segunda-feira, 11 de maio de 2020

494. Malthus (continuação)


Malthus dedica o capítulo XVII do Ensaio Sobre a População para afirmar que acata a definição de Adam Smith para a riqueza de uma nação (o produto per capita), mas que isso não significa que, numa nação rica, a classe dos trabalhadores sempre se ache numa situação de conforto. Ele admite que somente em determinadas ocasiões, quando acontece aumento vigoroso da produção primária, e pelo curto período de reação aumentativa da população bem nutrida, a classe trabalhadora frui de situação de vida melhorada.  Por isso, advoga que o Estado adote política de incentivo à produção agrícola.
O próprio Malthus, portanto, confessa sua ideologia econômica capitalista. Ele figura entre os economistas da Escola Clássica. A definição de riqueza de Adam Smith     implica que a riqueza de uma nação está na razão direta da produtividade do trabalho e na razão inversa do tamanho da população. Malthus foca esse relacionamento inverso, ideia dos rendimentos decrescentes, que tende a manter a classe trabalhadora no nível de renda de subsistência, bem como, na crítica a Godwin, arguía a ocorrência do desemprego como consequência do acúmulo excessivo de poupança.
A contribuição do pensamento malthusiano para a teoria econômica, relegada por décadas para os locais menos iluminados do palco da ciência econômica,  granjeou localização de relevância básica na revolução keynesiana (poupança excessiva provoca a depressão e o desemprego). Por sua vez, o crescimento fabuloso da produção de bens primários, graças ao aumento prodigioso da produtividade proporcionado pela alta tecnologia descoberta e adotada nos procedimentos trabalhistas, nos tempos modernos se mostra incapaz de proporcionar, como previa Malthus, a abundância de bens que alimente satisfatoriamente toda a humanidade. Muito ao contrário, vasta porção da população mundial vive hoje no nível da pobreza, o maior e mais importante problema social, econômico e político do tempo presente.
Entre os grandes nomes históricos que analisaram o problema da fome, a História registra o nome do brasileiro paraibano Josué de Castro, que em meado do século passado escreveu dois mundialmente célebres livros sobre a fome, Geografia da Fome e Geopolítica da Fome. A miséria, a insuficiência de meios de subsistência, a fome, a pobreza continua sendo um problema para vasta camada da população mundial, e hoje faz ela deslocar-se por vastas distâncias internacionais e intercontinentais, arrostando os mais tenebrosos perigos de morte, para adentrar os paraísos terrestres do bem estar social da Europa e dos Estados Unidos, que lhe são politicamente vedados.
Por fim, entendo que a própria ONU, criando o Índice de Felicidade Nacional, adotou e aperfeiçoou a ideia daquela discrepância que afastava Malthus de Smith: a riqueza de uma nação não se confunde com a riqueza da totalidade de sua população. Assim uma Nação realmente rica, isto é, com sua população usufruindo de nível digno de subsistência, a ONU não identifica simplesmente aplicando o critério do PIB per capita.  O IFM, o Índice de Felicidade Nacional agrega ao PIB per capita, a menor discrepância entre a dimensão patrimonial dos indivíduos, a universalidade e altura do nível de instrução,  a universalidade e qualidade da assistência à saúde, a universalidade e qualidade da previdência social, o nível de sustentabilidade da atividade econômica e outros índices de condicionamentos do bem estar social. A riqueza de uma nação é a abundância dos bens cuja fruição faz a felicidade de todos os indivíduos, o ideal epicurista da vida boa, sem dor no corpo e sem angústia na alma.
Embora Malthus, na minha opinião, em razão de sua oposição à “Caixa de Pensão e Poupança” de Condorcet, não possa ser considerado um precursor do Estado do Bem Estar Social, é claro que ele não considerava rica uma sociedade com a maioria da população no nível da subsistência, a classe dos trabalhadores, embora rica fosse a Nação, isto é, o erário, no seu tempo , o rei.  No mundo atual, todavia, nação alguma pode reputar-se rica, sem que rica igualmente seja a sua população, sem nichos onde impere a desgraça da miséria.

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