quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

401. A Democracia no Reino de Maquiavel.

Em tarde de dia incerto da semana, o venerando sacerdote, sacola ao ombro, onde portava o livro das lendas do Reino de Maquiavel, saía correndo à frente dos cinquenta adolescentes apostólicos jesuítas pelas trilhas do chão generoso do morro da Cruz ou do morro da Caridade, da serra de Baturité, onde aqui e ali saltávamos por sobre serpentes que cruzavam nossos caminhos, para estancar, quando já cansado, sentar-se numa saliência rochosa à sombra de árvore frondosa e, recostado no robusto tronco, ler capítulos da obra literária.

Naquela tarde, ele nos leu o episódio da proclamação da última constituição outorgada por Maquiavel, rei violento e farsante, ao seu povo. A solenidade da outorga constitucional ocorria, após meses de apaixonados debates de representantes do povo, que haviam proposto ao rei o mais avançado texto constitucional da época.  Até democracia direta prescrevia, na forma de plebiscito, referendo e iniciativa popular. Com tudo isso o rei Maquiavel aquiescera, com o intuito de aplacar a revolta popular que já ameaçava repetir o desastre real da Bastilha, conduzindo-o ao cadafalso.

Numa tarde memorável, o povo maquiavélico assistiu, inebriado de orgulho patriótico, ao rei alçar por sobre a cabeça e agitar com simulado orgulho a que ele apelidou de constituição cidadã, constituição democrática do bem-estar social.

Acontece que anos, dezenas de anos se passaram, as mais importantes reformas se processaram, como a trabalhista, a previdenciária, a educacional.  Tudo isso que, num país comprometido com a respeitabilidade, a honorabilidade e a lealdade, deveria ser promovido diretamente pelo povo, tudo isso foi realizado segundo os planos pessoais do próprio rei, deliberadamente sem a manifestação direta do povo, num vasto e encoberto mercado de concessões de favores políticos, onerosos para o já combalido erário régio, negociados durante ágapes para dezenas de participantes, nos três palácios de sua alteza, o de trabalho, o de residência e o de descanso nos fins de semana.

O ladino rei Maquiavel sabia que o povo queria que as reformas principiassem por ele e seu séquito de espertos e parasitários companheiros do restrito círculo da elite do Poder político. O Povo não mais suportava sustentar um rei com três palácios para viver e ágapes generosos e requintados diários para dezenas de improdutivos convivas. O Povo se sentia explorado por uma classe de excessivos representantes, quase mil, tão ignorantes que exigiam dezenas de assessores e acomodações luxuosas que só produzia leis em benefício próprio ou das classes exploradoras das necessidades populares, como aquelas que cobravam juros de 200% ao ano emprestando dinheiro que guardavam de graça ou tomavam emprestado do Banco Central a 7% a.a. O Povo não mais aceitava sustentar população de milhares de pessoas que periodicamente mudavam de residências para as capitais do reino, de suas províncias e de sedes de municípios com familiares e assessores, com os mais diversificados benefícios altamente gravosos, alguns deles vitalícios, para nada produzirem em favor do progresso do reino e do bem-estar da população. O povo sentia choques de revolta ao perceber o desbunde de ostentação, quando confrontava o comportamento frívolo e vaidoso dos representantes do reino com o dos estrangeiros nos conclaves intergaláticos! O Povo já não mais tolerava assistir a juízes desperdiçar horas altamente remuneradas em exibicionismo intelectual, quando as justificativas jurídicas de sentenças poderiam ser restritas a mero resumo claro e objetivo da argumentação, em palácios espalhados pela vastidão do reino, abrigo de legiões de assessores, população remunerada de forma misteriosa. O povo chocava-se com todas aquelas pretensas reformas, porque lia na constituição régia que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e se destina a assegurar a toda a população existência digna, justiça social e pleno emprego, e energicamente ordenava a repressão do aumento arbitrário dos lucros! Estupefato ficou o povo, quando, em certa época, notou que a constituição não mais limitava a taxa de juros a 12% a.a., nem  mais considerava taxa excedente crime de usura!

Iniciara-se a Era da Informação. O Povo despertava. O Povo entendia que cada ser humano é uma singularidade que quer ser feliz na vida e que só pode ser feliz – viver sem dor no corpo e sem angústia na alma - realizando a sua singularidade numa fraterna convivência com os outros, como a Humanidade aprendeu com Erich Fromm. Eric Fromm é Humanidade. Nietzsche é loucura. O super-homem é ditadura. O liberalismo econômico é revolta e suicídio. Herbert Spencer é fascismo e nazismo.


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