terça-feira, 18 de agosto de 2020

507. História do Pensamento Político (continuação)

 Foi contra essa ideia de que uma pessoa nasce predeterminada a ser rei que Maquiavel escreveu, no início do século XVI EC, o seu livro, o Príncipe, Ele argumentou que se é rei, não porque se nasça para ser rei, mas porque a fortuna e a virtù, isto é, a sorte e a competência, o promovem a esse posto. É-se rei porque os dotes, as qualidades, juntamente com o conjunto das circunstâncias, o acaso, conduzem o indivíduo a essa posição na sociedade. O Príncipe, o Estado, é um ato que funda a existência social, uma potência para legislar, para definir o que é justo, o que é bom e o que é mau para a coletividade. Por exemplo, o Grito do Ipiranga de D. Pedro I criou o Estado do Brasil. O Estado é potência soberana, suprema, a nenhuma outra inferior ou subordinada, autônoma. 

Umas duas dezenas de anos, depois de Maquiavel, Francisco de Vitoria, frade franciscano espanhol, um dos sábios da famosa Escola de Salamanca, baseado na ideia de que, se todos nascemos iguais, com a mesma natureza humana, todos temos o mesmo direito à vida e à liberdade, discordava do pensamento dominante de que os europeus cristãos eram superiores aos indígenas americanos pagãos. 

            Em 1548, contrapondo-se a Maquiavel e antecipando-se a Gandhi e Luther King, Étienne de la Boétie, na juventude de seus dezoito anos, publica o Discurso da Servidão Voluntária, do qual já se disse que é “ensaio sobre a liberdade, igualdade e fraternidade humanas naturais", o lema da Revolução Francesa, a síntese do pensamento político moderno.

Nessa dissertação, ele investiga o mistério da obediência civil, questão central da filosofia política: “ora, gostaria apenas de entender como pode ser que tantos homens, tantos burgos, tantas cidades, tantas nações suportam às vezes um tirano só, que tem apenas o poderio que eles lhe dão, que não tem o poder de prejudicá-los senão enquanto têm vontade de suportá-lo, que não poderia fazer-lhes mal algum senão quando preferem tolerá-lo a contradizê-lo.  Coisa extraordinária, por certo; e, porém, tão comum que se deve mais lastimar-se do que espantar-se ao ver um milhão de homens servir miseravelmente, com o pescoço sob o jugo, não obrigados por uma força maior, mas de algum modo (ao que parece) encantados e enfeitiçados apenas pelo nome de um...”

Com efeito, a razão, o guia de nosso comportamento (existe “em nossa alma alguma semente de natural de razão”, perscrutando a natureza humana, sua constituição) constata, de forma irretorquível, que “não se deve duvidar de que sejamos todos naturalmente livres...”, sendo inaceitável afirmar-se “que a natureza tenha posto alguém em servidão.” Assim, "Se vivêssemos com os direitos que a natureza nos deu e com as lições que nos ensina, seriamos naturalmente obedientes aos pais, sujeitos à razão e servos de ninguém."

Daí, o espanto de Étienne: "que mau encontro foi esse que pôde desnaturar tanto o homem, o único nascido de verdade para viver francamente, e fazê-lo perder a lembrança de seu primeiro ser e o desejo de retomá-lo?" Nem o hábito, nem mesmo a covardia o explicam suficientemente. “Quando mil ou um milhão de homens, ou mil cidades, não se defendem da dominação de um homem, isso não pode ser chamado de covardia, pois a covardia não chega a tamanha ignomínia. . . Logo, que monstro de vício é esse que ainda não merece o título de covardia, que não encontra um nome feio o bastante ...”

Nada mais é que mero consentimento: Decidi não mais servir e sereis livres; não pretendo que o empurreis ou sacudais, somente não mais o sustentai, e o vereis como um grande colosso, de quem se subtraiu a base, desmanchar-se com seu próprio peso e rebentar-se.”

Em 1576, confrontado com as guerras civis e religiosas daquele século XVI, Jean Bodin,  discorda de Maquiavel, e aufere da história e dos fatos que uma sociedade somente pode subsistir, se governada por uma potência soberana, isto é absoluta e perpétua: “A soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República”.  Ele é o ideólogo do absolutismo real e sua teoria alicerçou as diretrizes do Acordo de Westfália, que desenhou o mapa político da Europa.

Com efeito, iluminado pelo pensamento naturalista como Francisco de Vitoria, “todas as leis da natureza nos guiam para a monarquia, seja observando esse pequeno mundo que é nosso corpo, seja observando esse grande mundo, que tem um soberano Deus, seja observando o céu, que tem um só Sol”, ele extrai dos fatos, da História, o princípio constitutivo do Estado: “Três famílias ou mais, cinco colégios ou mais constituem uma República se estiverem reunidos sob o poder de um comando legítimo... Não são, portanto, o comércio, o direito, as leis, a religião das diversas cidades confederadas que permitem considerá-las como uma República, mas sua união sob um mesmo comando". E esse comando situa-se acima das leis, não lhe é submisso: “pois quem ordena deve ser superior às leis, para que possa abolir, ou derrogar, ou substituir, ou até mesmo, se for necessário, rejeitar uma lei obsoleta; isso não será possível se quem dá a lei estiver submetido a ela.

            O Monarca só se submete a Deus e às leis da Natureza: ““O Monarca, desprezando as leis da natureza, abusa das pessoas livres como de escravos, e dos bens dos súditos como dos seus (...) quanto às leis divinas e naturais, todos os príncipes da terra estão sujeitos, e não está em seu poder transgredi-las.”

(continua)

:

Nenhum comentário:

Postar um comentário