quarta-feira, 24 de junho de 2009

134. É Isso Mesmo?!...


Adentro o shopping da Rua Figueiredo Magalhães. Na minha frente, segue um rapaz vestindo calça jeans azul e camisa esporte de cor preta, onde, nas costas, se lêem estas três frases: Nasci na guerra. Criei-me na batalha. Vivo na revolta.
Essa mensagem me ligou à reportagem, que acabara de ler nos jornais e a que assistira na televisão, daquele cidadão que ensinava ao filho criancinha seqüestrar, violentar e matar. Também correlacionei com outra reportagem televisiva sobre um assalto a um banco em São Paulo para retirar um terminal de caixa, realizado por quadrilha composta de vinte bandidos, munidos de marretas e armados de fuzis moderníssimos. Ouço falar de milícias, comandadas por ex-policiais, alguns deles ocupando postos políticos na cidade e no Estado. Vejo-lhes a imagem nos jornais e me pergunto: como se pode entregar o governo da cidade e do Estado a figuras que exalam ignorância e violência?!... E por último, a memória me transportou para as notícias horripilantes a respeito das práticas no Senado desta República, que conhecido senador aprecia designar como a instituição dos Pais da Pátria Brasileira!... E também para o Palácio do Planalto ligado a tantas pessoas mal faladas!... E meu pensamento se estendeu até os tribunais, cheios de apadrinhados, velados sob silêncio sepulcral e protegidos pelo tabu da infalibilidade. Esta, por longa sequência de décadas, eu entendi existir só na pessoa papal...
Constato que, no Brasil, vasta camada da população, composta indistintamente de pessoas ricas e pobres, instruídas e ignorantes, povo e governantes, adultos, jovens, adolescentes e até crianças, tem a mentalidade da marginalidade. O tecido social da nação brasileira está esgarçando-se. Mais. Estou suspeitando que no Brasil, de hoje, existe uma instituição marginal e informal, que educa as crianças, os adolescentes e os jovens para a marginalidade e o crime!
Será que aquele jovem nasceu realmente na guerra? Aprendi que os gametas masculinos e femininos não se atraem nem se repelem. Eles simplesmente se unem por acaso. A fecundação, a nível de gametas, é encontro fortuito. E nesse encontro eles podem unir-se, porque eles têm conformação apropriada para o encaixe. Esse encontro também é obra de parceria. Um gameta se encontra com o óvulo, depois que ele e os milhões de companheiros, lançados pelo homem no corpo da mulher, conseguiram destruir duas ordens de barreiras, que protegem o óvulo. A fecundação é obra conjunta de milhões de gametas. Um gameta sozinho não seria capaz de produzir esse encontro fortuito! E qual gameta consegue penetrar no óvulo? Simplesmente o mais sortudo!... O gameta que foi sorteado!... A fecundação é uma guerra ou uma dádiva? Uma coisa parece certa: não é uma obra individual, de um herói único. É resultado de uma parceria, que culmina na premiação aleatória de um único gameta!
O útero, onde o feto se desenvolve, dizem os biólogos, é ambiente cibernético, isto é, tem a propriedade de autocorrigir inúmeros defeitos, inúmeros desvios da normalidade, de modo que nasça um indivíduo sadio. Por isso, dizem, a tecnologia ainda não conseguiu produzir o útero artificial. Quando isso acontecer, então, a geração humana e a família ainda mais se modificarão. E o intercurso sexual tornar-se-á, sem dúvida, liberto do estresse da fecundação indesejada. Prazer sexual e maternidade se dissociarão. A procriação será um ato muito mais consciente e específico. Assim, a gestação humana é longo e meticuloso processo de produção de um ser perfeito, capaz de sobreviver no ambiente externo. Merece realmente o adjetivo maternal. É uma sequência persistente de desvelo para entrega ao Universo de um ser diferente, único, capaz de contemplá-lo, entende-lo e dele usufruir. Aquele jovem, portanto, engana-se. Ele foi gerado em ambiente de competição e parceria. Não foi em ambiente de guerra.
E, ao nascer, a sociedade, certamente, o havia envolvido num ambiente de cuidados e desvelos: a clínica equipada com a tecnologia médica moderna, a assistência à gravidez da mãe, corpo de profissionais, médico e de enfermagem, no momento do parto. Momentos depois, o instinto de sugar encontrou o alimento nos seios maternos. Não! Aquele jovem não nasceu na guerra, nem mesmo isolado. Nasceu na sociedade, na parceria, no intercâmbio social. Seria mais racional concordar com a prosopopéia de Sócrates: Então, após dever-nos o nascimento, o sustento e a educação terás a petulância de argumentar que não é nosso filho e servidor da mesma maneira que teus pais?
Até acho que o primeiro ato social da espécie humana foi a atração sexual entre o macho e a fêmea nos primórdios da Humanidade, o primeiro cruzar de olhares, no primeiro encontro entre os dois sexos, dádiva da natureza para produzir a sociedade. Ou talvez o estender da mão do macho, oferecendo à fêmea o alimento que ele via ela procurava, mas não podia alcança-lo. Não! A Humanidade não nasceu na guerra. Ela só existe e sobrevive, porque existe sociedade!
