sábado, 8 de dezembro de 2018

420. In Claris Non Existit Interpretatio



Todo cidadão brasileiro tem o direito de manifestar sua opinião sobre qualquer assunto com que se depare. Manifestar opinião divergente não é ofensa a ninguém. Pode até ser obrigação de cidadania, porque o conhecimento é direito individual e fundamental da pessoa humana no mundo atual em que vivemos, É princípio do Direito Internacional.

Seguirei neste pequeno texto o método socrático de pesquisa, o diálogo socrático, seguido a seu modo por Tomás de Aquino e por Descartes, o das ideias claras e distintas, e base do método científico atual, que pretende apresentar-se como procedimento falível, realizado pelo conjunto dos cientistas vivos de todo o planeta Terra.

O objeto de minha pesquisa é: “O pagamento de contribuição ordinária por ASSISTIDO de plano de benefício previdenciário complementar no Brasil é legal?

A primeira indagação que a voz da evidência soa em minha mente é: o que estou investigando?
O que é contribuição previdenciária? Maria Helena explica, no Dicionário Jurídico Universitário, que é uma obrigação imposta por lei ao segurado com a finalidade de prover o custeio do plano de benefícios.
O que é Assistido? LC109/01-Art.8-II: o participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada (aposentado ou pensionista) .
O que é legal? Qualidade do que é conforme com a lei (Dicionário Jurídico).
O  que é conformidade: qualidade do que é conforme, idêntico (Aurélio).

Então, o que a voz da evidência fala em minha mente que eu estou investigando: quero saber SE O PAGAMENTO DE CONTRIBUIÇÃO PELO ASSISTIDO (APOSENTADO OU PENSIONISTA) PARA O PLANO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO ESTÁ CONFORME COM A LEI ou é contrária à lei?

A primeira lei a ser consultada é a Constituição Brasileira, que dedica apenas um artigo à Previdência Complementar, o 202:
Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Nova redação dada pela EC nº 20, de 1998) 
§ 1º A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos. (Nova redação dada pela EC nº 20, de 1998)
 § 2º As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. (Nova redação dada pela EC nº 20, de 1998) 
§ 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado. (Incluído pela EC nº 20, de 1998)
§ 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada. (Incluído pela EC nº 20, de 1998)
§ 5º A lei complementar de que trata o parágrafo anterior aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada. (Incluído pela EC nº 20, de 1998)
§ 6º A lei complementar a que se refere o § 4º deste artigo estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação. (Incluído pela EC nº 20, de 1998)”

O corpo desse artigo trata de contribuição ? Não.
Mas, trata de matérias importantes, entre elas:
- diz que a previdência complementar é um regime, isto é um conjunto de normas legais que deve ser observado;
- que essas normas constarão de leis que complementarão este artigo 202 da Constituição.

O §1ºnao trata de contribuição.
O §2º afirma que a contribuição do empregador não integra o contrato de trabalho nem a remuneração dos participantes;
O §3º prescreve que entidade estatal só pode fundar plano de benefícios previdenciários na condição de Patrocinador e que sua CONTRIBUIÇÃO NORMAL jamais será superior à do Participante;
Os §4º, 5º e 6º ordenam que se promulgue lei normativa das relações entre Patrocinadora estatal e EFPC, e fazem outras recomendações que não importam a esta nossa indagação.

Tudo isso é o que a voz da evidência me fala na mente, sobre o assunto da nossa investigação, quando leio este artigo 202:
PARTICIPANTE PAGA CONTRIBUIÇÃO;
PATROCINADOR ESTATAL PAGA CONTRIBUIÇÃO NORMAL QUE NÃO PODE SUPERAR A DO PARTICIPANTE.

Leiamos, então, a LC 109/01 a LEI BÁSICA DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR BRASILEIRA.
Onde ela trata de Patrocinador?
Em vários artigos que nada acrescentam aos dispositivos constitucionais no que tange à nossa indagação,

Onde ela trata de Participante e Assistido? “Art. 8o\ : “Para efeito desta Lei Complementar, considera-se:
        I - participante, a pessoa física que aderir aos planos de benefícios; e
        II - assistido, o participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada.” (aposentado e pensionista)

Onde ela trata de Contribuição?
Em vários artigos, entre eles os artigos 18, 19, 20 e 21 que tratam da matéria de nossa indagação:
“Art. 18. O plano de custeio, com periodicidade mínima anual, estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.
        § 1o O regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações que sejam programadas e continuadas.
        § 2o Observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, o cálculo das reservas técnicas atenderá às peculiaridades de cada plano de benefícios e deverá estar expresso em nota técnica atuarial, de apresentação obrigatória, incluindo as hipóteses utilizadas, que deverão guardar relação com as características da massa e da atividade desenvolvida pelo patrocinador ou instituidor.
        § 3o As reservas técnicas, provisões e fundos de cada plano de benefícios e os exigíveis a qualquer título deverão atender permanentemente à cobertura integral dos compromissos assumidos pelo plano de benefícios, ressalvadas excepcionalidades definidas pelo órgão regulador e fiscalizador.”

A voz da evidência me diz que nesse artigo 18 a LC 109/01está tratando do cálculo da contribuição normal e prescreve que seja tal que produza reserva que iguale o valor de todos os compromissos do Plano de Benefícios.
       
