidas pelos supracitados princípios contratuais (as cláusulas
contratuais obrigam igualmente, exigem boa fé e
equilíbrio dos contratantes, exigem que o Estado proteja o contratante mais
fraco, o direito futuro só pode sofrer alteração por acordo mútuo, somente a
imprevisibilidade ou o interesse social justificam a alteração ou a supressão
de um direito contratual futuro). São meros flatus vocis (sopros de voz)
e borrões de tinta, para ludibriar ignorantes e incautos?
Sinceramente, não tenho, então, condição racional,
lógica, de encaixar esse artigo legal no contexto da CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
DEMOCRÁTICA DO BEM-ESTAR SOCIAL. Eis porque entendo que o antigo teor da Súmula
288 do TST (“a complementação
dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da
admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais
favoráveis ao beneficiário do direito”) é que expressa o real
ordenamento constitucional brasileiro. Eis porque entendo que ainda permanece incólume
a sagrada invulnerabilidade dos direitos futuros contratuais previdenciários: QUALQUER
MUDANÇA NO ESTATUTO E NO REGULAMENTO DE UM PLANO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO SÓ
PODE REALIZAR-SE POR CONSENTIMENTO MÚTUO DE FUNDO E PARTICIPANTES, OU POR
MOTIVO DE IMPREVISIBILIDADE E FUNÇÃO SOCIAL QUANDO POR COMANDO ESTATAL.
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