Aquele jovem pensa também que foi criado na batalha. Seria a batalha dos fundamentalistas palestinos e judeus? Ou dos morros, da periferia e das ruas do Rio de Janeiro e São Paulo. Maquiavel, no século XV, contrariando a tradição cristã que afirmava que o Príncipe é uma predestinação divina, disse entender que o Príncipe é resultado da conjunção da sorte com dons pessoais, sobretudo de crueldade e dissimulação. A crueldade deve ser tal que extermine todos os demais pretendentes ao poder, todos os inimigos, com toda a descendência. O Príncipe deve ser dadivoso para com todos os seus amigos e correligionários. Mais importante, todavia, que ser cruel e benemerente, é parecer ser cruel e benemerente. A dissimulação deve ser tal e tão importante que mais vale parecer cruel e benemerente que, de fato, ser. Parecer é mais importante que ser. Parecer cruel atemoriza os inimigos, sem necessitar praticar a crueldade. Parecer benemerente conquista os súditos e os amigos, sem necessitar praticar a benemerência. Quanto estilo de conduta política e individual atual me parece produto escarrado e cuspido dessa mente medieval de Maquiavel! Maquiavel formulou a teoria do Príncipe-Estado com base no que ele observava, naqueles tempos medievais, mil anos de conquista de terras, de servidão humana e de guerras, poucos séculos depois das Cruzadas. O castelo é, sem dúvida, o símbolo mais sugestivo daqueles tempos: defesa contra o inimigo e segregação plutocrática.
Nietzsche foi além de Maquiavel. Afinal de contas, ele foi filósofo do final do século XIX, quinhentos anos de formação dos impérios, através de pirataria, genocídio e destruição de civilizações. O filósofo da época da explosão do capitalismo, quando o patrão sugava a energia vital dos operários nas fábricas e exterminava a população nas periferias das cidades poluídas. Época em que Herbert Spencer vaticinava o advento da nova espécie humana, a espécie humana dos capitalistas, que começavam a usufruir qualidade de vida inimaginada, e conseguida com a espionagem, as maquinações, as trapaças, os furtos e até o homicídio. Herbert Spencer foi o sociólogo do capitalismo. Nietzsche foi o seu filósofo, o filósofo da Belle Epoque. A época cujos símbolos poderiam ser o telefone, o telégrafo, o gramofone, o cinema, a ferrovia, o vapor, o automóvel e a estação de águas minerais. Só existe a vida terrena. Além desta existência é o nada. A vida é a vontade de poder, de dominação. É a explosão das forças desordenadas e violentas das paixões. A vida é incerteza e perigo. A vida é a arena que reúne vencedores e vencidos. Vencedores que podem tornar-se vencidos. E vencidos que querem tornar-se vencedores. A vida é guerra. É luta. A vida é individualidade, liberdade e vontade. Não existem normas nem ética. O Bem é o que o indivíduo humano quer e pode fazer. As virtudes dos vencedores, do super-homem, são o orgulho, a alegria, a saúde, o amor sexual, a coragem, o destemor, a persistência, a vontade inquebrantável, o conhecimento, a ambição desmedida, a vontade de poder, de dominação. O super-homem é aquele indivíduo livre, que faz tudo o que quer e pode, tudo usufrui sem consideração com os outros e até à custa dos outros. Não se submete ao jugo de leis, tradição, costumes e cultura. Ele é criatividade, invenção e novidade. O Cristianismo e a Civilização são máscaras que escondem a face verdadeira da vida. Eles consagram as virtudes dos vencidos: a humildade, a caridade, a compaixão, a paciência, a conformidade com o sofrimento, o altruísmo, o perdão, a obediência.
Curioso é que, exatamente no século XVIII, o século precedente ao de Nietzsche, Adam Smith, o criador da ciência econômica, que é tão vilipendiado no Brasil de hoje, teve intuições tão fecundas que mantêm funcionando, ainda neste século XXI, a economia de mercado, responsável pela sobrevivência de mais de sete bilhões de indivíduos humanos atualmente: o indivíduo humano está sempre procurando aproveitar a vantagem que se lhe apresenta; especializar-se em fazer aquilo que se faz com maior eficiência é vantajoso, porque se produz o máximo que se pode; procurar pelos outros indivíduos humanos e trocar com eles os produtos do trabalho especializado é vantajoso para o indivíduo e para a coletividade humana, já que essa troca fornece a todos o máximo de bens (a maior riqueza) que podem obter.
Mas, ele colocava uma condicionante (os participantes do mercado devem ser tantos que nenhum detenha o poder de açambarcá-lo) e fazia uma observação (cuidado com o conluio dos negociantes). Adam Smith, ao final, sentia que o mercado deve orientar-se para a igualdade dos parceiros e para a democracia, ao mesmo tempo que pressupunha participantes guiados por uma mente ética, infensos à pretensão de melhorar de vida prejudicando os parceiros. A doutrina econômica de Adam Smith é de sutil e primorosa concepção social! Ela tem subjacente interessante filosofia social.
