Os cristãos
paulinos têm muita dificuldade de compreender uma religião terráquea. A
religião teria que incluir a imortalidade ou, pelo menos, a ressurreição, isto
é, a imortalidade numa segunda etapa da vida num outro espaço, o espaço
celestial. Foi a imortalidade que Paulo de Tarso ensinou na epístola aos
tessalonicenses. A parusia, a ideia revolucionária pregada por esse líder
carismático sem igual na História, consistia na fusão do espaço terrestre, que
subiria, com o espaço celeste, que desceria, na ocasião do segundo advento de
Jesus Cristo que, na mente do apóstolo, ocorreria breve, muito breve.
Mas, a parusia
demorava. Os Tessalonicenses se sentiram ludibriados. Paulo de Tarso explicou:
quem morrer ressuscitará pouco antes da parusia. Afinal de contas, isso não era
estranho para os gregos, participantes dos mistérios de Dionísio e Orfeu. A Terra estaria no centro do Universo.
Acima da Terra achava-se o Céu, reino de Zeus e morada dos deuses, que
estabelecera residência no cume do Monte Olimpo. Abaixo da Terra encontrava-se
o Hades, reino de Plutão, dividido em duas regiões, os Campos Elísios, morada
dos homens justos após a morte, e o Tártaro, morada dos homens maus após a
morte. Essas idéias foram assimiladas pelo Cristianismo.
Mas, a
religião do Gênesis é terráquea. Não se contempla a vida após a morte. A
dimensão da vida é a Terra, a morada dos homens. O homem justo recebe a
recompensa divina nesta vida terrena. Será cumulado de todas as bênçãos:
longevidade, riqueza, higidez, vida prazerosa, fecundidade, prole numerosa. O
homem perverso será objeto de todas as maldições: doença, vida breve, pobreza,
vida afanosa, sofrimento, infertilidade, sem descendência.
Adão e Eva
pecaram. O pecado introduziu o mal no mundo, a maldição de Deus. A Lei salva e
condena. Curioso que, de acordo com o autor do capítulo 5 do Gênesis, Adão, que
introduziu o pecado no mundo, viveu 930 anos, quase um milênio!... Essa ideia
de vida milenar até nutriu a lenda cristã do Judeu Errante. Ele recusou ajudar
Jesus na Via Crucis. O remorso o tornou errante milenar. Abades e até papa
afirmaram que o conheceram no início do segundo milênio da Era Cristã!...
Entendo,
também, que o autor desse capítulo 5 do Gênesis julgava os descendentes de Adão
muito honestos: eles viveram todos quase um milênio!... Só mais tarde, o autor
do capítulo 6 voltou a considerar o tabu do sexo: os filhos de Deus, os homens
descendentes de Adão, voltaram a ser enfeitiçados pela beleza das filhas dos
homens, isto é, desses mesmos descendentes de Adão, e se entregaram, ao que
parece, a exagerada procriação... Deus não gostou e puniu-os com a redução da
longevidade para 120 anos!... Curiosa discriminação: os descendentes machos de
Adão são filhos de Deus, e as descendentes femininas de Adão são filhas dos
homens!...
Mais
intrigante ainda é a razão por que Deus expulsou Adão e Eva do jardim do Éden:
“Eis que o homem se tornou como um de
nós, capaz de conhecer o bem e o mal. Não vá agora estender a mão também à
árvore da vida para comer dela e viver para sempre.” Já vimos por que o
conhecimento faz o homem igual a Deus. E isso me põe uma interrogação: por que
os homens brancos de olhos azuis causam tanto incômodo a certas pessoas? Será
porque acumularam toda essa vasta cultura, a greco-romana de Aristóteles e de
Cícero, a medieval de Agostinho, Tomás de Aquino e Dante, a Renascentista de
Erasmo de Roterdã e Petrarca, a da Era Moderna de Copérnico, Galileu, Keppler e
Newton, a contemporânea das universidades, invenções, e das ciências, de Darwin,
Bohr e Einstein. Pode-se imaginar que tudo isso seja nada? essas pessoas não
sabem nada?.../
Deus tornou-se
temeroso do novo Homem, o Homem do Conhecimento. Acho que nos nossos dias
muitas pessoas também estão atemorizadas com o novo Homem, o Homem do Conhecimento,
que está penetrando nos segredos da Vida e nos segredos do Cosmos. Ele vai, sem
dúvida, estender a expectativa de Vida. Mas, e será que não surgirá também nova
espécie humana? Essa possibilidade é algo bom ou algo mau? É ética ou amoral a pesquisa
sobre manipulação genética?
Este texto foi
escrito até aqui no ano de 2012, há oito anos, portanto, quando nem se
pressentia a iminência de um mundo e uma economia acossados por um vírus
apocalíptico. Agora, nestes novos tempos de 2020, com a eclosão dessa ameaça
mortífera devastadora, o Clovid-19, até
parece que o homem se acha muito distante não apenas da imortalidade e da
amortalidade, mas, ao contrário, seja
incapaz de defender a sobrevivência até mesmo contra a ofensiva de um vírus,
ser invisível que nem mesmo se sabe se possui vida!
E a realidade
da vida humana parece voltar a ser descrita como a encarava Salvator Rosa no
fim da Idade Média sob o influxo do pensamento agostiniano: “A concepção é
pecado, o nascimento é sofrimento, a vida é trabalho, e a morte é inevitável.”
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