quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

. 531. O Berço da Ciência

 

Marilena Chaui ensina que os gregos usavam a palavra lego para significar reunir, juntar. Assim, usavam a palavra logos para significar palavra, pensamento e ser. (Introdução à História da Filosofia: dos Pré-Socraticos  a Aristóteles, de Marilena Chaui, 2ª edição revista e ampliada, São Paulo, Companhia das Letras,2002) Esse ensinamento me oferece a melhor chave para abrir a porta para o meu entendimento de como se deu o primeiro passo da Humanidade na direção da aquisição da Ciência. 

Falar é juntar sons, palavras. Pensar é juntar conceitos, juízos, raciocínios. Fazer, criar objetos é juntar coisas. Destruir objetos é separar partes do objeto. Se bem observarmos as coisas ao nosso redor, nada surge subitamente inteiro a nossa frente e nada desaparece subitamente inteiro diante de nós. 

Essa foi a grandiosa intuição de Tales, em Mileto, cidade grega, hoje turca, há dois mil e oitocentos anos: nada se cria, nada se aniquila, tudo se transforma. O gelo não brota repentinamente e desaparece repentinamente; o gelo se transforma em água, e a água se transforma em ar, e o ar se transforma em nuvem, e a nuvem se transforma em água; o metal se transforma em líquido e o líquido reverte a metal; a semente se transforma em planta, a planta se transforma em flores, as flores se transformam em frutos, os frutos se transformam em sementes; o dia se transforma em noite e a noite se transforma em dia.

Tales captou, induziu, observando a natureza, o princípio da transformação: tudo se transforma. Ele tem, agora, pois, um juízo - tudo se transforma – obtido pela observação da natureza. A esse juízo, ele, então, junta outro, obtido de sua razão, de sua mente. É a hipótese, isto é, algo que torne a realidade racional, uma harmoniosa imagem conceitual da realidade, uma reunião de juízos tal que um não se oponha ao outro, uma reunião de conceitos tal que um não se oponha ao outro. A realidade deve ser harmoniosa, as partes da realidade devem encaixar-se. A imagem da realidade deve ser harmoniosa, os juízos e conceitos devem igualmente encaixar-se. 

O conhecimento científico é, pois, um raciocínio, isto é, o esforço da mente por tornar a realidade racional, em harmonia com a mente humana, com a lei de harmonia que rege a aglutinação dos juízos e dos conceitos humanos. A ciência é a busca da razão das coisas. É o conhecimento justificado. É conhecimento indutivo, baseado na experimentação e por ela controlado, e conhecimento dedutivo, tudo comprovado pela experimentação. É a tentativa de encontrar na realidade a mesma harmonia racional da mente. O conhecimento científico parte do pressuposto de que a Natureza está igualmente dotada da harmonia racional. 

Naquele dia, em que o sábio grego Tales passou a pesquisar o princípio de onde tudo provém, que é tudo porque é aquilo de que tudo é feito, e é aquilo em que tudo acaba, ele deu o primeiro passo da Humanidade na longa estrada do conhecimento filosófico e científico que é uma das características da atual civilização ocidental e que já se estendeu para o planeta Terra inteiro. Aristóteles, em seu livro Metafísica, deixou-nos o seu testemunho: “A maior parte daqueles que filosofaram pela primeira vez pensava que o princípio de todas as coisas era somente de ordem material.” (Antologia Ilustrada de Filosofia, de Ubaldo Nicola, Editora Globo S.A., São Paulo, 1ª edição, 10ª reimpressão,2011, pg.14) Todas as coisas são produzidas pela Natureza. A explicação das coisas, portanto, encontra-se na Natureza. A explicação das coisas não se encontra fora da Natureza. Entendem-se as coisas observando-as. Essa é, em resumo, a magnífica contribuição de Tales, de Mileto, à Cultura da Humanidade. Um marco na História.

(Escrito em 07/07/2017)

 

 

 

 

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