“Art. 19. As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.
        Parágrafo único. As contribuições referidas no caput classificam-se em:
        I - normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano; e
        II - extraordinárias, AQUELAS DESTINADAS AO CUSTEIO DE DÉFICITS, serviço passado e OUTRAS FINALIDADES NÃO INCLUÍDAS NA CONTRIBUIÇÃO NORMAL”.

A voz da evidência me fala na mente que esse artigo 19 ordena que habitual e periodicamente a EFPC calcule a contribuição do Participante e do Patrocinador de modo que seja suficiente para formar reserva que iguale os compromissos do Plano de Benefícios: A CONTRIBUIÇÃO NORMAL (Artigo 19-§Único-I).

Este artigo manda mais, a saber (§Único II), que, em situação de grave déficit, quando o restabelecimento da contribuição normal seja insuficiente para restabelecer o equilíbrio do Plano de Benefícios (reserva=compromissos), se cobre CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA, a saber, CONTRIBUIÇÃO PARA SALDAR COMPROMISSOS QUE A CONTRIBUIÇÃO ORDINÁRIA É INSUFICIENTE PARA PAGAR.

Isso, a voz da evidência me grita na mente, especialmente quando leio o artigo 20 seguinte:
“Art. 20. O resultado superavitário dos planos de benefícios dars entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas.
        § 1o Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será constituída reserva especial para revisão do plano de benefícios.
        § 2o A não utilização da reserva especial por três exercícios consecutivos determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios da entidade.
        § 3o SE A REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIOS IMPLICAR REDUÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES, deverá ser levada em consideração a proporção EXISTENTE entre as contribuições dos patrocinadores e dos participantes, INCLUSIVE DOS ASSISTIDOS”.

A voz da evidência me fala na mente que esse artigo entende que Plano de Benefício em equilíbrio, e até superavitário, possa estar cobrando  contribuição de assistido! Ele me grita à mente: INCLUSIVE DE ASSISTIDOS! Ora, como vimos acima, PLANO EQUILIBRADO E SUPERAVITÁRIO NÃO É ALIMENTADO POR CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA. Então a voz da evidência GRITA na minha mente que esse artigo 20 SUPÕE,TOLERA e ALBERGA A CONTRIBUIÇÃO NORMAL DE ASSISTIDOS.

Essa voz da evidência se repete quando leio o artigo 21: “O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.
        § 1o O equacionamento referido no caput poderá ser feito, dentre outras formas, por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.
        § 2o A redução dos valores dos benefícios não se aplica aos assistidos, sendo cabível, nesse caso, a instituição de contribuição adicional para cobertura do acréscimo ocorrido em razão da revisão do plano.
        § 3o Na hipótese de retorno à entidade dos recursos equivalentes ao déficit previsto no caput deste artigo, em conseqüência de apuração de responsabilidade mediante ação judicial ou administrativa, os respectivos valores deverão ser aplicados necessariamente na redução proporcional das contribuições.”
Na minha mente esse artigo planta o seguinte entendimento, e com voz estridente da evidência: a mais habitual providência para equilibrar um Plano de Benefícios superavitário é flexibilizar a contribuição normal que pode ir até à extinção dela! Igualmente, o equilíbrio de um plano deficitário, habitualmente se processa pelo restabelecimento das contribuições de Patrocinador, Participante e ASSISTIDOS, na PROPORÇÃO EXISTENTE EM SEU REGULAMENTO. Caso essa providência não seja suficiente, lança-se mão da CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA! Ou também de redução dos benefícios dos Participantes, mas não dos Assistidos, porque estes são direitos adquiridos.

PENSO QUE ESSE RACIOCÍNIO É QUE HAJA LEVADO O ILUSTRE ADVOGADO DA ANABLAB A MANIFESTAR-SE NESTES TERMOS: "Acho muito difícil o não pagamento da contribuição na condição de aposentado, pois o regulamento prevê o pagamento, no entanto, vamos nos debruçar sobre a matéria pra achar uma saída."

Entendo que provar que a contribuição normal de Assistidos é afronta à legislação ora vigente é inviável. Penso que muito mais sensato seria tentar argumentar que a contribuição do Assistido é um absurdo que não se ajusta ao princípio da sistematicidade do Direito formulado no Título VIII da Constituição Brasileira.


Termino afirmando que entendo que todo o cidadão alfabetizado não só tem capacidade para ler e formar juízo pessoal sobre a lei de seu País, como tem obrigação e interesse de praticá-la. Conheci na época que residi em São Luís do Maranhão um rábula do interior do Estado que exercia a profissão de advogado melhor que muitos bachareis em Direito. Tal era o prestígio que gozava na sua atividade que conseguira acumular uma das mais importantes fortunas do Estado.

Observação; Embora lúcido, venho, já próximo dos meus 93 anos, lutando pela sobrevivência, frequentando até os hospitais algumas vezes no ano. Não tenho mais condições de escrever senão quando impelido por impulso interior incontrolável, como foi o caso deste texto.  




2 comentários:

  1. Caro e estimado Senhor Edgardo : acompanho seu blog e seus comentarios precisos no blog do Prof Ari Zanella.
    Quando o assunto "contribuições normais e extraordinárias/assistidos" foi tratado , restava-me pitada de duvida.
    Não mais resta. Obrigado pela "aula" esclarecedora. Mantenha-se firme e lucido. Boa sorte !

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  2. Estimado colega Carlos
    Fico-lhe agradecido pelo comentário. Você não imagina o conforto que essa sua manifestação me proporciona!
    Edgardo

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