Não
sou formado em Direito. Mas, já tive a curiosidade de ler alguns livros
didáticos sobre Direito Constitucional, como os do Ministro Gilmar Mendes, do
Dr. Ives Gandra e do Prof. Uadi Lammego Bulos. São livros incontestavelmente muito
bem elaborados. Infelizmente, não foram, todavia, suficientes para me
satisfazer plenamente a expectativa.
Entendo
que sejam omissos em algo, que se me afigura importantíssimo e fundamental para
a intelecção da Constituição Brasileira, a saber, a explicação da própria
concepção de sua elaboração. Acho o entendimento da ideia diretriz de sua
elaboração ser vetor imprescindível para sua perfeita interpretação e,
portanto, necessário para sua correta aplicação na ordenação da vida cotidiana
de todos os cidadãos brasileiros, tanto no que tange à elaboração de leis quanto
no tocante à aplicação no deslinde das questões de convivência cidadã pelos
tribunais. Nenhum legislador, deputado federal ou senador, assim como nenhum
membro do poder judiciário – juiz, promotor, defensor público etc. - deveria
exibir falência de profunda ciência da engenharia jurídica que permeia os 245
artigos, constitutivos do texto original, promulgado em 5 de outubro de
1988, restrito aos IX títulos permanentes
e preâmbulo da Constituição Brasileira.
Acho
mesmo que essa incúria, se é que ela existe nas faculdades de Direito, não
deixa de estar na raiz de toda essa agitação que se acha difundida pela
sociedade brasileira nos dias presentes, já que, no meu entendimento, ela tem
origem no flagrante desajuste entre o ideal jurídico-social da Carta Magna
nacional e o arcabouço jurídico prático do conjunto de leis e normativos
outros, que flui dos três Poderes, e, na prática, tenta desenhar o
comportamento da sociedade brasileira.
A
Constituição é o texto básico educativo do cidadão. Educado, plasmado, formado
segundo o modelo da Carta Magna, o cidadão se sente desajustado ante tantos
outros moldes deformados com que tentam engessá-lo. O desajuste estressa. A
reação, a inconformidade, explode. Os indivíduos se desagregam. O tecido social
se esgarça. A sociedade e os indivíduos se sentem fracassados e infelizes.
A
Constituição Brasileira de 1988 consta, texto original, de 245 artigos, distribuídos
por nove títulos e um preâmbulo. Os mestres ensinam que o preâmbulo não obriga.
É mera introdução da Constituição e declaração de valores que inspiram,
orientam e vivificam o corpo normativo que unifica o Estado que é a República
Federativa do Brasil.
Ora,
nesse preâmbulo, os constituintes declaram que estão reunidos na qualidade de
representantes do povo brasileiro. Isso significa que ali, na execução dessa
momentosa tarefa, eles estão despidos de sua individualidade e revestidos da
identidade comum do cidadão de um futuro Estado, que eles sabem quer assumir o
formato democrático, no estilo de república federativa.
Ali
está, portanto, reunido o Povo Brasileiro, para habitar o território
brasileiro, unindo-se por leis que ele se autoimpõe, reconhecida desde já a
coexistência de diversos estados, numa convivência democrática, isto é, de
cidadãos politicamente iguais, igualmente livres, igualmente autônomos, sem
qualquer diferença individual de poder de mando. Politicamente, isto é, quando se
trata de comando, não existe o mais forte, nem o mais ardiloso, nem o mais
ilustrado, nem o mais simpático, nem o mais inteligente, nem o mais habilidoso,
nem o mais sagaz, nem o mais audacioso. Só existem os cidadãos. Esse é o
conceito de democracia. Todos se expressam, todos se manifestam, todos
participam, todos decidem igualmente, sem preponderância da vontade de um ou de
um grupo sobre a vontade da comunidade. A lei é a vontade da sociedade, do Povo,
é a expressão da concordância. Só o bem comum é a regra, é a bússola.
