No século XVII, umas duas dezenas de
anos antes de Hobbes, Hugo Grócio. gênio holandês que aos onze anos ingressou
numa universidade e aos dezesseis já era doutor em Direito, afirmou que o
indivíduo humano, pelo simples fato de nascer, já detém os direitos à vida e à
liberdade.
Esse pensamento foi revolucionário. Hugo
Grócio formula a ideia fundamental do Direito e da Política modernos. Na Idade Média o homem nascia como criatura
de Deus, deus onipotente, onisciente, providencial, razão da existência de tudo
nas suas minúsculas particularidades, que tudo faz e mantém vivo! Deus é. O
homem é nada, sem direito algum individual, portanto, apenas com deveres para
com Deus, os pais e o rei ou senhor feudal. O indivíduo humano nada podia reivindicar
perante o rei, sociedade e Estado. Ele somente tinha deveres a cumprir, obrigações
a seguir.
Essa doutrina já vinha sendo minada por
trezentos anos do pensamento de Santo Tomás de Aquino e umas dezenas de anos dos
ensinamentos dos sábios da Escola de Salamanca, sobretudo de Francisco de
Vitória e Francisco Suarez, que entendiam que Deus dotara o homem de liberdade
para conduzir-se, e de razão para guiar-se, iluminar-se, conhecer e decidir,
escolher entre o bem e o mal..
O pensamento de Grócio, pois, inicia-se
com a constatação de que o indivíduo humano nasce inteligente e livre. Se foi
colocado na vida, segundo Grócio, foi colocado para viver, para sobreviver. Se
foi colocado livre e para sobreviver, foi colocado para viver decidindo o seu
destino. Se foi colocado na vida inteligente e livre, foi colocado para decidir
por si próprio o seu destino. A vida, a liberdade e a razão são dotes de
nascença, da natureza, que ornam o indivíduo humano. Esses três dotes
caracterizam o ser humano. São ele. Nada, ninguém os pode retirar-lhe. Doados
pela natureza, o indivíduo não os deve a ninguém. Ninguém, portanto, tem o
poder de retirar-lhos ou de a eles opor-se. Ademais, o direito à sobrevivência
implica o direito à apropriação dos meios de sobrevivência, isto é o direito de
propriedade. O indivíduo, pois, tem o poder, isto é, o direito de reivindicá-los
contra todos, inclusive o rei, o Estado.
O Estado, portanto, não tem poder
legítimo sobre a vida e a liberdade dos indivíduos. Este pensamento mudou a
mentalidade da Humanidade. Transformou os relacionamentos e a organização
social. Esse pensamento é a essência da transformação de uma Era noutra, da
Idade Média para a Idade Moderna. Esse pensamento é a diferença entre elas. O
indivíduo é tudo. É a razão de ser da sociedade. O mundo existe para o
indivíduo humano! A dignidade do indivíduo humano! Suprema dignidade!
Hugo Grócio – vida, razão, liberdade e
propriedade - é o farol que acendeu em toda sua luminosidade a ideia síntese e
fundamental da Idade Moderna! Faltou-lhe a ideia de igualdade. Ela surgirá.
(continua)
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