Atentem
para o que os mestres ensinam. O ser humano, a sociedade, a Cultura e a
Civilização são construções humanas. São produções humanas. No amplo espectro
da Civilização - tradições morais, economia, política e acervo de conhecimento
e artes – avultam as tradições morais, as normas do relacionamento dos
indivíduos que compõem a sociedade, porque essas relações são precisamente o
amálgama social. Elas são o tecido da sociedade. Elas tecem a sociedade. Elas
formam a sociedade. Elas conferem à sociedade a sua forma, a sua face.
Essas
tradições morais sofrem transformações. Elas se transformaram e se transformam
continuamente. São efêmeras. A realidade é fieri. É transformação. No mundo
moderno, o código das leis assumiu o consenso das tradições morais,
adicionou-lhes a luz da racionalidade juntamente com o oportunismo da
flexibilidade, assumindo, destarte, a prestigiosa função de instrumento indispensável e insuperável da
coesão social.
Mas,
a essência da Civilização, o nível mais ou menos alto da Civilização, consiste
exatamente nisso: no grau de conferir energia de progresso (de transformação
para mais bem estar) preservando o bem estar já adquirido (previdência social).
A Civilização é basicamente uma atitude de previdência social: planejar no
presente a permanência e até, no futuro, a superação do bem estar atual. Previdência
social é isso é a garantia de que se manterá no futuro, a despeito de toda
incerteza que o futuro é, determinado nível de bem estar, que se idealiza
superior ao de que hoje se usufruí. É essa expectativa, essa esperança, essa
utopia que mantém viva a ideologia capitalista bem como paradoxalmente é o
fundamento da ideologia socialista. Era isso que significava a carreira que
fazíamos no Banco, galgando, por merecimento e tempo de serviço, os postos de
carreira e, por merecimento, os postos de comissões.
Esse
processo, pois, de racionalização das tradições morais, que nada mais é que o
Direito, se insere no amplo processo civilizatório da Humanidade,
conferindo-lhe refinamento e sofisticação da Cultura que se expressa,
sobretudo, na realização da sociedade e do Estado Democrático do Bem Estar
Social, cujo organismo, Lester Thurow entendeu, no seu livro Head to Head, de
1993, gestar economias como as da Europa e do Japão, fadadas ao sucesso exatamente
por isso, porque são produtos de
empresas organizadas segundo modelo muito semelhante ao adotado pelo Banco
naqueles tempos: a empresa era uma família, um clã, para a vida inteira do
cidadão.
Ora,
é exatamente isso o que diz a Súmula 288 do TST:”
A complementação dos proventos de aposentadoria, instituída, regulamentada e
paga diretamente pelo empregador, SEM VÍNCULO COM AS ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA
PRIVADA FECHADA, é regida pelas normas em vigor na data de admissão do
empregado, ressalvadas as alterações que forem mais benéficas (art. 468 da
CLT);” É a exata expressão do que se extrai do conceito de norma contratual, à
luz dos seus três princípios fundamentais: da autonomia, da boa fé e da função
social. É a exata expressão da lógica dos Títulos que compõem a Constituição
Brasileira de 1988, dos valores de seu preâmbulo, dos princípios fundamentais
dos direitos individuais e sociais elencados na sua formulação original, do
sentido de defesa do indivíduo pelas cláusulas pétreas contra o poder soberano
estatal e pelos princípios fundamentais que regem o direito contratual.
Em
1955, quando ingressei no Banco do Brasil, aposentadoria era um direito do trabalhador.
