quinta-feira, 16 de julho de 2020

503. A Pré-História da Previ



            Estou postergando a finalização do texto sobre a teoria econômica elaborada por Karl Marx, para publicar, nesta oportunidade em que se processa mais uma eleição de administradores para a direção da PREVI, um texto sobre a PREVI que elaborei  em janeiro de 2011.
Há uns quatro anos, entrei no site da Previ e consultei a pequena história dela, que ali se exibia. Insatisfeito, enviei uma mensagem eletrônica à Previ, questionando-a a respeito da existência de outra versão histórica mais extensa. Fui, assim, presenteado com o livro “Da Caixa Montepio à PREVI”.
Esse livro foi redigido por quatro escritores, com base em informações fornecidas por quatro pesquisadores, sob a coordenação de Israel Beloch e Laura Reis Fagundes e o patrocínio de seis empresas. Israel Beloch é um produtor cultural e o dono de Memória Brasil.
O opúsculo foi publicado no ano de 2004. Por isso, como insinua a sua Introdução, a publicação desse livro objetivou contribuir para tornar mais conhecido o mais importante fundo de pensão da América Latina no ano de seu centenário. Lá está impresso o logotipo da Previ. A Previ não é incluída como patrocinadora da obra. Lá está como objeto de pesquisa, como parte da fonte de informações e como homenageada. Assim mesmo, por todos esses indícios, julgo que, até certo ponto, essa é a história da Previ que a homenageada reconhece e adota.
No final do livro, existe um documento que comprova que, apesar de a Previ ter sua origem em 1904, a sua história é mais extensa. Já em 1886, Affonso Pena, então Presidente do Banco do Brasil, mineiro religiosíssimo que, mesmo como Presidente da República, poucos anos depois, assistia todos os domingos à missa e todas as semanas visitava os religiosos de uma igreja no bairro de Botafogo, indeferiu a solicitação de criação de uma caixa montepio, feita pelos funcionários do Banco da República do Brazil, ainda que fundamentada no exemplo do Banco do Commércio e Indústria de São Paulo, que acabara de investir recursos próprios para a fundação de uma caixa montepio para seus servidores.
Há outro motivo que me excita a curiosidade por desvendar esse anacrônico indeferimento: as associações de auxílio mútuo eram herança da colonização portuguesa, com ampla difusão na cidade do Rio de Janeiro e até em algumas províncias, na segunda metade do século XIX. O Prof. Ernesto Pereira dos Reis afirma que, em 1536, Brás Cubas instituiu um plano de pensão para os empregados da Santa Casa da Misericórdia de Santos.
Relato esse fato porque, nos meus tempos de empregado da ativa do Banco, acreditava piamente na política de valorização do funcionalismo, como até manda hoje a doutrina da boa administração empresarial. Tão intensa e generalizada era essa crença que acreditávamos na iniciativa antecipadora do próprio empregador por medidas de melhorias de remuneração e condições de trabalho. Essa crença, infelizmente, não possuía tanta base real como a História relata e este fato temporalmente longínquo o comprova. O Banco, apesar de uma empresa de economia mista, sempre perseguiu o objetivo do lucro e só adota a política do trabalho que, na época, contribui para alcançar sua meta capitalista.
Ao longo das fases desse processo histórico, comprovaremos esse fato, até atingirmos os dias de hoje, quando assistimos à investida sobre o patrimônio, que pertence a uma entidade previdenciária, isto é, destinado unicamente a prover benefícios previdenciários e legislada com base na justiça social, isto é, na justiça de que a renda do trabalho (salário) e a renda do capital (lucro) suportam o custo social do desemprego (por invalidez, por acidente, por doença, por morte, por tempo de serviço ou contribuição, por situação macroeconômica adversa). E aí se invoca uma outra justiça, exatamente oposta a esta, absolutamente estranha à ideia constitucional brasileira da Previdência Social, bem como à ideia institucional e histórica da Previdência Social, a saber, quem contribui para formar o patrimônio do plano de benefício também participa dos benefícios do plano. Se sou chamado para cobrir déficits do plano, também tenho o direito de participar de seus superávits.
Até pode ser que isso seja justiça. Mas, não é a justiça social da Previdência Social, instituída por Bismarck e consagrada por Franklin Roosevelt no New Deal, o Novo Acordo da sociedade norte-americana, e acolhida pela Constituição Brasileira cidadã de 1988. Lá a justiça é a justiça social, isto é, quem tem renda contribui para formar um patrimônio que sustente quem não tem renda. E se este patrimônio social se torna tão grande que cobre as despesas com os benefícios atuais, cessa a contribuição. E, se cessada a contribuição, ainda assim o patrimônio continua a crescer de tal forma que paga todos os benefícios atuais e ainda sobra, essa sobra se destina exclusivamente ao pagamento de benefícios previdenciários. Não existe a mínima possibilidade de qualquer parcela desse patrimônio ser destinado ao contribuinte, ele só é destinado ao participante. O superavit nunca toma o sentido de quem tem renda, de quem tem salário, de quem tem capital. O superavit sempre toma a direção de quem é desempregado. E isso por justiça, por justiça social.
E sabem onde encontro tudo isso dito com absoluta clareza? No livro “Da Caixa Montepio à PREVI”, página 99:
“A Constituição de 1988 introduz ainda o conceito de Seguridade Social, expressando a solidariedade que a sociedade presta ao indivíduo em situação de risco social; e cria o orçamento da Seguridade Social, visando não só a integração das ações de Saúde, Previdência e Assistência, bem como evitar as pressões das demais áreas de decisão política sobre os recursos destinados a esses setores.”   
E faz aí referência a uma Nota, a 105, que diz na página 169:
Segundo Maria Lúcia Werneck Vianna, “a opção pela expressão Seguridade Social, na Constituição brasileira de 88, representou um movimento concertado com vistas à ampliação do conceito de proteção social, do seguro para a seguridade, sugerindo a subordinação da concepção Previdenciária estrita, que permaneceu, a uma concepção mais abrangente. Resultou de intensos debates e negociações, e significou a concordância (relativa, na verdade) de diferentes grupos políticos com a definição adotada pela OIT: seguridade indica um sistema de cobertura de contingências sociais destinado a todos os que se encontram em necessidade; não restringe benefícios nem a contribuintes nem a trabalhadores; e estende a noção de risco social, associando-a não apenas à perda ou redução da capacidade laborativa por idade, doença, invalidez, maternidade, acidente de trabalho, como também à insuficiência de renda, por exemplo”.
Aí, nessa discriminação de necessitados aparece até o capitalista que se tenha tornado pobre ou envelhecido, mas não aparece, porque não pode aparecer, o contribuinte empresa. Fica, portanto, a meu ver, comprovado o seguinte:
Todos os cidadãos, contribuintes e trabalhadores, quando necessitados, têm direito ao benefício da Previdência Social;
A justiça da Previdência Social é aquela em que o custo da previdência é sempre pago pela renda, isto é, pelo salário e, sobretudo, pelo lucro.
Foi assim que a Previdência Social nasceu com Bismarck, confirmou-se com o New Deal (e aqui chegou-se até a desempregar o idoso para empregar o jovem) e se universalizou com a OIT.
É essa Previdência Social que foi consagrada com a Constituição de 1988 e esta Justiça Social é a que a embasa.
Isso acho que ficou absolutamente claro, evidente. E se os recursos dos planos de benefícios forem tão fabulosos que os incapacitados se tornam ricos com a distribuição deles? Como se procederá? Continuaremos percorrendo a “História do Superavit Contada Pela Previ” para encontrar a resposta que ela mesma dê, porventura.



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