domingo, 3 de fevereiro de 2013

242. Atentado à Estrutura Jurídica da LC 109

O texto, sobre o qual estou refletindo, elenca praticamente todos os artigos da Lei Complementar 109/2001, a lei básica da previdência complementar, e mais alguns, os importantes para a matéria, da Lei Complementar 108/2001. Essas duas leis foram promulgadas no mesmo dia e pelas mesmas autoridades. Elas são posteriores à data da Emenda Constitucional 20/1998, que introduziu na Constituição Federal aquele artigo 202 com seus parágrafos. A Resolução CGPC 26/2008 é ainda mais posterior.

Para uma interpretação competente não é suficiente elencar os artigos da lei e da Constituição. Urge elenca-los e entende-los. A intelecção é a captação de toda a sua significação, de todos os seus relacionamentos.

A primeira coisa que faço para entender a LC 109, a lei básica da previdência complementar, é perguntar-me: qual é a estrutura desenhada pela LC 109 para a Previdência Complementar? Para abreviar a análise, limitemo-nos às EFPC (Entidades Fechadas da Previdência Complementar), - consideradas as ENTIDADES COMPLEMENTARES da Previdência Social, complementares ao Regime Básico da Previdência Social, - e aos Planos de Benefícios Previdenciários DEFINIDOS.

Leiamos, então, a LC 109. Só as EPC podem instituir e operar Planos de Benefícios Previdenciários (artigo 2º). A EPC, portanto, é mais do que o INSS da Previdência Complementar, porque ela é o instituidor e gestor dos Planos de Benefícios Previdenciários, e também o credor das obrigações dos Contribuintes e o devedor dos direitos previdenciários.

Isso tem um significado muito importante. A relação do Participante Ativo ou Assistido é diretamente com a EFPC, não é com o Patrocinador. O Patrocinador se relaciona diretamente com a EFPC, não se relaciona com o Participante. A relação jurídica previdenciária complementar é entre EFPC e Participante. Noutras palavras, o negócio jurídico dos benefícios previdenciários é uma relação entre EFPC e Participante, onde não está presente o Patrocinador (artigos 6º e 32).

Com efeito, a estrutura jurídica da Previdência Complementar, edificada pela LC 109, é assentada em dois Contratos de Adesão, o Contrato de Patrocínio da Empresa (Patrocinador) com a EFPC (artigo 12 e 13) e o Contrato de Benefícios Previdenciários do Empregado (Participante) com a EFPC (artigos 8º, 10º, 11 e 16).

Assim, surge o Contrato de Patrocínio da Empresa com a EFPC, criando-se a relação jurídica de Patrocínio, em que a Empresa é o sujeito da obrigação de pagar a Contribuição e a EFPC é o sujeito do direito a receber a Contribuição (artigos 18, 19, 20 e 21). Através desse Contrato de Patrocínio, a Empresa torna-se Patrocinador do Plano de Benefícios Previdenciários. Ela não é Patrocinadora da EFPC. O negócio jurídico do Patrocínio também inclui a obrigação do Patrocinador de supervisionar a EFPC (artigo 41).

Como se vê, ao Patrocinador só cabem obrigações, a saber, a de contribuir e a de supervisionar. Nisso consiste ser Patrocinador, Protetor, do Plano de Benefícios Previdenciários, a saber, CONTRIBUIR para a formação das RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, as RESERVAS TÉCNICAS, provisões e fundos do Plano (artigo 9º), bem como fiscalizar a EFPC.

O Patrocinador SOMENTE está PRESENTE na relação de PATROCÍNIO, isto é, no negócio jurídico da CONTRIBUIÇÃO. Ser Patrocinador, pois, é ser Protetor, é arcar com a obrigação da CONTRIBUIÇÃO, é uma relação onerosa, não implica qualquer fruição de vantagem, qualquer benefício a receber da EFPC nem, muito menos, do Participante.

É uma relação jurídica de parceria com a EFPC para a prestação de um serviço, a saber, o pagamento de benefícios previdenciários. O papel proeminente na execução desse serviço, ou melhor, o ÚNICO executor desse serviço é a EFPC. O papel do Patrocinador (da Empresa) é secundário. É o de garantidor, com alcance limitado, de que aquele objetivo constitucional do equilíbrio não fracasse, a saber, a permanente existência de RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS em valor tal que pague os benefícios contratados. Noutras palavras, é o PAGAMENTO DA CONTRIBUIÇÃO À EFPC.

Patrocinador e Participante, portanto, se encontram juridicamente não exatamente na relação jurídica da PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR, mas na PESSOA JURÍDICA DA EFPC, sujeito ativo no Contrato de Patrocínio, e sujeito passivo e ativo no Contrato de Participação, isto é, na relação jurídica da PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR.

