sábado, 20 de setembro de 2014

301. Meu Primo

Estou cumprindo o que lhe prometi: emitir minha opinião sobre a entrevista que o economista Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Governo Lula concedeu à Isto É, agora, no dia 15 do corrente mês.

A repórter a resume no seguinte título: “O Retorno ao Desenvolvimento Deu Errado”. Resume o diagnóstico dele sobre o estado atual da economia brasileira na seguinte expressão: “classifica o comportamento da economia brasileira de medíocre.” E recomenda a correção que pensa deva ser-lhe dada nas seguintes palavras: “o País deve retomar a agenda que antecedeu 2008.”

Por que o economista acha que o comportamento da economia brasileira está sendo medíocre? Porque “é um baixo crescimento, inclusive em comparação com nossos pares no resto do mundo.” Nossos pares são “os países emergentes, mas nós temos sofrido mais que os demais”. “O Brasil tem crescido menos do que a média do mundo e menos do que os países comparáveis... os emergentes como Chile, Colômbia, Peru e mesmo outros países desenvolvidos, como Austrália e Nova Zelândia, têm conseguido manter taxas mais elevadas de crescimento que a economia brasileira. Em particular, a indústria no Brasil sofreu muito nos últimos anos... A má notícia é que recentemente o setor de serviços também começou a demonstrar sinais de enfraquecimento, ameaçando o mercado de trabalho.”

Qual seria a causa desse deficiente comportamento da economia brasileira? “...(a) volta ao velho nacional-desenvolvimento dos anos 50 e 70, baseado na intervenção na economia”, que “afeta o setor de serviços  e ameaça o mercado de trabalho”. Esse retorno consistiu no “aumento das barreiras protecionistas e da concessão de créditos subsidiados por meio dos bancos públicos, em particular do BNDES, e a reintrodução de políticas públicas discricionárias e intervencionistas em diversos mercados.” Nas palavras do entrevistado: “Apostava-se que ao proteger a economia e com a concessão pelo governo de subsídios e benefícios, ..., direcionados para esses setores, se estimularia o crescimento da demanda, do consumo e do investimento e se garantiria a aceleração do crescimento econômico. Má notícia: não funcionou”. E chega à resposta precisa: “Quando analisamos os dados, verificamos que o Brasil estava até os anos de 2008/2009 com um crescimento muito maior do que no passado, chegando a pouco mais de 4%, e isso estava associado ao maior crescimento da produtividade. Com os mesmos recursos, a economia brasileira produzia mais do que antes. Infelizmente, a partir de 2008/2009 a produtividade da economia brasileira declinou.”

E aprofunda a sua explicação: “O País até 1990 era uma economia fechada, com uma série de restrições ao comércio exterior, muito protegida da concorrência internacional, com forte desequilíbrio fiscal. Isso tudo se traduzia na alta inflação. A partir da década de 90, a economia brasileira entrou em uma agenda de profundas modificações: equilíbrio fiscal,..., cujo grande passo é a Lei de Responsabilidade Fiscal. A abertura da economia permitiu importar bens de consumo, bens de produção e máquinas. E veio a estabilização de preços. O Plano Real conseguiu... garantir um nível de inflação compatível com o dos demais países e, do ponto de vista institucional, uma série de reformas modernizando as relações do Estado com o setor produtivo. Essa agenda passou pelo governo Fernando Henrique e foi até o início do segundo mandato de Lula. A partir de 2007/2008, mas sobretudo de 2009 para cá, houve o retorno ao antigo nacional-desenvolvimento... Há uma crítica frequente de que o governo fez um modelo baseado no consumo. Acho injusta essa crítica ao governo. O governo tem um diagnóstico de que o desenvolvimento parte da proteção, do estímulo e da concessão de benefícios e estímulos da demanda. E o governo destinou uma grande parte de recursos ao investimento. Basta olhar o que aconteceu com os recursos do BNDES nesse período...

A retomada do crescimento econômico, pois, nas palavras do entrevistado é esta: “Acho que retomar aquela agenda prévia de 2008 é uma parte importante desse processo... quando você inicia um processo cuidadoso de abertura da economia, há aumento na competição e também no acesso a bens de capital e insumos tecnologicamente mais eficientes... a produtividade da indústria aumentou na década de 90 pelo acesso a bens de capital. Uma agenda importante é a que estabeleça justiça econômica e simplificação. E termina a explicação com recomendação baseada na importante distinção entre Estado e Governo: “Nos últimos anos a gente enfraqueceu o Estado em favor da discricionariedade do governo. É preciso voltar a fortalecer as agências reguladoras.”