Era, na verdade, um negócio entre o empregado e o Estado, com feições de seguro
de vida. Durante o período ativo, pagava-se (empregado, empregador e Estado) um
prêmio a uma entidade estatal, o IAP, comprometendo-se este a pagar por
incapacidade, ou após trinta anos de contribuição e o mínimo de sessenta e
cinco anos de vida, aposentadoria equivalente a determinado valor, o chamado
salário de contribuição. Esse seguro, todavia, ligava-se por vínculo de
obrigatoriedade à condição de trabalhador empregado. Empregado e empregador
tinham a obrigação da contribuição. O Banco concomitantemente fazia outro
contrato, o de complementar essa aposentadoria, de modo que o empregado
aposentado ou incapacitado, perceberia, até a morte, renda equivalente ao do
posto ocupado no último dia de trabalho. Esse compromisso abarcava também a
pensão. Ambos os contratos, pois, de execução continuada e com prazos muito bem
determinados, embora de data de execução indefinida, porque dependente de condições
futuras contingentes (morte e incapacidade). E essa vinculação ao contrato de
trabalho era tão forte que o próprio banco assumia, por até quinze anos, o ônus
integral da aposentadoria dos funcionários que se aposentavam com trinta anos
de serviço e cinquenta anos de idade. (Da Caixa Montepio à PREVI).
Dois
anos depois, em 1957, no Governo do Presidente Juscelino Kubitschek,
promulga-se a Lei 3228, onde se definem:
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já
consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os
direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo
comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida
inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso
julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso."
Essas definições hoje são artigos do novo Código
Civil Brasileiro.
Assim, um contrato de execução continuada
assinado, sem qualquer vício, não é um ato jurídico perfeito. Eu apenas tenho
EXPECTATIVA DE DIREITO. NÃO TENHO DIREITO ALGUM. Eu, indivíduo concreto, que
assinei o contrato, não tenho ainda DIREITO ALGUM. Não tenho direito subjetivo.
Não incorporei o direito à aposentadoria, porque ainda não trabalhei trinta
anos. A aposentadoria só se acresce ao meu patrimônio, quando eu houver
trabalhado os trinta anos. Aí, tenha eu me aposentado ou não, o direito à
aposentadoria passa a fazer parte do meu patrimônio.
É uma bela teoria. Tem muita razão de ser.
Teoria de um grande jurista italiano, Carlo Francesco Gabba, cuja genialidade
influenciou a teoria do Direito da segunda metade do século XIX até o ano de
sua morte 1920, adotada ela pelo Direito Brasileiro, e amplamente adotada no
Mundo. Não pesquisei, mas até suspeito, em razão da época de atuação de Gabba,
que serviu para a introdução e desenvolvimento do Estado do Bem Estar Social na
Europa e no Mundo. Nada obstante, o fato é que, se naquele dia 5 de outubro de
1955, alguém me dissesse que eu não tinha adquirido um direito, o direito à
aposentadoria integral quando completasse trinta anos de serviço, eu não
acreditaria. Eu tinha convicção do pacta sunt servanda, da boa fé do Banco, da
proteção que me dariam os tribunais de justiça. O Banco é um empregador
correto, contratante de boa fé, de palavra (verbum meum pactum, como se gaba a
Bolsa de Londres, há séculos).
Então, ato jurídico perfeito é o ato
jurídico com todos os seus condicionamentos realizados, mesmo que não tenha
havido o exercício do direito, isto é, completei os trinta nos de serviço,
tenho 50 anos de idade, mas não me aposentei. Neste caso, ninguém pode me
impedir de aposentar-me, porque a aposentadoria já pertence ao meu patrimônio.
O direito de aposentar-me é, nesse caso, protegido pelas cláusulas pétreas. Nem
o Estado tem o poder de obstar.
Já o direito adquirido é o mesmo que o ato
jurídico perfeito, isto é, o direito consumado com todas as obrigações cumpridas,
mesmo que não haja sido exercido ainda o direito.
Acho que essa lei forneceu apoio para que o
Banco tomasse aquela decisão autoritária,
unilateral, de transferir para a PREVI, em 1967, a responsabilidade pelos
pagamentos dos funcionários pré-67. Ainda hoje me recordo daquela tarde de
1966, na sala do quarto andar do belo Edifício Visconde de Itaboraí, na Av.
