terça-feira, 6 de março de 2012

173. A Origem do Cosmos

Estamos habituados a colocar a origem do Universo no coração de Deus. Lá, nos longínquos milênios que antecederam a Jesus Cristo, a lenda dos povos da Ásia Menor descreveu como Deus criou o Universo, por etapas, utilizando-se apenas de sua palavra mágica imperiosa: “Faça-se”. O quarto Evangelho, ao final do primeiro século da Era Cristã, afirmou que no princípio só existia o Verbo. Verbo, logos em Grego, é a palavra. É também o conceito, o inteligível, o que se coaduna, o que se agrega, o que se organiza. Para os Israelitas, portanto, no início só existia a energia organizadora, Deus. O próprio autor do quarto Evangelho explica-o: e o Verbo era Deus. Logo a seguir, o mesmo Gênesis nos revela um Deus artífice que tudo faz utilizando-se da matéria bruta e informe, como o imaginavam os filósofos do Iluminismo.

A ideia de que o universo é gigantesca máquina organizada dominou o pensamento grego desde os primórdios da Grécia. Os grandes filósofos gregos estavam imbuídos da ideia de que o mundo era um Cosmos, isto é, gigantesco e organizado complexo de coisas.

Eles estavam evidentemente influenciados pela própria tradição de sua cultura, que sorviam no berço junto com o leite materno, através das explicações fornecidas pela mitologia grega. A primeira ideia curiosa nessa crença grega de um mundo cósmico consiste em colocar exatamente a origem do Universo no Caos, ao contrário, portanto, da explicação hebraica de situá-la numa mente portentosa. O Cosmo não foi criado nem mesmo gerado. O Cosmo não foi produzido do nada por um ser inteligente, um arquiteto portentoso, como afirmou Descartes e insistia Voltaire.

Não. Por mais absurdo que hoje isso nos pareça, para os inteligentes, mas crédulos gregos primitivos, o Cosmos, o gigantesco complexo de todas as coisas organizadas, originou-se exatamente do caos, do caos mais profundo que se possa imaginar. O mito grego afirma que no início só existia o Caos, um abismo insondável, um vazio ilimitado, uma vastidão incomensurável de impenetrável escuridão.

Ovídio, vate romano, pode-se dizer contemporâneo de Jesus Cristo, concebia o Caos como uma massa informe. Segundo Ovídio, portanto, antes só existia uma substância única e sem forma alguma. Não existiam os diferentes seres vivos, nem os diferentes elementos minerais, nem as diferentes partículas elementares da matéria. Diríamos hoje, tudo era o plasma, nada era distinto, tudo se confundia: era o Caos. Aliás, nem mesmo plasma existia. Só existia a mixórdia de todos os opostos, o poder ser, o nada prolífico, a energia, o poder de transformar-se.

A organização poderia surgir da mais completa desorganização, a ordem podia surgir da desordem, a regularidade da anarquia, o determinado do indeterminado, o ser do nada. E mais surpreendente ainda, esse caos infinito era um Deus, sem forma alguma. Tão sem forma que era explicado como um grande vazio, um abismo infinito, ilimitado, uma escuridão sem limites. Mas, era uma escuridão que apenas significava a completa invisibilidade pela carência de forma, uma escuridão metafórica. Escuridão muito maior que a da Noite, que só surgiu em seguida, e possui, de alguma maneira, alguma forma. Nem a forma da escuridão da Noite o divino Caos dos gregos possuía.

Mas, esse Caos era energia, força emanadora, energia produtiva. Era um Deus. E assim do Caos emanaram Geia e Eros. Geia, a Mãe-Terra, a fecundidade. Eros, a força de atração, a força fundamental do mundo, diz Junito de Souza Brandão. E o Caos, esse deus indefinido, sem a mínima forma e a mínima norma de ação, deu início ao processo de formação do Cosmos, o complexo gigantesco e organizado de todas as coisas.

E fico a sopesar a formidável potência imaginativa dos gregos, quando leio os atuais cosmólogos afirmando que no início somente existia toda a matéria hoje existente do Universo, sob densidade infinita, pressão infinita, temperatura infinita, condensada num ponto tão infinitamente diminuto que nem dimensão nem tempo existiam!

Aquele início é o INFINITO, o incomensurável, o inatingível pela Ciência, cujo poder de explicação se limita ao comensurável. Chega até o plasma, a matéria informe, sob a formidanda potência infinita de energia, o Big Bang, o primeiro fenômeno cósmico, na origem do Universo, captado mediante os instrumentos de experimentação existentes. Segundo a ciência atual, exatamente como para os primitivos gregos, o Universo tem origem num processo energético de evolução organizadora. E Energia que possui na Massa sua ambivalência.

A própria Matéria, pois, passa do caos, da anarquia, para a organização, passo a passo, cada vez maior, sob as forças de atração e repulsão, ao sabor das circunstâncias, que criam possibilidades que o acaso concretiza e consolida, ou não, por certo tempo.

O Cosmos seria auto-suficiente? Seria eterno? A Ciência experimental deteve-se no Caos, esbarrando na Massa infinita ou na Energia infinita, que seriam o mesmo. Esse, pelo menos no momento, é o limite no tempo para a Ciência. Mas, a especulação matemática tenta ultrapassar o Big Bang e investigar o próprio Caos, a energia infinita ou a massa infinita no ponto espacial infinitamente pequeno, antes mesmo da forma plasmática, isto é, sem forma. Energia cuja essência é processo, é movimento, é difundir-se, como o Caos, o deus primordial da mitologia grega. Se o Caos é o próprio processar-se, precisaria ele de princípio? Precisaria ser ele feito, criado? Ele é o próprio fazer-se, transformar-se, processar-se, devir. Ele seria auto-suficiente, como afirmou Spinoza.

Marcelo Gleiser descreve o Caos da seguinte forma: "...uma sopa borbulhante de geometrias, talvez até de todos os tipos possíveis de geometrias, coexistindo no infinito do multiuniverso... nosso cosmo teria surgido dessa sopa quântica, uma bolha com a combinação rara de constantes da Natureza que permitiria a matéria se organizasse gradativamente em estruturas cada vez mais complexas, incluindo formas de vida capazes de refletir sobre a sua existência... Talvez tudo venha mesmo de uma pequena região excêntrica do cosmo... para gerar o nosso Universo homogêneo, bastava que, numa região minúscula, num pequeno canto do cosmo, um campo escalar estivesse fora de sua posição de equilíbrio, feito uma bola no alto de uma ladeira... As equações da cosmologia mostram que, num campo escalar com pressão negativa com uma certa quantidade mínima de energia, pode facilmente inflar uma pequena região do cosmo numa bolha gigante que engloba todo o nosso Universo... No Modelo Padrão, o campo escalar é conhecido como Higgs, uma homenagem ao físico escocês Peter Higgs, que propôs seu papel como "doador de massa" das partículas... o campo escalar que alimentou a inflação cósmica foi, também, o primeiro antepassado da matéria, nosso ancestral comum." (Trechos do livro "Criação Imperfeita")

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