Transcorridos
três séculos, Pepino, o Breve, Prefeito do Palácio do rei franco, isto é,
governante de fato do reino franco, narra Will Durant, “enviou uma embaixada ao
Papa Zacarias para perguntar se era pecado depor o títere merovíngio e
tornar-se ele próprio rei de nome, como já o era de fato. Zacarias, que
necessitava do apoio dos francos contra os lombardos ambiciosos, respondeu-lhe
com uma negativa animadora. Pepino convocou uma assembleia de nobres e prelados
em Soissons; ali foi ele escolhido rei dos francos...” e internou o rei num
mosteiro.
Três
anos transcorridos, continua Will Durant, “... o Papa Estêvão II veio à abadia
de São Dionísio nos subúrbios de Paris e ungiu Pepino rex Dei gratia – rei pela
graça de Deus -... (em contrapartida, Pepino) salvou o papado dos reis
lombardos e deu-lhe um poder temporal espaçoso na Doação de Pepino em 756 EC... (Pepino) Ficou contente em receber em troca o
título de patricius Romanus e uma
injunção papal aos francos para que nunca escolhessem um rei a não ser de sua
progênie.” Diz-se que esse socorro régio ao Papa deveu-se ao receio real de que,
caso o negasse, se concretizasse a ameaça papal da recusa de São Pedro de usar
as chaves da porta do Reino dos Céus para abri-la a Pepino, na hora da morte.
Ao que consta, esse receio naqueles tempos era generalizado, dramático, compulsivo
e empreendedor!
A
realeza, daí em diante, tornou-se instituto social e jurídico por concessão
divina, através do Papa, o sucessor de Pedro, o delegado divino, sediado em
Roma!
Poucos
anos decorridos, Carlos Magno, filho de
Pepino, jovem rei, muito prendado e bafejado pela sorte, concebeu, diz Will
Durant, “uma das mais brilhantes ideias na história política da humanidade: a
transformação do reino de Carlos Magno no Santo Império Romano, que teria atrás
de si todo o prestígio, santidade e estabilidade da Roma imperial e papal."
Acontece
que, narra Will Durant, “Em 26 de dezembro de 795, Leão III foi eleito papa. A
população romana não gostava dele; acusou-o de vários erros... a 25 de abril de
799, atacou-o, maltratou-o e prendeu-o em um mosteiro. Leão III escapou e
buscou a proteção de Carlos Magno em Paderborn. O rei recebeu-o bondosamente,
mandou-o de volta a Roma sob escolta armada e ordenou ao Papa e seus acusadores
que comparecessem a sua presença no ano seguinte. Em 24 de novembro de 800
Carlos Magno entrou na antiga capital com pompa. A lº de dezembro, uma
assembleia de francos e romanos concordou em arquivar as acusações contra Leão
se esse as negasse sob juramento solene. Ele o fez e abriu-se o caminho para a
magnífica celebração do Natal.”
“No
dia de Natal, quando Carlos Magno, relata Will Durant, envergando uma clâmide e
calçando, como era hábito dos reis francos, sandálias de patrício romano,
ajoelhava-se ante o altar de São Pedro, Leão subitamente apresentou uma coroa
ornada de gemas e colocou-a na cabeça do rei. A congregação, talvez de antemão
instruída para agir conforme o ritual antigo do senado e povo romano ao
confirmar uma coroação, gritou três vezes: “Salve Carlos, o Augusto, coroado
por Deus, grande e pacífico imperador dos romanos!” Em seguida o Papa ungiu-lhe
a cabeça com o óleo do Crisma e lhe rendeu o ato de homenagem reservado
unicamente ao imperador do Oriente, ajoelhando-se em frente a Carlos Magno.
Estava
fundado, de fato, o Santo Império Romano. Mas, Will Durant diz que Eginardo,
cronista da corte de Carlos Magno, relata que este lhe confidenciara que, “se
soubesse da intenção do Papa de coroá-lo, ele não teria entrado na igreja.”
Esse desgosto decorreria do fato de que era hábito dos reis francos se
coroarem, em sinal do seu poder político
supremo, da soberania: o seu poder era considerado uma disposição direta de
Deus.
Nada
obstante, como explana Will Durant, “A coroação teve resultados para mil anos..
Fortaleceu o papado e os bispos, tornando a autoridade civil derivada da
confirmação eclesiástica. Gregório VII e Inocêncio III,..., construiriam uma
Igreja mais poderosa. A coroação fortaleceu Carlos Magno contra o
descontentamento dos barões e outros elementos, por torna-lo o próprio vigário
de Deus, favoreceu muito a teoria do direito divino dos reis... O fato de
Carlos Magno (como desejava o Papa) continuar a fazer de Aachen, e não Roma,
sua capital, sublinhou a passagem do poder político do Mediterrâneo para o
norte da Europa, do povo latino para os teutônicos. Acima de tudo, a coroação estabeleceu
de fato o Santo Império Romano, embora não em teoria. Carlos Magno e seus
conselheiros conceberam a sua nova autoridade como um renascimento do velho
poder imperial; somente com Oto I foi reconhecida distintamente a nova
característica do regime; e ele se tornou “santo” somente quando Frederico
Barba Roxa introduziu a palavra sacrum no seu título em 1155. Além de tudo, a
despeito de sua ameaça à liberdade do espírito e do cidadão, o Santo Império
Romano constituía uma nobre concepção, um sonho de esperança e paz, ordem e
civilização estabelecidas em um mundo heroicamente conquistado ao barbarismo,
violência e ignorância.”
Sessenta
anos passados desde aquela histórica noite de Natal, o papa Nicolau I governava
a Igreja de Roma com plena convicção de que Jesus Cristo, o Filho de Deus,
fundara a Igreja de Roma, nomeara Pedro seu primeiro chefe, de modo que os
bispos de Roma são herdeiros da autoridade de São Pedro. O Papa é o
representante de Deus na Terra. Tem a autoridade suserana sobre todos os
cristãos, súditos e reis, pelo menos em matéria de fé e moral. Nisso ele
acreditava. Com essa autoridade ele procedeu, submetendo o clero, os reis e os
senhores feudais por toda a Europa de tal forma que, diz Will Durant, “Quando
morreu, o poder do papado estava reconhecido mais amplamente do que nunca.”
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