Presidente Vargas, ao lado da Candelária, no Rio de Janeiro, quão internamente
contrafeito me sentia, ao decidir filiar-me à PREVI, para garantir a integralidade
da aposentadoria, que num futuro longínquo e de data inicial incerta, iria
garantir o sustento digno de minha mulher! A segurança desse sustento foi o
fator determinante. Nada obstante, tendo em vista que os próprios
funcionários, ante a possibilidade do fracasso da PREVI, já haviam tentado
promulgação de lei, que permitisse tal solução para manter a continuidade da
integralidade da aposentadoria e pensão, não é seguro que uma consulta aos
empregados resultasse em repulsa. O relato do livro “Da Caixa Montepio à PREVI”,
entretanto, traça o histórico de um ato unilateral da Assembleia de Acionistas
do Banco. Entendo, todavia, que, por inexistência de lei gestante desse
direito, se tratou de ato ilegal, porque contrariava os três princípios
fundamentais do contrato. A Lei pode alterar as relações contratuais. Mas, as
partes contratantes só podem alterar o contrato por mútuo consenso. E a
autoridade dos tribunais só pode mudar o contrato de trabalho sob orientação do
princípio da função social, que é princípio de proteção do empregado: os
direitos do trabalhador são irrenunciáveis.
Entendo que a situação dos pós-67
apresenta aspecto mais delicado. O Banco, no meu entender, continuou, através
de suas instruções internas (Circulares FUNCI), comprometido com a
integralidade da aposentadoria e da pensão. O fato, todavia, de que a
complementação se realizaria sob a responsabilidade da PREVI, parece sugerir
que o Banco entendia que a relação jurídica dessa complementação se restringia
ao empregado, como sujeito de direito da complementação, e à PREVI, como
sujeito de obrigação.
Não me parece que esse entendimento seja
bem fundamentado. Com efeito, a transferência da responsabilidade pela
complementação para a PREVI foi ato exclusivamente do Empregador, Estatuto e Regulamento
feitos exclusivamente pelo Empregador, administração da PREVI controlada pelo
Empregador, transferência feita por interesse exclusivo do Empregador, a
garantia do sucesso administrativo da PREVI apoiada no poder econômico e
político do Empregador bem como nas qualidades éticas, técnicas e
administrativas do Empregador. E, sobretudo, tudo isso feito sem base em Lei, a
Lei que cria e altera deveres e obrigações e que pode alterar direitos
objetivos. Na minha opinião, àquela época, a aposentadoria e a pensão ainda
continuavam sendo cláusulas do contrato de trabalho, amparado nos princípios da
função social do contrato e do equilíbrio (proteção ao mais fraco).
Qual é o problema que entrevejo neste
caso? É a incerteza da integralidade. Com efeito, a administração de um fundo
de pensão pode ser bem ou mal sucedida. Pode apresentar superávits ou déficits.
Pode até resultar em um passivo irrecuperável. Não se pode lançar tamanha
responsabilidade sobre cidadãos que estão naquela situação de indigência, como
é um incapacitado. Isso é absolutamente irracional. Um aposentado é aposentado,
porque é ou é considerado um incapacitado para o trabalho. Qualquer
contribuição que se exija do aposentado está-se atacando a integralidade de sua
aposentadoria. Nem mesmo se pode fundamentar a garantia da integralidade da
aposentadoria na contribuição do empregado, porque ele em geral já ganha renda
a nível da subsistência.. Quem produz a riqueza é a empresa. A própria
contribuição do empregado é produto da Empresa. A parte amplamente
superavitária dos resultados de uma empresa não é a parte destinada ao
trabalhador, ao empregado. Ela canaliza-se para o Empresário e, nos dias de
hoje, para os CEOS em profusão. Os livros de Economia não se cansam de
denunciar, nos tempos atuais, que 1% da população detém 51% da riqueza mundial.
A contribuição é sobremodo onerosa para o empregado e pouco onerosa para a
Empresa, que transfere o ônus para o mercado.
(continua)
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