quinta-feira, 12 de março de 2020

487. Estado Afogado e Soterrado


         Imaginei titular este texto “Estado Mínimo Afogado e Soterrado”. Desisti. No Brasil, nunca houve um Estado Mínimo. Aqui nestas úberas terras de Peri e Iracema, sempre houve um Estado explorado pelos políticos.
         No Império, nada de estranhar porque o Imperador, segundo o conceito tradicional, era o senhor de tudo, que proporcionava uma propriedade perfuntória para os parentes e relacionamentos interesseiros, de modo que o resultado da atividade econômica do país resultasse na boa vida da família real e do restrito grupo de súditos insignes e fieis.
Proclamada a República, o destino do País caiu durante décadas sob o comando de políticos, dominados por ricos latifundiários regionais e comerciantes urbanos, que orientaram o destino da nação segundo seus interesses.
A Revolução de 1930 pretendeu ser a subversão dessa política, iniciando, de fato, no país, o governo do povo, para o povo e pelo povo. Tudo pareceu que tomaria o rumo correto, o rumo da racionalidade, da iluminação mental, do conhecimento científico, do melhor conhecimento atual, do conhecimento da Humanidade. E tanto que Franklin Delano Roosevelt, o maior presidente da História dos Estados Unidos, o mais avançado país neste último século da História, confessou aqui no Rio de Janeiro, em 1936, num discurso proferido no Palácio do Itamarati, que a famosa política econômica revolucionária por ele adotada em seu assombroso país era lição aprendida, por exemplo, da inventada pelo governo brasileiro.
O Mundo conseguiu, por fim, sentar-se, mutuamente desconfiados os deliberantes, é certo, para discutir os problemas comuns e tentar resolvê-los pacificamente. O Mundo decidiu por um Estado do Bem Estar Social em que a vida humana seja, de fato, uma Vida Boa, sem dor no corpo e sem angústia na alma, para todos os viventes e não apenas para alguns. É essa a ambição da Organização das Nações Unidas como atestam tanto a Declaração dos Direitos do Homem como a Declaração dos Deveres do Homem.
Nesse interregno, no entanto, o Brasil cedeu terreno e ficou para trás. A política deixou de ser uma atividade do povo para a consecução do bem estar do povo, salvo em poucas ocasiões, para retornar a ser a pratica de indivíduos ousados e oportunistas, interessados em beneficiar-se da produção nacional. O canibalismo político individualista sugou o sangue da produção nacional, da vida da nação que contínua anêmica.
Essa é a razão dessas cidades superpovoadas, sem a mínima condição de vida segura, registrando prejuízos, desastres, desabamentos de casas e encostas e morte de pessoas, por óbvia omissão da mais elementar política urbanística, em pleno século XXI, decorridos já quatro séculos da iluminação científica.
Cidades superdimensionadas e superpovoadas, sem a mínima condição de vida com dignidade; Cidades de maltrapilhos, famintos, morrendo na luta desesperada e assassina pela sobrevivência, de lares mal formados ou simplesmente inviáveis, de indivíduos mais próximos da situação animalesca do que da autonomia humana que dignifica e orienta com a racionalidade. Cidades afogadas no lamaçal das inundações das águas dos esgotos insuficientes e ilusórios. Cidades soterradas no lixo dos serviços de limpeza ludibriantes ou inexistentes, nos deslizamentos de encostas prenunciantemente ameaçadoras. Cidades morrendo de sede, por inexistente ou perfunctório fornecimento de água potável no país de maior riqueza hídrica do Mundo! É patente a incapacidade administrativa do Estado, único capaz de gerir o bem público, de orientar a vida pública.
È verdade que a liberdade econômica, no momento, é considerada a base da riqueza e do progresso de uma nação. Mas não menos verdadeiro é que essa liberdade, para ser exitosa, precisa ser guiada pela razão, pelo conhecimento, pelo planejamento, pela Ordem, para que ela atinja seu objetivo. E essa ordem não elimina a liberdade, porque ela é a liberdade de quem não se submete a outro homem algum, mas somente à lei que ele mesmo contribuiu para ser proclamada, a lei que deve ser aprovada individualmente por todos os cidadãos.
Essa calamitosa situação urbana brasileira, no meu entendimento, resulta de básico engano de percepção econômica da população e das lideranças nacionais, o equívoco da dissociação do mundo micro e do mundo macro. O insigne, único e instrutivo erro de Einstein foi quando ele pretendeu recusar a teoria quântica e pronunciou aquela famosa frase: “”Deus não joga dados”.
Na construção do Mundo, como na construção da riqueza, Deus joga dados, sim. Cada indivíduo cuida de sua própria existência. A Neurologia ensina que, a cada momento, nós nos modificamos. Logo, somente os nossos sensores individuais são capazes de nos fornecer através de dificultosa filtragem racional momentânea e constante o que devemos fazer para curtir uma vida boa, sem dor no corpo e sem angústia na alma. Mas, na vida coletiva, na vida pública, tudo que acontece é sentido pelo corpo social. Todos compartilhamos e sentimos os males de nossas sofridas e desorganizadas cidades, até a mais alta autoridade atual do País carrega no abdome vestígio de uma facada e outro, na dignidade, a marca deprimente de condenação judicial.
Assim como na Física a mão invisível das leis, que regem os movimentos nebulosos das partículas do microcosmo que compõe a teoria quântica, gera um mundo macrocósmico, cujos movimentos se regem pela leis do movimento da teoria da relatividade,  assim também na Economia a mão invisível das leis que regem a via microeconômica do mercado competitivo de bilhões de trocadores concebe o  mundo macroeconômico das Nações, que precisa para funcionar das regras da Justiça,  e só pode ser organizado e eficiente submetendo-se às regras do Direito, impostas pela Ordem criada pela concordância racional de toda população, do Povo, o  único ente capaz de captar-lhe a natureza e ajustar-lhe a atividade aos caminhos do progresso.
O Brasil, precisa, antes de tudo, de planejamento macroeconômico, Ordem macroeconômica, fixação do Norte do progresso nacional, com a consequente abertura das veredas que a ele levam. A macroeconomia precisa do Estado, o governo livre do Povo, para o Povo e pelo Povo, das leis do Estado Democrático eficiente, que funcione.  




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