sexta-feira, 11 de março de 2011

154. Reflexão Sobre a Vida

Fico-lhe grata por me ter dado a conhecer esse extraordinário texto de Jason Stone. Ele realmente mereceria ser mais difundido, já que se trata de vibrante e apropriada expressão do sentimento e da mente humana diante desse absurdo fenômeno que é a morte, e, sobretudo, da morte em plena fase de desenvolvimento ou em plena idade madura: aquela, mera época de inocência e preparação e descoberta, esta, a própria fase das realizações.
Em a Megera Domada, Shakespeare nos recorda o absurdo da morte, agredindo-a com palavras de incontida repulsa: "medonha morte, como tua pintura é feia e repulsiva!" Essa inconformidade humana com relação à morte é um sentimento que perpassa toda a mais elevada expressão cultural na trajetória histórica da Humanidade. A primeira epopeia, produzida pelo gênio humano nos albores da civilização, Gilgamesh, trata da busca incontrolada do Homem pela imortalidade. A maior revolução da História, aquela que definiu o rumo da Cultura e da Civilização Ocidental, a invenção do Cristianismo, foi produzida pela incontida aspiração de Paulo de Tarso e seus discípulos à imortalidade, que ele dizia ter sido conquistada através da morte de Jesus Cristo.
Os dramaturgos gregos expressaram em versos imortais a repulsa humana à morte e ao sofrimento. Limito-me à citação de Sófocles:
"Que maior prova de loucura pode haver
que desejar o homem a vida prolongada?
Certo é que uma longa existência
encerra em seus caminhos muitos males.
E quem muitos anos ambiciona
não pode ver a alegria onde ela realmente se encontra:
não ter nascido vale mais que tudo."
Esse menosprezo pela vida foi um sentimento humano de milênios, pois já, um século antes de Sófocles, afirmara o poeta Teógnis de Megara:
"Não ter nascido, não ver jamais o sol,
acaso existirá bênção maior?"
A Humanidade da Idade Média foi forjada nos claustros dos mosteiros. O papa,sucessor de São Pedro e guardião das chaves do Reino dos Ceus, ousou deslocar-se de Roma para intimidar Carlos Magno com a ameaça de fechar-lhe as portas da eternidade feliz e precipitá-lo nos tormentos infinitos do Inferno, se não defendesse os territórios pontifícios contra a ambição dos lombardos. A mentalidade daquela época está expressa naquela oração milenar, que eu e você aprendemos a rezar ainda crianças, a Salve Raínha:
"A vós bradamos os degradados filhos de Eva.
A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas."
A Humanidade só passou a tomar gosto pela vida, quando, no início da Era Moderna, os negociantes ricos de Veneza e Gênova, os burgueses, passaram a comprar todas as comodidades e todos os prazeres, proporcionados pela Natureza e pela Cultura. O Homem do início da Era Moderna aprendeu a tudo comprar para ser feliz nesta vida terrena. Decidiu ser feliz nesta existência e nesta existência realizar-se de tal forma que até o sacerdote ele mantinha em seus palácios, para a aquisição da absolvição de seus pecados na hora da morte e das indulgências, que até do Purgatório o livrariam!
O Homem da Idade Moderna tem seu mais alto paradigma histórico talvez em Izabella d’Este, a duquesa italiana, que conhecia o Grego e o Latim, entendia de Aristóteles e Cícero, cantava, tocava, dançava, era bonita e elegante e charmosa, ditava moda e abrigava em seu palácio os mais eminentes vultos da sociedade italiana: sacerdotes sábios, filósofos, professores, médicos, poetas, pintores, escultores, arquitetos, músicos e novelistas. Foi dito que nunca a Humanidade vira mulher igual a Izabella d’Este.
Erasmo de Roterdã expressou essa mentalidade naquela famosa frase: "Antes de tudo, dizei-me: haverá no mundo coisa mais doce e mais preciosa do que a vida?" E, séculos depois, essa mentalidade já havia evoluído a tal ponto que, o nosso poeta maior, Olavo Bilac, encerra, na minha opinião, o seu mais belo e importante poema, A Alvorada do Amor, com uma síntese audaciosa da mentalidade do Homem Contemporâneo: "Terra, melhor que o Céu! Homem, maior que Deus!"
O que importa ao Homem Contemporâneo é o momento presente, é a intensidade com que se vive o momento presente de cada um"Carpe diem" (Usufrui do dia de hoje"). Esse momento presente apresenta as mais variadas faces: as relações familiares, os amigos, os campus universitários, as viagens, o turismo, a natureza, as praias, os rios, as florestas, as montanhas, os desertos, as geleiras, os mares, Seichelles, Ilhas Mauricias, Dubai, Cingapura, Las Vegas, New York e o Carnegie Hall, o cinema e o Oscar, a Cultura e o Nobel, Paris e o Louvre, a Wall Street e as multinacionais com seus bilionários, Davos e Bill Gates, o Vale do Silício e a tecnologia com o rádio e a televisão e o celular, a ONU e o Grupo dos 20, os esportes e as Olimpíadas.
Assim, um homem do povo em Paris deixou expressa numa lixeira de Montmartre essa mentalidade, bem como a face com que se lhe mostrava a Felicidade: "Amar, comer, beber e cantar, isso é a felicidade." Já para Pierre Bayle outra era a face terrena da felicidade: "Encontro doçura e repouso nos estudos em que me tenho empenhado e que me deleitam."
O valor da Vida, aquilo que realmente importa, a meu ver, está sintetizado naquela famosa e conhecida frase de Fernando Pessoa:"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis."

Mas, talvez haja sido Virgílio, o notável vate latino, quem nos tenha legado a mais sensata atitude diante da Vida e diante da Morte: "Feliz quem pode entender a existência e dominar todas as angústias, o implacável destino e a tragédia da morte."
Marucha e Edgardo

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