Mas,
isso é impossível!, diz-se habitualmente. É utopia. Numa sociedade civilizada,
onde os cidadãos se sintam real e lealmente politicamente iguais, isso é
possível, sim, creio, porque acho, baseado na Neurociência, na Psicologia, na
Sociologia e na Antropologia, que o Homem se define como o Ser que se Constroi.
O Homem é um ser social, dizem-me entre outras coisas, essas ciências... Um
dia, ele saberá conviver...
Aliás,
tempo houve e povo existiu do qual um dentre os mais insignes cidadãos ousou
proclamar: “Somos livres porque não nos submetemos à vontade de nenhum outro
homem. Somente nos submetemos todos às mesmas leis que nós mesmos nos impomos.”
Infelizmente,
o que constatamos em nossa pátria nos dias atuais é a discrepância entre o que
se diz e se escreve e o que se faz. Diz-se que se pratica a democracia. Mas, o
que se observa é a prática do exercício da Política para se obter o domínio sobre
a sociedade e se conseguir nível de vida tão elevada que a população laboriosa
em geral nem tem a mínima condição de almejar. Os postos públicos deste País
não mais são oportunidades gloriosas de prestação de serviços à comunidade no
único objetivo de se obter o máximo bem comum. Tornaram-se posições
estratégicas de conquista de bem estar individual, inatingível por aquela
multidão de concidadãos que, em sua maioria, o financiam com sacrifício até do
imprescindível à vida.
Essa
lamentável situação salta aos olhos em nossa terra. Constato, todavia, que não
se trata de ocorrência assim tão singular, haja vista que acabo de ler artigo
de David Brooks, publicado agora, em 4 do corrente mês, no The New York Times,
onde tece considerações sobre a candidatura de Hillary Clinton à Presidência
dos Estados Unidos:
“Saiu uma pesquisa
com um resultado interessante sobre Hillary Clinton na semana passada. De
acordo com a pesquisa da Quinnipiac, 60% dos eleitores independentes acreditam
que ela tem fortes qualidades de liderança. Mas quando esses mesmos eleitores
foram questionados se ela é honesta e confiável, as avaliações viraram do
avesso: 61% disseram que ela não é honesta e confiável. Aparentemente, muitos
norte-americanos acreditam que Hillary Clinton é desonesta e indigna de
confiança, mas também uma líder forte.
Deixemos de lado o caso dela por um segundo. Os resultados da pesquisa
levantam uma questão maior: é possível ser uma pessoa ruim e ao mesmo tempo um
líder forte?
O argumento para essa ideia é razoavelmente simples. A política é um
campo duro, brutal. As pessoas seguem a lei da selva. Às vezes, para conseguir
fazer qualquer coisa, um líder precisa pressionar, ameaçar, intimidar, omitir a
verdade. As qualidades que fazem de você uma boa pessoa na vida privada –
bondade, humildade e capacidade de introspecção – podem ser desvantagens no
cenário público. Eleger um presidente é diferente de encontrar um amigo ou uma
namorada. É melhor contratar uma pessoa sem escrúpulos para fazer o trabalho
duro.
Eu entendo o argumento, mas fora do mundo do faz-de-conta de "House
of Cards", isso costuma estar errado. Votar em alguém com pouca ética na
esfera privada é como embarcar em um navio de guerra com armas excepcionais e o
casco apodrecendo. Existe uma boa chance de que você afunde antes que a viagem
termine.
As pessoas que são desonestas, rudes e arrogantes têm dificuldades para
atrair e conservar boas pessoas em sua equipe. Elas tendem a ter amigos
desprezíveis. Elas próprias podem ser perspicazes, mas quase sempre estão
cercadas de bajuladores e pessoas medíocres que desencadeiam escândalos e
prejudicam a eficiência do líder.
Os líderes que não têm humildade são frágeis. Seu orgulho é inflado e
sensível. As pessoas nunca os tratam com o respeito que eles acreditam merecer.
Eles acabam consumidos por ressentimentos. Eles tratam a política como batalha,
armam-se e se fecham para informações e feedback.
Você pode pensar que eles estão defendendo sua causa ou seus objetivos,
mas quando o bicho pega, eles estão mais interessados em defender a si mesmos.
