quinta-feira, 7 de maio de 2015

337. Uma Leitura da Constituição Brasileira


Não sou formado em Direito. Mas, já tive a curiosidade de ler alguns livros didáticos sobre Direito Constitucional, como os do Ministro Gilmar Mendes, do Dr. Ives Gandra e do Prof. Uadi Lammego Bulos. São livros incontestavelmente muito bem elaborados. Infelizmente, não foram, todavia, suficientes para me satisfazer plenamente a expectativa.
 
 
Entendo que sejam omissos em algo, que se me afigura importantíssimo e fundamental para a intelecção da Constituição Brasileira, a saber, a explicação da própria concepção de sua elaboração. Acho o entendimento da ideia diretriz de sua elaboração ser vetor imprescindível para sua perfeita interpretação e, portanto, necessário para sua correta aplicação na ordenação da vida cotidiana de todos os cidadãos brasileiros, tanto no que tange à elaboração de leis quanto no tocante à aplicação no deslinde das questões de convivência cidadã pelos tribunais. Nenhum legislador, deputado federal ou senador, assim como nenhum membro do poder judiciário – juiz, promotor, defensor público etc. - deveria exibir falência de profunda ciência da engenharia jurídica que permeia os 245 artigos, constitutivos do texto original, promulgado em 5 de outubro de 1988,  restrito aos IX títulos permanentes e preâmbulo da Constituição Brasileira.

Acho mesmo que essa incúria, se é que ela existe nas faculdades de Direito, não deixa de estar na raiz de toda essa agitação que se acha difundida pela sociedade brasileira nos dias presentes, já que, no meu entendimento, ela tem origem no flagrante desajuste entre o ideal jurídico-social da Carta Magna nacional e o arcabouço jurídico prático do conjunto de leis e normativos outros, que flui dos três Poderes, e, na prática, tenta desenhar o comportamento da sociedade brasileira.

A Constituição é o texto básico educativo do cidadão. Educado, plasmado, formado segundo o modelo da Carta Magna, o cidadão se sente desajustado ante tantos outros moldes deformados com que tentam engessá-lo. O desajuste estressa. A reação, a inconformidade, explode. Os indivíduos se desagregam. O tecido social se esgarça. A sociedade e os indivíduos se sentem fracassados e infelizes.

A Constituição Brasileira de 1988 consta, texto original, de 245 artigos, distribuídos por nove títulos e um preâmbulo. Os mestres ensinam que o preâmbulo não obriga. É mera introdução da Constituição e declaração de valores que inspiram, orientam e vivificam o corpo normativo que unifica o Estado que é a República Federativa do Brasil.

Ora, nesse preâmbulo, os constituintes declaram que estão reunidos na qualidade de representantes do povo brasileiro. Isso significa que ali, na execução dessa momentosa tarefa, eles estão despidos de sua individualidade e revestidos da identidade comum do cidadão de um futuro Estado, que eles sabem quer assumir o formato democrático, no estilo de república federativa.

Ali está, portanto, reunido o Povo Brasileiro, para habitar o território brasileiro, unindo-se por leis que ele se autoimpõe, reconhecida desde já a coexistência de diversos estados, numa convivência democrática, isto é, de cidadãos politicamente iguais, igualmente livres, igualmente autônomos, sem qualquer diferença individual de poder de mando. Politicamente, isto é, quando se trata de comando, não existe o mais forte, nem o mais ardiloso, nem o mais ilustrado, nem o mais simpático, nem o mais inteligente, nem o mais habilidoso, nem o mais sagaz, nem o mais audacioso. Só existem os cidadãos. Esse é o conceito de democracia. Todos se expressam, todos se manifestam, todos participam, todos decidem igualmente, sem preponderância da vontade de um ou de um grupo sobre a vontade da comunidade. A lei é a vontade da sociedade, do Povo, é a expressão da concordância. Só o bem comum é a regra, é a bússola.

