terça-feira, 26 de junho de 2012

193. O Critério da Proporção Contributiva


Os advogados do Patrocinador concluem a argumentação em defesa da “Reversão de Valores” para o Patrocinador nos seguintes termos:

“Diante do acima exposto, não pode haver dúvida de que a impugnada Resolução 26/2008, CGPS, encontra-se revestida de plena legalidade, em especial, em relação à reversão de parte dos valores da reserva especial do plano de benefícios para o patrocinador, pois a Resolução não inova, eis que adotou regra jurídica estabelecida na lei regulamentada, no caso, o critério da proporção contributiva.” Até aqui, os advogados.

O critério da proposição contributiva nada mais é que a aplicação do Princípio da Justiça Distributiva: “suum cuique tribuere” (a cada um o que é seu). É também denominado Princípio da Equidade, Princípio da Isonomia. É o Princípio da Justa Distribuição. Se duas pessoas contribuíram para um resultado, cada uma tem o direito de participar desse resultado na medida da própria contribuição. É o princípio da distribuição dos lucros e dos prejuízos de uma empresa.

Aí começam as coisas a complicar. A EFPC (Entidade Fechada da Previdência Complementar) NÃO é, nem pode ser, uma EMPRESA: “LC 109 -Art. 31-§ 1o As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos.”

O SUPERÁVIT não pertence, estritamente falando à EFPC, ele PERTENCE AO PLANO DE BENEFÍCIOS. PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS é toda uma engenharia financeira empregada para proporcionar a existência permanente de RESERVAS, isto é, recursos que só têm essa destinação, a saber, que só podem ser gastos NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS (aposentadoria, pensão e outros benefícios de sustento de vida), e CUJO VALOR, portanto, DEVE IGUALAR O VALOR DE TODOS OS BENEFÍCIOS CONTRATADOS: “Art. 202 da CF - ...baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado...”; LC 109: “Art. 3o - III - A ação do Estado será exercida com o objetivo de... determinar padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial, com fins específicos de preservar a liquidez, a solvência e O EQUILÍBRIO dos planos de benefícios, isoladamente, e de cada entidade de previdência complementar, no conjunto de suas atividades; LC 109: “Art. 19 - As contribuições destinadas à constituição de RESERVAS TERÃO COMO FINALIDADE PROVER O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS DE CARÁTER PREVIDENCIÁRIO,..”.

Todos sabemos que economia e finanças são aspectos da existência humana e, portanto, processos ingurgitados de incertezas e imprevistos. Economia e Finanças são marcadas pela instabilidade. Em 2009 um professor de Harvard até escreveu um livro sob o título “OITO SÉCULOS DE DELÍRIOS FINANCEIROS”! Assim, é não apenas possível, mas até provável, que o Plano de Benefícios Previdenciários se desequilibre, apresentando ora superávit ora déficit. Por isso, é-se compelido a periodicamente REEQUILIBRAR o Plano de Benefícios Previdenciários.

Fazem-se para isso, como manda o artigo 20 da LC 109, todos os cálculos econômicos financeiros e atuariais para estabelecer as RESERVAS MATEMÁTICAS (reservas no valor EXATO dos benefícios previdenciários CONTRATADOS), que serão usadas no pagamento desses benefícios previdenciários contratados, RESERVAS DE CONTINGÊNCIA (o excesso de até 25% sobre o valor das Reservas Matemáticas), que serão usadas nesses pagamentos na eventualidade de desfalque nas Reservas Matemáticas, e, se ainda houver EXCESSO DE RESERVA, esta reserva é RESERVA ESPECIAL, que deve ser eliminada mediante o processo de REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS.

Isso tudo realizado, diga-me caro leitor, o que falta fazer para realizar a “Revisão do Plano de Benefícios”? É óbvio, examinar qual a mais conveniente forma de eliminar a RESERVA ESPECIAL. Com se processa esse exame? Fazendo cálculos. Que cálculos? De quanto devo diminuir a Contribuição para que a Reserva Especial desapareça em um, três, seis, doze meses? Ela pode dar suporte a algum aumento permanente dos benefícios contratados? Em quantos meses desaparecerá a Reserva Especial, em se concedendo um benefício especial? Que tipo de benefício especial, permanente ou temporário, pode-se proporcionar com essa Reserva Especial?