Eles guardam uma lista de inimigos e a vida se torna uma questão de ajustar
contas e imaginar conspirações. Eles recusam qualquer política que possa
prejudicar sua posição.
É um paradoxo da política o fato de que as pessoas que buscam o sucesso
de forma obsessiva geralmente acabam se sabotando. Elas tratam cada relação
como uma transação e não criam lealdade. Elas perdem qualquer voz interna que
seja mais honesta. Depois de um tempo, elas não conseguem mais perceber a si
mesmas ou à situação de forma acurada. Mais cedo ou mais tarde, chega o seu
Watergate.
Talvez, há muito tempo atrás, existisse um ambiente no qual esses
maquiavélicos sem escrúpulos tinham espaço para fazer sua magia negra, mas nós
não vivemos na Itália renascentista. Vivemos em um mundo sob uma atenção
onipresente da mídia. Quando surge uma pitada de escândalo de qualquer tipo, o
mundo político entra em um frenesi extremo e tudo para.
Vivemos em um mundo em que o poder está disperso. Você não consegue
intimidar as pessoas cortando os seus inimigos em pedaços em praça pública.
Mesmo a presidência não é um cargo poderoso o bastante para permitir que um
líder governe pelo medo. Você precisa construir coalizões, apelando para os
interesses próprios das pessoas e atraindo-as voluntariamente para o seu lado.
A política moderna, como a ética privada, diz respeito a construir
relações pessoais duradouras e confiáveis. Isso significa ser justo,
compreensivo, honesto e confiável. Se você é péssimo em criar laços de
confiança, você é péssimo na política.
Pessoas com uma boa ética na vida privada conseguem se sair melhor a
longo prazo. Eles amam genuinamente as causas, mais do que a si mesmas. Quando
o noticiário distrai e as paixões de curto prazo crescem, elas ainda conseguem
se guiar por aquela estrela distante. Elas têm menos tendência de reagir de
forma extrema e fazer algo estúpido.
As pessoas com um senso ético apurado têm um sistema de alerta precoce.
Elas não precisam pensar nos perigos do olho por olho das trocas de favores com
bilionários. Eles têm uma repulsa estética contra pessoas que parecem sujas e
situações que sejam repugnantes, o que evita uma série de problemas.
É claro, a ética privada não é suficiente. Você precisa saber reagir às
pessoas sem escrúpulos que querem destruí-lo.
Mas, historicamente, os líderes mais eficazes – como, digamos, George
Washington, Theodore Roosevelt e Winston Churchill – tinham uma consciência
dual. Eles tinham uma voz interna ética fervorosa, capaz de gerar retidão, uma
consciência radical de si mesmos e grande compaixão. Eles também tinham uma voz
externa pragmática e perspicaz. Essas duas vozes conversavam constantemente,
checando uma à outra, inquirindo para chegar a uma síntese, sábias como uma
serpente e inocentes como uma pomba.
Eu não sei se Hillary Clinton possui essa dupla mentalidade. Mas eu sei
que, se os candidatos não adquirem uma bússola ética fora da política, não é na
Casa Branca que a conseguirão, e não serão eficientes lá.”
Esse texto de David Brooks lembra-me Adam Smith. Ele, mestre de Ética,
na Universidade de Edinburgo, criou a Ciência Econômica, sobre o pensamento de
que a ética do homem de negócios difere da ética do homem comum. Acho que David
Brooks também pensa que a ética do homem político não é totalmente afinada com
a ética do homem comum... Essa divergência, todavia, precisaria de limites,
para que seja aceitável...
Alíás, estou acreditando que Economia e Política são ciências fraternas,
já que têm origem na mesma paternidade, pois esta nasceu com o Príncipe de
Maquiavel, que pensava que a ética do político não coincidia com a moral do
homem comum...
Penso até que também ao político cabe aquela advertência dos Evangelhos
aos negociantes: “É mais fácil um camelo passar pelo furo de uma agulha do que
um negociante ingressar no reino dos céus!...”
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