Mas, isso é impossível!, diz-se habitualmente. É utopia. Numa sociedade civilizada, onde os cidadãos se sintam real e lealmente politicamente iguais, isso é possível, sim, creio, porque acho, baseado na Neurociência, na Psicologia, na Sociologia e na Antropologia, que o Homem se define como o Ser que se Constroi. O Homem é um ser social, dizem-me entre outras coisas, essas ciências... Um dia, ele saberá conviver...

Aliás, tempo houve e povo existiu do qual um dentre os mais insignes cidadãos ousou proclamar: “Somos livres porque não nos submetemos à vontade de nenhum outro homem. Somente nos submetemos todos às mesmas leis que nós mesmos nos impomos.”

Infelizmente, o que constatamos em nossa pátria nos dias atuais é a discrepância entre o que se diz e se escreve e o que se faz. Diz-se que se pratica a democracia. Mas, o que se observa é a prática do exercício da Política para se obter o domínio sobre a sociedade e se conseguir nível de vida tão elevada que a população laboriosa em geral nem tem a mínima condição de almejar. Os postos públicos deste País não mais são oportunidades gloriosas de prestação de serviços à comunidade no único objetivo de se obter o máximo bem comum. Tornaram-se posições estratégicas de conquista de bem estar individual, inatingível por aquela multidão de concidadãos que, em sua maioria, o financiam com sacrifício até do imprescindível à vida.

Essa lamentável situação salta aos olhos em nossa terra. Constato, todavia, que não se trata de ocorrência assim tão singular, haja vista que acabo de ler artigo de David Brooks, publicado agora, em 4 do corrente mês, no The New York Times, onde tece considerações sobre a candidatura de Hillary Clinton à Presidência dos Estados Unidos:

Saiu uma pesquisa com um resultado interessante sobre Hillary Clinton na semana passada. De acordo com a pesquisa da Quinnipiac, 60% dos eleitores independentes acreditam que ela tem fortes qualidades de liderança. Mas quando esses mesmos eleitores foram questionados se ela é honesta e confiável, as avaliações viraram do avesso: 61% disseram que ela não é honesta e confiável. Aparentemente, muitos norte-americanos acreditam que Hillary Clinton é desonesta e indigna de confiança, mas também uma líder forte.

Deixemos de lado o caso dela por um segundo. Os resultados da pesquisa levantam uma questão maior: é possível ser uma pessoa ruim e ao mesmo tempo um líder forte?

O argumento para essa ideia é razoavelmente simples. A política é um campo duro, brutal. As pessoas seguem a lei da selva. Às vezes, para conseguir fazer qualquer coisa, um líder precisa pressionar, ameaçar, intimidar, omitir a verdade. As qualidades que fazem de você uma boa pessoa na vida privada – bondade, humildade e capacidade de introspecção – podem ser desvantagens no cenário público. Eleger um presidente é diferente de encontrar um amigo ou uma namorada. É melhor contratar uma pessoa sem escrúpulos para fazer o trabalho duro.

Eu entendo o argumento, mas fora do mundo do faz-de-conta de "House of Cards", isso costuma estar errado. Votar em alguém com pouca ética na esfera privada é como embarcar em um navio de guerra com armas excepcionais e o casco apodrecendo. Existe uma boa chance de que você afunde antes que a viagem termine.

As pessoas que são desonestas, rudes e arrogantes têm dificuldades para atrair e conservar boas pessoas em sua equipe. Elas tendem a ter amigos desprezíveis. Elas próprias podem ser perspicazes, mas quase sempre estão cercadas de bajuladores e pessoas medíocres que desencadeiam escândalos e prejudicam a eficiência do líder.

Os líderes que não têm humildade são frágeis. Seu orgulho é inflado e sensível. As pessoas nunca os tratam com o respeito que eles acreditam merecer. Eles acabam consumidos por ressentimentos. Eles tratam a política como batalha, armam-se e se fecham para informações e feedback.

