domingo, 27 de janeiro de 2013

240. A Reversão de Valores à Luz da Constituição

Tenho, na tela do computador, pormenorizado e responsabilíssimo trabalho jurídico, onde se estuda a legalidade da Reversão de Valores, criada pela Resolução CGPC 26/2008. A mais valiosa análise em defesa da Reversão de Valores que conheço.

O referido estudo rechaça a Reversão DIRETA de Valores, mas afirma que a lei autoriza a Reversão Indireta de Valores, a saber, aquela, mediante suspensão ou redução contributiva, ou, ainda, mediante pagamento do benefício, desde que mantida a paridade entre os valores correspondentes de cada grupo de contribuintes.

Afirma que essa Reversão de Valores Indireta está inscrita na Constituição Federal e nas Leis Complementares 109 e 108.

A Constituição Federal trata da Previdência Social nos seguintes artigos: 194, 195, 201 e 202. Em nenhum desses artigos, o leitor encontra referência a qualquer tipo de Reversão de Valores, quer direta quer indireta.

O estudo sob comentário diz que ela se encontra no §3º do último artigo citado. Eis a íntegra do artigo 202 da CF:

“Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

§ 1º A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos.

§ 2º As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.

§ 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.

§ 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada.

5º A lei complementar de que trata o parágrafo anterior aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada.

§ 6º A lei complementar a que se refere o § 4º deste artigo estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação.”

Ora, é óbvio que esta Contribuição do §3º não é as Reservas do caput do artigo 202. Aquela é um fato econômico de recebimento (receita) de valor e esta é um fato econômico de pagamento (despesa), fatos econômicos tão diferentes que são até opostos. Esse §3º trata de CONTRIBUIÇÃO, isto é, daquele negócio jurídico que só existe fora da EFPC, fato jurídico muito bem tipificado, a saber, parcela do patrimônio pessoal do Patrocinador ou do Participante, por eles apartado do patrimônio total e que está sendo entregue à EFPC para formação de seu patrimônio. Isso é óbvio. Portanto, essa paridade, nos estritos termos da Constituição Federal, não trata de Reversão de Valores, isto é, Reversão de Contribuição, seja de que tipo for, direta ou indireta, simplesmente porque no interior da EFPC só existe o patrimônio dela, isto é, outro negócio jurídico muito bem tipificado, o conjunto de seus direitos e obrigações com valor monetário, a sua propriedade com valor monetário, um conjunto juridicamente amorfo, apenas contabilmente separado por motivos administrativos em razão de preceitos regulamentares.

Isso, pois, que esse estudo apelida de Contribuição, o caput da Constituição Federal chama de RESERVAS, fato econômico e negócio jurídico bem diferente, porque até oposto, repitamos: “O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.” Logo, o §3º , portanto, não está tratando do que trata o caput.

Haja vista que o próprio texto sob reflexão diz que está tratando exatamente de a quem entregar a RESERVA ESPECIAL. E o próprio caput do artigo 202 da Constituição diz: entregam-se, gastam-se reservas pagando-se os benefícios previdenciários contratados. Que benefícios previdenciários constitucionais são esses? O artigo 201 da Constituição Federal elenca-os: todos de natureza alimentar, de subsistência. Quem pode receber um benefício previdenciário? Somente pessoa física, que nasce, cresce e morre, isto é, vive. Patrocinador, pessoa jurídica, portanto, não pode receber pagamentos que sejam gastos de reservas previdenciárias constitucionais. Benefício é uma vantagem. Claro que essa Reversão de Valores Indireta é uma vantagem recebida pelo Patrocinador, que o caput do artigo 202 proíbe, porque não é benefício previdenciário nem é a pessoa física admitida.

Noutras palavras, nos estritos termos da Constituição simplesmente, essa tese da REVERSÃO DE VALORES INDIRETA não se sustenta, a meu ver. Então, se essa Reversão de Valores Indireta é um instituto reconhecido pelo Direito Brasileiro, ele foi criado por Lei, não o foi pela Constituição Federal. É preciso estudar as Leis Complementares, portanto. Exporemos nossa opinião sobre a solidez dessa tese à luz das Leis Complementares, noutra oportunidade.

Concluindo, essa explanação sobre a Reversão de Valores Indireta, que estamos considerando, a meu ver, sofre restrições por três motivos:
- não a examina à luz de todas as normas constitucionais que tratam da Previdência Social;

- faz confusão conceitual entre fatos econômicos e negócios jurídicos diferentes, até opostos, a saber, Contribuição e Reservas Previdenciárias;

- estende às Reservas Previdenciárias aquilo que a norma constitucional claramente afirma apenas da Contribuição.

4 comentários:

  1. Mais uma vez o colega Edegardo exercita explanação clara e lúcida à luz da Constituição. Patrocinador nunca foi beneficiário de EFPC. Penso que o TRT criou fato novo ao "inventar" a Reversão de Valores Indireta; decisão salomônica para agradar gregos e troianos. Fico na expectativa do que dirá o TST e, se necessário, o STF. Aguardo, também, curioso, a análise de Edegardo sobre o assunto à vista das citadas Leis Complementares.

    Luiz Faraco, de Florianópolis (SC)

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    1. Prezado Luiz Faraco
      Estou preparando a continuação da explanação do meu entendimento. Espero fazer de forma bem clara.
      Obrigado pelo estímulo.
      Edgardo Amorim Rego

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  2. Meu caro Edgardo.

    mais uma vez e como sempre vc se mostrou tão competente quanto didático em seus depoimentos a respeito deste assunto. Sobre o julgamento para beneficiar o patrocinador e agora na forma INDIRETA da reversão dos valores e somente com a finalidade para quitar as contribuições dele com a EFPC, me pareceu uma solução ardilosa e um tanto mirabolante para dar um cunho de legalidade aqueles contratos utilizados pelo BB a partir de 1997, visando quitar seu passivo com a PREVI (Funcionários-plano Benefício definido), utilizando superávits. Saúde amigo a você e aos seus.

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    1. Meu caro amigo Mesquita
      Não consigo entender como se possa afirmar que a Constituição e as Leis Complementares fizeram o Patrocinador o Fiduciário da Reserva Especial. Brevemente examinarei essa matéria à luz das leis complementares. Obrigado pelo comentário.
      Edgardo

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