quarta-feira, 3 de junho de 2020

497. Jean Baptiste Say (continuação)


Tapinos alude à divisão do Tratado em três livros (produção, distribuição e consumo da riqueza). Esclarece que a análise se apoia num elaborado estudo do processo produtivo, que oferece definição nova e fecunda do conceito da produção: a produção não é criação de matéria, é criação de utilidade. A utilidade é o fundamento do valor e o preço é a medida da utilidade. No mercado de concorrência perfeita, os preços do mercado refletem adequadamente os valores reais, a utilidade dos diversos produtos. O custo da produção nada mais é que uma limitação imposta ao produtor, um limiar além do qual ele se absterá de produzir. Não determina, de modo algum, o valor dos produtos.  Como explicita o próprio Say: “Pouco importam as enormes dificuldades que tenhamos que vencer para produzir um objeto inútil: ninguém vai querer pagá-lo.” Rejeita a teoria do valor-trabalho e identifica o valor de uso com o valor de troca.
E prossegue opinando que a originalidade de Say nesta questão reside, mais do que na oposição à Smith e Ricardo que defendiam o valor trabalho, na consequente conceituação da produção e do conjunto do sistema econômico, justificando o caráter produtivo da pesquisa científica e do comércio, e até estabelecendo o princípio da soberania do consumidor e atribuindo à demanda a responsabilidade de todo o equilíbrio econômico. E Tapinos cita Say: “As necessidades dos consumidores determinam, em qualquer país, as criações dos produtores. O produto mais necessário é também o mais procurado; o produto mais procurado fornece à indústria, aos capitais e às terras uma maior quantidade de lucros que determinam a utilização desses meios de produção na fabricação desse mesmo produto. Do mesmo modo, quando um produto é menos procurado, é menos lucrativo produzi-lo; ele não é fabricado. O que foi produzido baixa de preço; a baixa de preço do produto favorece a sua utilização e toda a produção é consumida.”
Os indivíduos, continua a explicação de Tapinos, estão permanentemente aumentando as suas exigências de necessidades. E oferecendo em troca o que possuem (trabalho, capital, ou terra), O empresário, intermediário dessas relações, ocupa-se permanentemente por adaptar sua produção às necessidades crescentes, que aumentam em função do contínuo refinamento da civilização. A economia sempre tende para o equilíbrio, mas o equilíbrio sempre é quebrado pela dinâmica da demanda, pela infinitude das necessidades humanas. Inexiste estado estacionário. O progresso é contínua superação de estágios de equilíbrio econômico total.
Inexiste, pois, superabundância total.  E Tapinos introduz, então, a análise do famoso “Princípio de Say”, que ele apresenta em várias formulações extraídas do texto do Tratado, onde esse princípio pervaga do início ao fim, e incialmente exibia designação mais ampla. “Lei dos Mercados de Say”: “”É com produtos que nós compramos o que outros produzem”., “Os produtos só podem ser comprados por produtos”, “Só se podem comprar produtos com outros produtos”, “É a produção que cria mercados para os produtos”, “São os produtos que abrem saídas para os produtos”, “Cada consumidor só pode comprar uma quantidade de produtos proporcional à que ele próprio pode produzir”, “Cada nação só pode consumir proporcionalmente ao que produz.”
A Lei de Say, explica Tapinos, expressa que  o ato de produção é dicotômico:...a oferta global e a procura efetiva são necessariamente iguais, a renda e o produto e consumo são uma única coisa. Mas significa algo mais importante: ela descreve o equilíbrio do sistema econômico, fase memorável da história da ciência econômica, que Walras no Éléments d'économie politique pure irá descrever com expressão muito similar âs utilizadas por Say:: “Para adquirir produtos no mercado, cada sujeito social deve obrigatoriamente oferecer serviços produtivos; se não tiver nada a oferecer  no mercado dos serviços produtivos,, nada poderá adquirir no mercado de produtos; não poderá constituir-se como sujeito de uma demanda (de produtos)solvente no mercado.”  