O Plano de Benefícios Previdenciários é instituído, administrado e ofertado aos Empregados da Empresa (Patrocinador) pela EFPC, como já vimos, e por estes aceito, através do Contrato de Participação. Esse Contrato de Participação cria o negócio jurídico da relação previdenciária, cujo sujeito da obrigação de contribuir e sujeito do direito a receber o benefício previdenciário é o Participante (empregado), enquanto o sujeito de direito a receber a contribuição e da obrigação de pagar o benefício previdenciário é a EFPC. Aqui nesta relação, a própria relação previdenciária, não tem lugar o Patrocinador, a Empresa, e nem quer ter.

A EFPC não é somente o INSS. Ela é muito mais, já que ainda lhe cabe o direito ao recebimento da Contribuição, que foi, em anos recentíssimos, retirado do INSS. A estrutura jurídica da previdência complementar foi desenhada pela engenharia jurídica da LC 109 exatamente para isso, a saber, para BLINDAR A EMPRESA, para proteger seu patrimônio, desonerando-a do risco de eventual ônus econômico insuportável, decorrente de fracasso gestor da EFPC. O seu Patrocínio, a sua Proteção, a sua Garantia limita-se à CONTRIBUIÇÃO. Ela nada tem que ver com o compromisso de PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Isso é NEGÓCIO RESTRITO À EFPC, responsabilidade somente dela.

Tudo isso, e SOMENTE ISSO, É A LC 109: a Previdência Complementar de interesse da sociedade, do Estado e da EMPRESA, SEM RISCO PARA A EMPRESA. O trabalhador, a sociedade, o Estado e a EMPRESA A QUEREM. Mas, a sociedade, o Estado e a EMPRESA a querem SEM RISCO. Sem risco para a Empresa e sem risco para o Estado.

O Estado Brasileiro até tentou, durante uns quarenta anos, bancar esse risco do ônus da previdência complementar que, em curto e já longínquo período, se alçou até a cem por cento da renda do segurado! Fracassou. A partir de 1978, e confirmado com a edição da LC 109, o risco foi jogado às costas da EFPC, uma pessoa jurídica assaz sui generis, da qual trataremos adiante, noutro texto.

Ora, é exatamente aí, onde o PATROCINADOR (a EMPRESA) não pode e não quer estar, que a REVERSÃO DE VALORES, seja ela qual for, DIRETA OU INDIRETA, coloca o Patrocinador. E como BENEFICIÁRIO, beneficiário envergonhado, pois até maquiado com o pretencioso título de REVERSÃO DE VALORES, em vez do exato rótulo, de beneficiário da RESERVA ESPECIAL, reserva tão previdenciária quanto a Reserva de Contingência e a Reserva Matemática, porque Reserva de um PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, como o identifica a LC 109!

Concluímos, então, que tanto a REVERSÃO DE VALORES DIRETA QUANTO A INDIRETA, gasto de RESERVA PREVIDENCIÁRIA com pagamento ao PATROCINADOR, constitui a PRÓPRIA DESTRUIÇÃO DE TODA A ESTRUTURA PREVIDENCIÁRIA denominada Regime da Previdência Complementar (artigo 1º). É ATENTADO À PRÓPRIA ESTRUTURA CONSTRUÍDA PELA LC 109!

Está-se colocando o Patrocinador no negócio jurídico do qual foi afastado por todo esse ingente trabalho da engenharia jurídica da LC 109, que construiu essa estrutura de blindagem da Empresa na relação jurídica da previdência social complementar. A Reversão de Valores, qualquer que seja, direta ou indireta, o está introduzindo precisamente na relação jurídica da qual para afastá-lo se fez a LC 109!

E a Reversão de Valores Indireta ainda o introduz de forma mais anômala, haja vista que o Patrocinador se torna proprietário de RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS (atentado contra o artigo 2º da LC 109, porque serviço privativo da EPC). Sim, RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, porque só as pode gastar com benefícios previdenciários. Reservas que, ao contrário dos Participantes, ele pode e deve até CONTABILIZAR COMO PATRIMÔNIO DELE. Ele passa a preencher serviços intrínsecos e específicos do Plano de Benefícios Previdenciários, próprios e característicos, PRIVATIVOS, segundo o Capítulo II da LC 109, de uma EPC, que ele Patrocinador (Empresa) não é, não pode ser, nem quer ser! Considero, por esse e outros aspectos, a Reversão de Valores Indireta atentado à LC 109 ainda mais aberrante do que a Reversão de Valores Direta.

Este é o primeiro argumento para se fulminar QUALQUER REVERSÃO DE VALORES, direta ou indireta: ela destrói a própria LC 109!







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