Pretendeu
ser, inicialmente, clamor social espontâneo e geral, sem partidos, sem líderes,
sem grupos, sem interesses particulares. De cidadãos brasileiros unidos
unicamente pelo interesse coletivo, contra a mentira política, a corrupção, a
privatização do Poder Político. A favor do Poder Político a serviço do Bem
Público, tal como a Segurança, a Educação, a Saúde, o Investimento em
Infraestrutura, a transparente e leal forma da prática política.
Nesta
última sexta-feira, ele se apresentou como o clamor de partidos políticos e de
associações de classes, sobretudo de categorias profissionais, sob lideranças
claramente políticas, onde se misturavam reivindicações de ordem pública com
outras de interesses particulares.
Neste
texto, estou tentando interpretar esse fenômeno sob a ótica do pensamento de
Alexis de Tocqueville, aquele famoso autor francês de livros sobre a forma
política democrática da organização social.
Alexis
de Tocqueville foi um cidadão francês, nascido no seio da classe nobre francesa
do Século XIX, o século da Revolução Industrial, posterior ao Século XVIII, o
Século do Iluminismo e das Revoluções Norte-americana e Francesa. Tocqueville,
além de rico, aristocrata, e instruído, foi também político. Interessava-lhe o
estudo desse fenômeno político de seu tempo, a Democracia: “Este livro (A
Democracia na América) foi escrito há quinze anos, com a preocupação constante
de um só pensamento: o advento próximo, irresistível, universal, da democracia
no mundo.”
Tocqueville
acreditava na Providência Divina, que racionalmente governa a evolução do
Universo. O Universo está em transformação. A sociedade, portanto, parte desse
universo em transformação, “muda de forma”. “A Humanidade (muda) de condição.” Cada
Nação, ocupando determinado espaço da Terra, também está submetida ao princípio
da evolução. Está, é claro, condicionada pelo “círculo fatal do qual ele (o
indivíduo e a Nação) não pode escapar”. Ele cita, entre os fatores desse
círculo fatal, três nomeados por autores que lhe eram contemporâneos:
“acontecimentos anteriores da raça, do solo e do clima.” “Mas, nos seus vastos
limites, o homem é poderoso e livre, bem como o são os povos”.
Assim,
identifica a característica fundamental da transformação social: “O
desenvolvimento gradual da igualdade é um fato providencial...universal,
durável, escapa dia a dia ao controle humano, e todos os acontecimentos, bem
como todos os homens, favorecem ao seu desenvolvimento.” Ela, a IGUALDADE DE
CONDIÇÕES, o resultado, tecido consciente ou inconscientemente, para o qual
convergem todos os acontecimentos sociais e todos os atos de todos os homens. A
sociedade civil é, pois, governada por uma mão invisível que a conduz à
igualdade de condições entre todos os indivíduos, tal qual Adam Smith afirmava
que governa a Economia, conduzindo-a para a mais perfeita produção e
distribuição da riqueza. Eis por que Tocqueville é reconhecido como Clássico do
Liberalismo Social e Político, tal qual Adam Smith o é do Liberalismo
Econômico.
Trata-se
de igualdade de condições econômicas, culturais e principalmente políticas
entre todos os indivíduos: “à medida que as condições se equalizam, existe um
número maior de indivíduos que, não sendo mais bastante ricos nem bastante
poderosos PARA EXERCER UMA GRANDE INFLUÊNCIA SOBRE O DESTINO DE SEUS
SEMELHANTES, adquiriram ou conservaram, no entanto, bastante saber e bens para
poder se bastar a si mesmos.”
Como
se vê do texto acima, da igualdade de condições brota a liberdade. Igualdade e
liberdade se harmonizam. Não se excluem. E dessa harmonia entre igualdade e
liberdade brota o INTERESSE PELA ASSOCIAÇÃO ENTRE IGUAIS: comunhão de
pensamento, comunhão de ações em vista de interesses comuns, comunhão de ideias
e interesses relacionados com o bem público. “A América é o país do mundo onde
mais se tirou partido da associação e onde este poderoso meio de ação se
aplicou a uma grande diversidade de objetivos.” “As instituições livres...
lembram constantemente e de mil maneiras, a cada cidadão, que ele vive em
sociedade... tanto o dever quanto o interesse dos homens é o de se tornarem
úteis a seus semelhantes.” “Ocupa-se com o interesse geral inicialmente
por necessidade e, depois, por escolha;
o que era cálculo se torna instinto; e, por força do trabalho em prol de seus
concidadãos, assume, enfim o hábito e o gosto em lhes servir.” “Nos países
democráticos, a ciência da associação é a ciência-mãe; o progresso de todas as
outras depende dos progressos desta.” “Entre as leis que regem as sociedades
humanas, existe uma que parece mais precisa e mais clara que todas as outras.
Para que os homens permaneçam ou se tornem civilizados, é necessário que a arte
de se associar se desenvolva e se aperfeiçoe entre eles na mesma proporção que
cresça a igualdade de condições.”
O
Poder Soberano, o Estado, não mais é a vontade de um ou de poucos que se abate
sobre a multidão, dominando-a, submetendo-a. O Poder Soberano é a expressão
espontânea da Vontade Geral dos iguais: “Nos Estados Unidos, as pessoas se
associam com objetivos de segurança pública, comércio e indústria, moral e
religião.”