E Tapinos enfeixa suas conclusões: “A Lei de Say funda a atitude liberal do laissez faire. Dá origem a essa sociedade econômica onde o “interesse privado é o mais hábil dos mestres” e onde o Estado se abstém de toda e qualquer intervenção capaz de deturpar a concorrência...Efetivamente, é porque a oferta cria a sua própria procura (e, por conseguinte, a produção gera uma distribuição de renda equivalente) que, uma vez colocada a hipótese da racionalidade dos agentes, o circuito tenderá necessariamente ao reequilíbrio, quaisquer que sejam as flutuações acidentais que possam ocorrer.”
 Tapinos conclui a sua análise proclamando: “Sem minimizar a sua contribuição à análise econômica, podemos afirmar que o seu verdadeiro título de glória, que ele não compartilha com nenhum outro economista clássico, é outro... Say foi o verdadeiro visionário do século XIX... Não existem obstáculos insuperáveis para o desenvolvimento. Não existem limites para o enriquecimento de uma nação O bem estar de uma nação depende da sua população ativa, do progresso técnico, do dinamismo de seus empresários. Essa é a verdadeira mensagem de Jean Baptiste Say.”
O Livro da Economia inicia a sua breve apreciação sobre a contribuição de Say para a construção da ciência econômica com esta preciosa observação: “Em 1776...Adam Smith observou que os comerciantes à sua volta achavam que havia dois motivos para uma empresa falir:  falta de dinheiro e superprodução. Ele derribou o primeiro desses mitos explicando a função do dinheiro na economia, mas coube... a Jean Baptiste Say despachar o segundo.”
Como se pode concluir a Lei de Say trata de matéria que embasa as teorias divergentes, que ainda hoje, fornecem opiniões contraditórias de política econômica, a keynesiana e o liberalismo neoclássico. Diz-se essa disputa ter-se originado numa formulação maliciosa da Ley de Say, “a oferta cria a sua própria demanda”, que o Livro da Economia atribui ao economista norte-americano Fred Taylor, em 1921, no seu livro Princípios Econômicos e o economista brasileiro Ubiratan Jorge, Iorio citando Kanes, imputa a autoria a John Mainard Keynes. Segundo Kates, toda a Teoria Geral "é uma tentativa de refutar a Lei de Say". Entendo, ademais, que haja atribuído igualmente a Stuart Mill: “Ao afirmar incorretamente, seguindo Mill, que a lei reza que "a oferta cria sua própria demanda", ele (Keynes) na realidade sugeriu que o objetivo de Say era dizer que qualquer bem ou serviço que venha a ser produzido será automaticamente comprado nos mercados.” 
Na vida prática, na minha opinião, tudo isso esclarece por que N. Gregory Mankiw abriu a Parte II de seu manual de Macroeconomia com a citação de Jane Austin, vulto feminino da História da Literatura Inglesa: “Uma renda alta é a  melhor receita para a felicidade de que já ouvi falar.”
Concluindo, adito uma opinião pessoal, a de que a Lei de Say consagra, infelizmente, o nefando princípio de que o valor humano consiste no valor de troca, no valor de mercado, homem-mercadoria. Ao indivíduo humano destituído de valor de troca é vedado o ingresso na sociedade dos negócios, é proibida a aquisição dos meios de sobrevivência. É um excluído da sociedade da vida, um condenado à morte, pela fome, pela miséria. Essa é a sociedade do liberalismo econômico?! O liberalismo econômico, então, não se compatibiliza com a cultura atualmente vivenciada pela Humanidade e informada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, ser supremo da Natureza, único ser racional, consciente e autônomo, lançado na existência sem consulta. Não se harmoniza com a Psicologia e a Pedagogia contemporâneas que se firmam naquela constatação expressa por Albert Ellis: “Os melhores anos de sua vida são aqueles em que você decide assumir seus problemas e percebe que controla seu destino.”    