Instigado pela repórter, ele acrescenta: “Certamente outra agenda importante é a da qualidade da política pública. A política social brasileira até 88 estava delegada a um plano inferior. Por exemplo, a educação nunca foi prioridade no Brasil até 88, tal como boa parte da política social, ao contrário de outros países... E não à toa o Brasil apresenta uma realidade desigual de renda. E isso está associado à desigualdade dos indicadores de escolaridade...  O desenvolvimento econômico passa pela melhora do bem institucional, regras homogêneas, princípios gerais e criação de mecanismos de resolução de conflitos. Mas passa também... pelo impacto da educação sobre a produtividade. Uma maior qualidade da educação sobre a produtividade, gera o crescimento econômico e provoca uma melhor distribuição de renda... ENTÃO, O BRASIL TEM HOJE UMA AGENDA DE PRODUTIVIDADE PELA FRENTE.

Eis, portanto, meu primo, o conteúdo de toda entrevista do economista Marcos Lisboa: o problema econômico brasileiro atual é a sua baixa produtividade. Esse diagnóstico de baixa produtividade para o baixo nível de expansão de uma economia é consenso entre os economistas. Também é consenso entre os economistas a receita dada pelo economista Marcos Lisboa para restabelecer alto ritmo de expansão à economia brasileira. Esse diagnóstico e essa receita encontram-se em todos os compêndios de Economia, como, por exemplo, no capítulo 25 do curso de Economia de Paul Krugman:

- “O crescimento econômico de longo prazo depende quase inteiramente de um ingrediente: produtividade crescente.”

- “A resposta mais simples é que as economias com um crescimento rápido tendem a ser economias que adicionam ao seu capital físico, aumentam seu capital humano, apresentam rápido progresso tecnológico ou todas as três coisas em uma base sustentada.”

-“A resposta mais profunda está em políticas e instituições que promovem crescimento econômico, ou seja,... que garantem que aqueles que geram acréscimos ao capital físico ou humano, ou ao progresso tecnológico, sejam premiados por seus esforços.”

- Passa, então, a citar providências que contribuem para aumentar esses fatores de produtividade: gastos com investimentos, investimento estrangeiro, educação, infra-estrutura, pesquisa e desenvolvimento, estabilidade política, direitos de propriedade e intervenção governamental moderada.

O primo sabe que não sou economista. Ocorre que sou um curioso por esses assuntos. Cheguei mesmo a estudar vários compêndios de Economia, inclusive os dois tomos do Curso de Economia de Paul Samuelson, o famoso difusor da doutrina econômica keinesiana. Atualmente, gasto horas de meus dias estudando a Introdução à Economia de Paul Krugman e Robin Wells. Com base nesses estudos, ouso formar minha opinião a respeito desse artigo do economista Marcos Lisboa, inclusive acrescentando algumas perspectivas.

Antes de tudo, entendo que tudo na vida é resultado das circunstâncias. O pão do meu café da manhã depende de muitas pessoas (muitas mesmo, as quais, a grande maioria nem conheço!). O primo, cientista atômico que é, sabe mais que eu que o próprio mundo supratômico determinístico deriva do subatômico indeterminístico. A mão invisível de que fala Adam Smith não está só na Economia, está na vida toda, cotidiana, rotineira e até na constituição do Universo! Entendo que as circunstâncias brasileiras não são as mesmas de nenhum outro País.

Assim, a generalidade desse diagnóstico e a generalidade dessa receita, que não é só do economista Marcos Lisboa, mas é consenso entre os economistas, como disse, necessita de serem adequadamente aplicadas ao caso brasileiro, sobretudo a receita, para que alcancemos os resultados de expansão econômica que tanto almejamos e necessitamos.

Vejamos. Marcos Lisboa e Paul Samuelson falaram de produtividade. Produtividade de quem? Do trabalhador, do trabalho. E a respeito dessa produtividade do trabalho, será que ele mesmo, prescindindo do capital físico e do capital humano e da tecnologia, não pode ser mais produtivo? O que eu quero dizer? A simples mão-de-obra brasileira não pode ser mais barata que a norte-americana ou europeia simplesmente? Pode. Tanto pode que os norte-americanos e europeus se mandaram pelo mundo produzindo em países, como o Brasil, a Coreia do Sul e a China, tão somente para terem A VANTAGEM COMPARATIVA DO TRABALHO MAIS BARATO.

