domingo, 19 de novembro de 2017

399. A Liberdade


A Constituição brasileira é precedida por um preâmbulo onde os constituintes expuseram os valores sob cuja influência foram movidos a construírem o Estado Brasileiro: liberdade, igualdade, fraternidade, segurança, bem-estar, desenvolvimento e justiça.

Tais são as qualidades de que a sociedade brasileira deve ser dotada. Estes são os valores que devem guiar os governantes em todos os seus atos de governo e em todas as leis que promulgarem. O Poder Legislativo deve guiar-se por esses valores ao confeccionar as leis. O Poder Executivo deve seguir esses valores ao governar a Nação. O Poder Judiciário deve orientar-se por esses valores ao emitir suas sentenças.

Lá estão os três valores que Rousseau incutiu no povo francês e motivou a Revolução Francesa, que mudou o Mundo: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Essa liberdade da Revolução Francesa é a liberdade política, que Rousseau reivindicava quando escreveu: “O homem nasceu livre e em todos os lugares está acorrentado.” O homem tinha um senhor e obedecia às leis do seu senhor, o rei. Rousseau se insurgia contra o Príncipe que Maquiavel identificara nos tronos da Europa, duzentos anos antes, e perfilhava a ideia de Étienne De la Boétie, a de que o homem nasce livre. Este, contemporâneo de Maquiavel, escreveu o livro, Discurso da Servidão Voluntária, para contestá-lo: o homem nasce livre e o Príncipe é, sob todos os aspectos, odiável.

Mas, o que, de fato, entendia o povo e ainda hoje a maioria das pessoas entende por liberdade? Há dicionários que explicam ser a condição de uma pessoa dispor de si, o poder de fazer ou de deixar de fazer alguma coisa. Outros definem de forma mais consentânea com o pensamento científico contemporâneo: a faculdade de cada um poder agir segundo a própria determinação. A primeira definição contém a ideia de que o indivíduo humano está ordinariamente numa situação de indeterminação, de escolha, de opção, e, de repente, faz a opção, determina-se, age. A segunda definição, concentra-se na determinação, o homem se acha sempre determinado, mas a determinação não é feita por outro ser, é feita pelo próprio indivíduo, brota do seu interior, da sua mente racional, que faz a opção. Esta ideia teve sua origem em Sócrates.

Assim, abre-se um livro de Psicologia, do estudo da mente e do comportamento de todos os animais, e nada se lê sobre liberdade. Lê-se, é verdade, sobre comportamento moral. E vê-se que ele é adquirido com o tempo, à medida que o cérebro se desenvolve, a racionalidade se desenvolve e num processo de reação à cultura ambiente da sociedade em que se vive. Daí, então, centrarem-se a Ética e o Direito neste constructo cultural da liberdade, como a autonomia pessoal do ser humano. Ser livre é exatamente isso, perceber-se que se existe, pensa, sente e age fazendo o que quer fazer, o domínio consciente de si próprio, o livre-arbítrio.

A liberdade, como dado científico, fato comprovado pela Neurociência residiria nos lobos frontais, que Rita Carter apelida de lar da consciência (autoconhecimento, responsabilidade pessoal, intencionalidade e significado). A Neurociência descreve casos de pessoas normais que, por motivo de acidente ou doença, ficaram privadas dos lobos frontais, e por isso transformaram seus comportamentos ajustados em comportamentos monstruosos, incapazes de discernimento, “estrangeiros neste mundo sem o saber”.  Roberto Lent, em seu precioso livro “Cem Bilhões de Neurônios” evita chegar tão longe, embora não omita  a existência da polêmica.

Assim, vamos entender o que diz o desembargador José Renato Nalini, doutor e mestre em Direito Constitucional pela USP, na 6ª.edição de seu livro “Ética Geral e Profissional”: “Isso conduz às aporias da liberdade moral, examinadas por Hartman, que conclui ser indemonstrável a liberdade da vontade. É uma questão metafísica, insuscetível de ser demonstrada, ou de ser refutada. Só pode ser discutida. Em favor da existência livre existe a consciência da autodeterminação... Mas existe outro indício...  a existência da responsabilidade.” Infelizmente, a reponsabilidade também se perde por simples lesão dos lobos frontais..., em virtude de acidente ou moléstia...

Resta, portanto, que atualmente só podemos fundamentar as ordens moral e jurídica como valores fundamentais de uma sociedade de alto nível de cultura e civilização.

A racionalidade e a liberdade, a autodeterminação, são os fundamentos da Ética, da Moral e do Direito, o constructo cultural mais importante de uma sociedade civilizada, uma sociedade em que de fato vale a pena viver-se. A nossa tão valorizada ordem política, a democracia, funda-se num valor fundamental da cultura e civilização humanas, construções culturais contemporâneas, a liberdade individual, a dignidade humana. A punição vai aos poucos cedendo lugar ao tratamento... E a segregação permanente humanizada preferida à pena de morte para os enfermos insanáveis...
   


2 comentários:

  1. Prezado Edgardo.
    É bom ler e saborear os seus escritos, amalgamados com os pensares de tantos ilustres e seus ajuizamentos inteligentes. Como é complexo e misterioso o ser humano !
    Grande abraço, em meio às passageiras alegrias do dia 20.

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  2. Estimado e inesquecível Diretor
    Complexo, misterioso e criativo no propósito de se perpetuar!...Como se pode cogitar que, a esta altura do progresso social e político se possa organizar, em plena Era da Informação, uma sociedade que não seja do Bem-Estar Social? Previdência e Saúde, PREVI e CASSI!
    Edgardo Amorim Rego

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