4 comentários:

  1. ‪WILSON LUIZ‬ disse...

    
SANTA INGENUIDADE, BATMAN

    [...]

Atualizando, bolsa fechou hoje a 93.000 pontos, déficit baixando.

    03/06/2020 22:50 (comentário encontrado no blog do Professor Ari)

    - Nossa visão é diferente; para nós o preço é secundário. Para quem acredita que a Bolsa é apenas uma conspiração o indicador adequado é o tempo. Em outros termos, quanto tempo falta para o "preço" se igualar ao "valor"? Neste sentido, encontramos na literatura técnica o seguinte fragmento de texto:

    [....] Smith, Ricardo, and Marx all frankly acknowledged that sizable gaps may exist between the two. Changes in value lie at the root of changes in price, but congruence between value and price is achieved only over the long term. (18)

    Traduzindo:

    [...] Smith, Ricardo e Marx francamente reconheceram que podem existir grandes diferenças entre os dois. As mudanças no valor estão na raiz das mudanças no preço, mas a congruência entre valor e preço só é alcançada no longo prazo. (18)

    Por oportuno, o Dr. Medeiros, seasoned trader, sustenta:

    OTIMISMO OU PESSIMISMO
    segunda-feira, 11 de maio de 2020

    [...] 

Acabei de vender todas as minhas ações da bolsa. Existe quem está arriscando e aproveitando as oportunidades. Eu estou ressabiado, com medo de um colapso, e sem apetite para o risco.

    Postado por Medeiros às 11:27

    (18) digamo.free.fr/empirval.pdf;

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  2. ‪Colamos no blog do Dr. Medeiros:‬

    ‪Anônimo‬ disse...
    Dr. Medeiros não vejo que o Sr tenha se enganado sobre a Bolsa. [...] Alguns analistas acham que a Bolsa brasileira está se segurando e avançando pelos investimentos de pessoas físicas - muitos aplicando pela primeira vez - e egressos da crise por perderem empregos - usam os valores para terem outra atividade no caso investidor na bolsa - e/ou por direcionamento de investimento - como a taxa selic está baixa os investimentos em fundos estão sendo direcionados para a bolsa. [...]
    7 de junho de 2020 20:50


    De acordo. Permite-nos ilustrar sua observaçāo acima o seguinte fragmento de texto encontrado na literatura técnica:

    AS TENDÊNCIAS “PONZI” DOS MERCADOS
    
Como “pirâmides da felicidade”, as bolhas especulativas apóiam-se numa hipótese impossível: a de que novos investidores sempre entrarão na ciranda, para sustentar os ganhos dos que chegaram antes. Provavelmente, ninguém melhor do que Hyman Minsky evidenciou os encadeamentos da economia de mercado, resumidos por ele na eloqüente expressão “cegueira ao desastre”. Minsky dedicou particular atenção aos distúrbios provocados por Charles Ponzi, especulador dos anos 20, que iludiu pessoas ingênuas, seduzidas por promessas de rendimentos extraordinários. Na falta de qualquer ativo real capaz de cobrir os rendimentos anunciados, Ponzi oferecia a seus primeiros clientes o capital aportado pelos que vinham depois. A sustentabilidade do conjunto supunha, portanto, a manutenção infinita do fluxo de novos clientes.

    Próximas à fraude, todas as bolhas especulativas baseiam-se num mecanismo bastante semelhante. Elas requerem uma entrada constante de investimentos, para manter o mercado em alta e a ilusão de que, assim, todo mundo ganha. O segredo da bolha é a adesão especulativa. Investimentos de alta rentabilidade atraem aplicadores cada vez mais comuns — portanto, cada vez menos esclarecidos, porém mais numerosos. (14)

    (14)diplomatique.org.br/o-mundo-refem- das-finanças/

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  3. ‪Colamos no blog do Dr. Medeiros:‬


    ‪Anônimo‬ disse...
    Caros colegas,


[...] O desempenho positivo do índice Bovespa só tem efetividade e eficácia, na hipótese das ações que compõem o portfólio da PREVI sofrerem valorizações substanciais, vultosas, caso, por exemplo, da Vale S.A, do BB, etc., em cujos ativos o nosso fundo de pensão aplicou cifras elevadas e que são as raízes das perdas contábeis, em especial a Vale S.A, via da Litel.

    5 de junho de 2020 10:21

    - A observaçāo acima parece-nos pertinente e correta. Entretanto, o distinto colega ainda não "pegou" a parte principal de nosso mencionado comentário. Neste sentido, permitimo-nos enfatizar: [...] para nós o preço é secundário. Para quem acredita que a Bolsa é apenas uma conspiração o indicador adequado é o tempo. Em outros termos, quanto tempo falta para o "preço" se igualar ao "valor"?

    Adicionalmente, comentamos no blog do Professor Ari:

    sábado, 19 de outubro de 2019

    SUGESTÃO À PREVI (Por Aristophanes Pereira)

    EXPLORANDO O LADO OCULTO DA LUA.
    Aristophanes Pereira


    Os títulos de "grande liquidez", eg. Petrobras, Vale são simples meios de transferência de riquezas. Portanto, valem Zero. A afirmação acima é o resultado da observação de umas sete ou oito observações independentes: gráficas, relações matemáticas desproporcionais, coincidências.
    21/10/2019 05:32

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  4. O mercado de crédito promoveu e promove o crescimento econômico, o nutriente material básico do bem-estar humano, da felicidade. Como tudo que é humano, precisa ser usado com prudência, com sabedoria, com vigilância.
    Edgardo Amorim Rego

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