Tudo isso, portanto, exige cálculos financeiro e atuariais, tudo isso é Revisão do Plano de Benefícios, e tudo isso se conclui com a decisão de REDUZIR A CONTRIBUIÇÃO ou AUMENTAR OS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS ou AMBAS AS PROVIDÊNCIAS. Pode-se ter alguma dúvida sobre isso? Não, porque é ÓBVIO.

Se a providência equilibradora for reduzir a CONTRIBUIÇÃO, AMBOS SÃO BENEFICIADOS, Participante e PATROCINADOR. Por que? Porque LC 109 manda, porque ambos são SUJEITOS DA OBRIGAÇÃO DE CONTRIBUIR, porque ambos são iguais enquanto contribuintes, porque reduzir Contribuição não é BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, é um simples benefício financeiro, a saber, ausência de gastos do patrimônio particular dos CONTRIBUINTES, AUSÊNCIA DE PAGAMENTO À EFPC, porque seria antes um MALEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, portanto. Aí se aplica o CRITÉRIO DA PROPORÇÃO CONTRIBUTIVA.

Se a medida for aumentar os GASTOS DAS RESERVAS, SOMENTE O PARTICIPANTE É BENEFICIADO. Por que? Porque é assim que a LEI (Constituição e LC 109 e 108) MANDA, porque SOMENTE O PARTICIPANTE É e PODE SER SUJEITO DE DIREITO ao BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, que se faz com GASTOS DE RESERVAS DO PLANO DE BENEFÍCIOS (artigo 19 da LC 109). Ora, aqui só existe um ÚNICO SUJEITO DE DIREITO e, por isso, É SIMPLESMENTE IMPOSSÍVEL APLICAR O CRITÉRIO DA PROPORÇÃO CONTRIBUTIVA. Estender esse critério da CONTRIBUIÇÃO PARA OS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS É, PORTANTO, INOVAR SIM, porque se coloca o PATROCINADOR onde a LEI NÃO O COLOCA NEM O CONTRATO DE PATROCÍNIO O COLOCA TAMBÉM.

Foi isso que aquela sentença do Juiz não percebeu: não existe no artigo 20 da LC 109, como ele pensa, “apenas menção exemplificativa à redução de contribuições”. Quando esse artigo caracteriza “Reserva Especial para REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIOS”, ELE ESTÁ MANDANDO QUE SE REFAÇAM OS CÁLCULOS ECONÔMICOS FINANCEIROS e ATUARIAIS e TAMBÉM SE TOMEM AS MEDIDAS FINAIS SEM AS QUAIS NÃO SE ELIMINA O EXCESSO DE RESERVA PREVIDENCIARIA, a saber, reduzir a CONTRIBUIÇÃO ou aumentar os GASTOS COM PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS. Tudo isso está determinado naquela expressão: RESERVA ESPECIAL PARA REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIOS.

Não existe outra opção além dessas DUAS. E uma coisa é certa, a saber, REVISÃO DE PLANO DE BENEFÍCIO NÃO ADMITE GASTOS COM PAGAMENTO AO PATROCINADOR, PORQUE RESERVA ESPECIAL, COMO TODA RESERVA DE PLANO DE BENEFÍCIO, SÓ PODE SER GASTA NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, EM RAZÃO DO ARTIGO 19 DA LC 109. Óbvio, confirmo eu, apelando para o adágio latino: IN CLARIS NON FIT INTERPRETATIO, isto é, “Não há lugar para interpretação, quando a lei é óbvia.”