Todo ser vivo é um repositório de informações. O ser vivo é produto do meio ambiente, ele tem um nicho ambiental que o faz brotar e lhe favorece a sobrevivência. No indivíduo humano, esse aparelho de obter informações e elaborá-las, através das sensações, emoções, sentimentos, paixões, percepções, idéias, julgamentos, raciocínios, alcança o grau mais elevado de perfeição observado na Natureza. A pele, estimulada pela energia mecânica, percebe a presença dos objetos: sua resistência, sua aspereza, seu desnível, suas dimensões, a energia cinética dos átomos através da temperatura, a vantagem e a desvantagem através do bem-estar ou do sofrimento causado pelo contacto, etc. Como a pele, assim funcionam os outros órgãos: o da vista, o da audição, o do paladar e o do odor. Todos os órgãos obtêm informações do exterior e do interior (como a fome e a sede) transformando determinado tipo de energia em energia bioquímica e esta em produtos mentais que formam o mapa do Universo de cada indivíduo humano. Só existe um Universo físico. Este jamais conhecido como ele de fato é, por isso mesmo, porque conhecido através do mapa mental. Existem, porém, tantos universos conhecidos quantos indivíduos existem. E todos estes universos são mapas do Universo físico, cada um conhecido pela mente de cada indivíduo que o fabrica.O mais curioso é aquilo que apelidamos de conhecimento das coisas. A primeira vez que a energia externa, proveniene de uma coisa com que nos deparamos, atinge um dos nossos órgãos da sensação, formamos uma imagem dela e guardamos nos arquivos mentais. Ela pode ter sido até uma imagem agradável ou desagradável. Sempre foi uma surpresa, na primeira vez. Daí em diante, sempre que nos deparamos com coisa parecida, a imagem que dela formamos comparamos com a imagem do arquivo e a reconhecemos. É um cachorrinho, engraçado, boa companhia, bom passatempo. Agrada-me estar com ele. É um leão feroz, forte, que se nutre de animais como eu. Mete medo, é perigoso, fujo dele. Outra capacidade extraordinária da mente humana é prever o futuro, tirar conseqüências. Outra qualidade importantíssima é fabricar mapas pormenorizados da estrutura e do funcionamento das coisas do Universo: a ciência, as teorias. E, finalmente, a capacidade de manipular o Universo, de modo a adaptá-lo a fornecer mais recursos para sobrevivência de mais qualidade do indivíduo humano. A mente humana é uma fábrica de sobrevivência de mais qualidade do indivíduo humano. Ela obtém informações do meio ambiente, armazena-as, elabora-as, manipula-as e comanda condutas humanas, que possam extrair do meio ambiente, tal qual ela o concebe (isto é, conforme é por ela gerado mediante essas informações) os recursos para sobrevivência, a mais longa possível e a melhor possível.
A plasticidade é outra maravilhosa qualidade da mente humana. Neurocientistas e psicólogos há, que dizem até que nascemos com a aptidão de tudo aprender, de ser qualquer coisa. As vivências do dia a dia é que vão formatando a nossa mente, constituindo a nossa personalidade e o nosso mapa mental, o nosso Universo. Eu poderia ter sido um Bach, ou um Einstein. Bastaria para tanto simplesmente que eu tivesse tido as mesmas e todas as experiências que eles tiveram. Será?!
É comumente aceito que já houve várias espécies humanas. A mente humana foi evoluindo no correr das eras e dos milênios. É bem provável que há duzentos mil anos, os nossos antepassados não distinguiam bem um homem de um urso. Tem-se a impressão de que nos primórdios da Humanidade, os indivíduos humanos entendiam que animais poderosos, como o leão, o tigre, a águia seriam mais poderosos que os homens. Da mesma forma, os astros. Esses animais e os astros seriam até deuses. Civilizações antiqüíssimas praticavam a antropofagia: comiam-se os antepassados idosos, os filhos e faziam-se guerras para se alimentar com a carne dos inimigos vencidos. Matar outro indivíduo humano não era criminoso nem eticamente errado. Os códigos proibindo o homicídio são instituições recentes da cultura humana. A mente individual evolui, a cultura humana evolui e a sociedade humana evolui. A mente individual contribui para formar e transformar a cultura e a sociedade. E a cultura e a sociedade contribuem para formar e transformar a mente humana individual. O homem é o produto do meio, da cultura. O indivíduo humano é o espelho da sociedade, produzido pela cultura dessa sociedade, pela educação, porque o Homem é um animal social.
Não acredito que a vida tal qual imaginaram Maquiavel e Nietzsche seja a melhor possível. Acredito que Adam Smith tenha tido a percepção mais inteligente. O homem conseguirá sobrevivência e de mais qualidade, desde que saiba viver em sociedade, civilizando-se. Mas, o indivíduo humano se civiliza através da educação.
Acho que o Brasil vai muito mal, porque não tem a mínima preocupação com suas escolas, a instituição que a sociedade usa para infundir a cultura na mente das crianças e dos adolescentes. O Brasil caminha para um futuro negro! Educação já. Educação de qualidade para que se forme uma sociedade de excelência!

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