Tocqueville
entende que “O princípio da soberania popular, que se ENCONTRA SEMPRE, mais ou
menos, no fundo de QUASE TODAS AS INSTITUIÇÕES HUMANAS, ali permanece comumente
como que oculto.” “Na América, o princípio da soberania popular não estava
oculto nem estéril como em certas nações; ele é reconhecido pelos costumes,
proclamado pelas leis; ele se espalha com liberdade e atinge sem obstáculos
suas últimas consequências.”
“Na
América o povo escolhe aquele que faz a lei e aquele que a executa; ele mesmo
forma o júri que pune as infrações à lei... o povo escolhe diretamente seus
representantes e em geral os escolhe anualmente, a fim de MANTÊ-LOS MAIS
COMPLETAMENTE NA SUA DEPENDÊNCIA. Portanto é O POVO QUE DIRIGE, e, ainda que a
forma de governo seja representativa, é evidente que as opiniões, os
preconceitos, os interesses e mesmo as paixões do povo não podem encontrar
obstáculos permanentes a impedir que influam na administração cotidiana da
sociedade... é a maioria que governa em nome do povo... Esta maioria se compõe
principalmente de cidadãos pacíficos que, seja por gosto, seja por interesse,
desejam sinceramente o bem do país. Em torno deles, os partidos incessantemente
se agitam procurando atraí-los para o seu seio e neles se apoiar.”
Ele
entendia, entretanto, que a Revolução Industrial trazia em seu ventre o germe
da desigualdade, separando a sociedade civil em duas classes: a “aristocracia
manufatureira” e os “operários”. Avaliava o poder dessa ameaça à igualdade e à
liberdade: “se a desigualdade permanente das condições e a aristocracia algum
dia adentrarem novamente o mundo, pode-se prever que entrarão por essa porta.”
E por isso recomendava: “Contudo é para este aspecto que os amigos da
democracia devem constantemente dirigir seu olhar inquieto;...”
Tocqueville,
portanto, desenvolveu sua teoria sob o impacto da admiração que a novidade do
Estado sem Rei e sem Aristocracia lhe provocava. Essa teoria, creio, se completa com a observação dos fatos relacionados a essa nova sociedade civil do conhecimento. A multidão que desfilou
inicialmente pelas ruas de cidades brasileiras está provocando semelhantemente
o impacto da novidade, provocando sérias reflexões sobre a sociedade civil e o
Estado nos tempos atuais.
Entendo
que a sociedade atual apresenta característica que a torna profundamente
diferente da sociedade do século XIX: é a SOCIEDADE DO CONHECIMENTO. Temos
acesso instantâneo e amplo aos fatos que ocorrem em todo o mundo. Queremos ter
acesso cada vez mais amplo.
São
bilhões de pessoas pelo Mundo inteiro que pertencem a essa sociedade, unida por
um ÚNICO INTERESSE BÁSICO: O CONHECIMENTO.
Essa
sociedade se torna cada dia mais culta, mais homogênea (de iguais), mais livre,
mais direta, mais informal e mais econômica.
E
a grande exigência é que o conhecimento compartilhado se qualifique pela
veracidade e o compartilhamento da ação se qualifique pela correção e lealdade.
Essa
sociedade do conhecimento, portanto, tem imensa dificuldade de convivência com
o Estado Brasileiro que aí está em claro divórcio com o Estado preconizado pela
Constituição Brasileira de 1988.
A
sociedade civil nova, que surge dos milhões de aparelhos de comunicação dos
cidadãos brasileiros, sem partidos e sem lideranças, sociedade de cidadãos
iguais, livres, verazes, corretos, cultos e leais, exigem, antes de tudo, o
exato respeito ao compromisso fundamental firmado pelo Povo Brasileiro: o
respeito à Constituição Federal e às leis que a completam.
Respeite-se,
em primeiro lugar, a Soberania Popular. Submeta-se o Governo à Vontade do Povo,
expressa no sufrágio universal, nos programas de partidos efetivamente representativos
da vontade de seus eleitores, no plebiscito, no referendo e na iniciativa
popular.
Adapte-se
todo o Estado Brasileiro à Sociedade Civil do Conhecimento, que se agrega
espontaneamente nos meios de comunicação e deles pode servir-se para se
autogovernar.
Creio
que as manifestações de rua da sexta-feira foram expressões da sociedade civil
em estado extinção, dividida entre cidadãos que comandam e cidadãos que são
comandados, cidadãos que conhecem e cidadãos que ignoram, aristocratas e
plebeus.
Caro Edgardo,
ResponderExcluirSem reunir, evidentemente, as condições necessárias para fazer análises no nível das que já nos habituamos a ler neste espaço, de fato, nessa última 5a.feira, não me senti atraída pelo movimento. Obrigada, mais uma vez, por compartilhar conosco o seu vasto conhecimneto e suas inequívocas conclusões.
Um abraço,
Tania amiga
ResponderExcluirA Sociedade do Conhecimento tem elevado nível de Saber. E Saber é Reflexão. E a Reflexão já é a Liberdade de Pensar. A Sociedade do Conhecimento é a SOCIEDADE CIVIL POR QUE TODOS OS SÁBIOS SONHARAM!... A SOCIEDADE DOS CIDADÃOS IGUAIS E LIVRES!...
Obrigado pelo estímulo
Edgardo