Você pode pensar que eles estão defendendo sua causa ou seus objetivos, mas quando o bicho pega, eles estão mais interessados em defender a si mesmos. Eles guardam uma lista de inimigos e a vida se torna uma questão de ajustar contas e imaginar conspirações. Eles recusam qualquer política que possa prejudicar sua posição.

É um paradoxo da política o fato de que as pessoas que buscam o sucesso de forma obsessiva geralmente acabam se sabotando. Elas tratam cada relação como uma transação e não criam lealdade. Elas perdem qualquer voz interna que seja mais honesta. Depois de um tempo, elas não conseguem mais perceber a si mesmas ou à situação de forma acurada. Mais cedo ou mais tarde, chega o seu Watergate.

Talvez, há muito tempo atrás, existisse um ambiente no qual esses maquiavélicos sem escrúpulos tinham espaço para fazer sua magia negra, mas nós não vivemos na Itália renascentista. Vivemos em um mundo sob uma atenção onipresente da mídia. Quando surge uma pitada de escândalo de qualquer tipo, o mundo político entra em um frenesi extremo e tudo para.

Vivemos em um mundo em que o poder está disperso. Você não consegue intimidar as pessoas cortando os seus inimigos em pedaços em praça pública. Mesmo a presidência não é um cargo poderoso o bastante para permitir que um líder governe pelo medo. Você precisa construir coalizões, apelando para os interesses próprios das pessoas e atraindo-as voluntariamente para o seu lado.

A política moderna, como a ética privada, diz respeito a construir relações pessoais duradouras e confiáveis. Isso significa ser justo, compreensivo, honesto e confiável. Se você é péssimo em criar laços de confiança, você é péssimo na política.

Pessoas com uma boa ética na vida privada conseguem se sair melhor a longo prazo. Eles amam genuinamente as causas, mais do que a si mesmas. Quando o noticiário distrai e as paixões de curto prazo crescem, elas ainda conseguem se guiar por aquela estrela distante. Elas têm menos tendência de reagir de forma extrema e fazer algo estúpido.

As pessoas com um senso ético apurado têm um sistema de alerta precoce. Elas não precisam pensar nos perigos do olho por olho das trocas de favores com bilionários. Eles têm uma repulsa estética contra pessoas que parecem sujas e situações que sejam repugnantes, o que evita uma série de problemas.

É claro, a ética privada não é suficiente. Você precisa saber reagir às pessoas sem escrúpulos que querem destruí-lo.

Mas, historicamente, os líderes mais eficazes – como, digamos, George Washington, Theodore Roosevelt e Winston Churchill – tinham uma consciência dual. Eles tinham uma voz interna ética fervorosa, capaz de gerar retidão, uma consciência radical de si mesmos e grande compaixão. Eles também tinham uma voz externa pragmática e perspicaz. Essas duas vozes conversavam constantemente, checando uma à outra, inquirindo para chegar a uma síntese, sábias como uma serpente e inocentes como uma pomba.

Eu não sei se Hillary Clinton possui essa dupla mentalidade. Mas eu sei que, se os candidatos não adquirem uma bússola ética fora da política, não é na Casa Branca que a conseguirão, e não serão eficientes lá.”

Esse texto de David Brooks lembra-me Adam Smith. Ele, mestre de Ética, na Universidade de Edinburgo, criou a Ciência Econômica, sobre o pensamento de que a ética do homem de negócios difere da ética do homem comum. Acho que David Brooks também pensa que a ética do homem político não é totalmente afinada com a ética do homem comum... Essa divergência, todavia, precisaria de limites, para que seja aceitável...

Alíás, estou acreditando que Economia e Política são ciências fraternas, já que têm origem na mesma paternidade, pois esta nasceu com o Príncipe de Maquiavel, que pensava que a ética do político não coincidia com a moral do homem comum...

Penso até que também ao político cabe aquela advertência dos Evangelhos aos negociantes: “É mais fácil um camelo passar pelo furo de uma agulha do que um negociante ingressar no reino dos céus!...”


 

 

 

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