E essa produtividade maior da mão-de-obra mais barata é tão importante, tão importante, que vem proporcionando a extraordinária expansão do PIB chinês, a tal ponto que, no próximo ano, o PIB chinês ultrapassará o PIB norte-americano. A China será no próximo ano a maior economia do Mundo! Essa foi a chave do sucesso da China: a mão-de-obra barata.

O Brasil pode fazer o que a China fez e faz? Não. Por que? Porque as circunstâncias não permitem. A China goza de várias circunstâncias que lhe permitem usufruir de mão-de-obra barata. A população é pobre, habituada com nível de vida frugal, econômica por educação, ordeira por índole e hábito, submetida a regime político que exige ordem e submissão, enclausurada em sua paisagem física e cultural. A China tem ainda a vantagem do mais amplo universo consumidor nacional. A liderança política chinesa reforçou-se militarmente, inclusive detendo o poder de destruição mundial atômico e um exército de centenas de milhões de militares. A China, por isso, pode fazer o que quiser em Economia, até ignorar normas internacionais de comércio, fingir que as cumpre.  

Como você viu aí acima, Paul Krugman acrescentou à trilogia do capital e tecnologia vários outros fatores de produtividade, entre os quais os recursos naturais. Pois bem, li recentemente artigo de um economista norte-americano em que ele afirmava que o próximo século não será da China, com sua vantagem de mão-de-obra barata, mas dos ESTADOS UNIDOS, RÚSSIA e IRÃ com a vantagem da ENERGIA BARATA, e tão barata, que lhes proporcionará vantagem comparativa superior à da mão-de-obra barata da CHINA! Trata-se dessa extração barata de gás de vastas regiões do solo especial existente nesses países três países. Logo, em seguida, vi na televisão CNN norte-americana, o Primeiro Ministro canadense com imensa tranquilidade e firme convicção afirmando: “O Canadá é uma potência energética!”

Onde quero chegar? O Brasil precisa para desenvolver-se, em primeiro lugar, de identificar a sua estratégia. Não pode ser baseada na vantagem da mão-de-obra barata e do câmbio aviltado como a China superpotência militar e superpovoada. Não pode ser baseada na vantagem da energia barata. A energia cara do petróleo do pré-sal não me parece de molde a fornecer base para se conseguir a produtividade que nos forneça vantagem comercial.

Por enquanto, a meu ver, só nos resta esse longo caminho traçado pelo economista Marcos Lisboa, o caminho comum a todos os países, não extraordinariamente aquinhoados pela natureza ou autogarantidos pelo terror que o poder militar inspira: de política estatal, de reforma das instituições, de Estado responsável, de construção de infra-estrutura,  de educação, da trilogia capital físico com capital humano e tecnologia, baseado no imenso leque de bens naturais que possuímos. E esta estratégia exige longo prazo para atingir ritmo de expansão satisfatório, que estabelecerá modesto, mas saudável, é verdade, ritmo de expansão econômica.

Concluo ressaltando que não entendi a defesa que o economista Marcos Lisboa faz da política econômica do Governo Lula, quando afirma que ela não se caracterizou pela tentativa de promover a expansão econômica através da demanda, já que ele mesmo afirma que, no segundo período de Governo Lula, ocorreu “a reintrodução de políticas públicas discricionárias e intervencionistas em diversos mercados”. Políticas públicas discricionárias consistem em utilização da política fiscal e monetária no longo prazo para se obter determinado objetivo, como por exemplo, a expansão econômica... Ora, o que mais caracterizou o Governo Lula não foram as obras de investimento (ele até se jactava de que isso caracterizava o Governo dele e o diferenciava dos governos militares), mas os gastos de transferência e os empréstimos popularizados...

Tal como a vejo hoje, a situação econômica brasileira tem solução, desde que o Povo Brasileiro se conscientize de que a marcha da expansão econômica, a marcha para a riqueza nacional, a marcha para o bem estar social se processa com  estratégia, disciplina e muito esforço sustentado. É coisa muito séria. Não é uma farra...

 

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