Há cerca de um ano ou mais, escrevi um texto sob o título “A Sábia Lei Complementar 109”. Reitero, neste momento, o elogio que então emiti à LC 109. Sabe, caro leitor, o que precisamente significa “Revisão do Plano de Benefícios”? Que a existência de superávit é um ERRO, erro previsível pela Lei e que a Lei até sabe que é provável que ocorrerá frequentemente. Errou-se no cálculo do nível de equilíbrio do Plano de Benefícios. Ou se calculou CONTRIBUIÇÃO superior ao valor de que realmente se precisava, ou se calculou PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS em valor superior ao que de fato se pagou. E tão sábia é a Lei que aguarda a confirmação do erro, um segundo e um terceiro exercício, para só então OBRIGAR a reequilibrar.

Assim, caro leitor, quando a sábia LC 109 diz “PARA REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIOS” leia “PARA REDUZIR A CONTRIBUIÇÃO OU AUMENTAR OS GASTOS COM O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS”. É óbvio que significam a mesma coisa, que Mestre Wladimir Novaes Martinez tem razão. Infelizmente, os advogados de Patrocinador não foram capazes de entender o Artigo 20. A sentença judicial invocada careceu da clarividência das observações do Ministro Celso de Mello. A Consultoria Jurídica da CNPC parece também não alcançar o sentido óbvio da Lei. E, por fim, PREVIC, SPPC e CNPC ficam impossibilitados de dar cumprimento ao que manda a sábia LC 109, Artigo 3º-VI: “A ação do Estado será exercida com o objetivo de... proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios”.

O leitor e os partidários da “Reversão de Valores”, porém, podem objetar-me: mas, a LC 109 faz questão de precisamente nesse artigo 20 ocupar-se com a suspensão de contribuições e exatamente para MANDAR APLICAR-LHE O CRITERIO DA PROPORÇÃO CONTRIBUTIVA. E eu lhes respondo: esse fato vem precisamente reforçar a OBVIEDADE DO QUE já AFIRMEI, IN CLARIS NON FIT INTERPRETATIO, isto é, não há lugar para interpretação, quando a lei é óbvia.

É tão óbvio que a LC 109 não admite GASTOS DE RESERVA ESPECIAL NO PAGAMENTO DA “Reversão de Valores” para o PATROCINADOR, e igualmente QUE NESSES GASTOS NÃO SE PODE APLICAR O CRITÉRIO DA PROPORÇÃO CONTRIBUTIVA, QUE ELA, APESAR DE CONSCIENTE DA PROBABILIDADE DO SUPERÁVIT, SILENCIA NA EXPLICITAÇÃO DE AMBOS ESSES ASSUNTOS, na conformidade do adágio latino: ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit, isto é, ONDE A LEI QUIS DETERMINOU; SOBRE O QUE NÃO QUIS, SILENCIOU.

Silenciou sobre o óbvio: gastos de receita previdenciária não podem ser feitos para devolução de excesso de recursos previdenciários ao PATROCINADOR. O erro no valor excessivo da Contribuição, CLARAMENTE ANTEVISTO PELA LEI, não se resolve NUNCA através de PAGAMENTO AO PATROCINADOR, nem mesmo a título de “Reversão de Valores”, porque a Lei não admite que o Patrocinador seja beneficiário de vantagem proporcionada na forma de pagamentos de benefícios, realizados com os gastos de RESERVAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.

A LC 109 silenciou sobre A EXPLICITAÇÃO da “Reversão de Valores” e da APLICAÇÃO do Critério de Proporção Contributiva nos gastos da Reserva Especial COM PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS porque não os quer a ambos. Se ela os quisesse, era sobre essa “Reversão de Valores” e sobre esse Critério da Proporção Distributiva, que ela se teria ocupado com TODAS AS LETRAS E EM TODAS AS CORES.

E não os quer porque é ÓBVIO QUE NÃO SE PODEM GASTAR RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS COM PATROCINADOR, por vários motivos, o mais ÓBVIO DE TODOS, porque aqui se trata de PREVIDÊNCIA SOCIAL, o espaço consagrado pela Constituição Federal (artigo 193) à JUSTIÇA SOCIAL e não à JUSTIÇA DISTRIBUTIVA. Aqui se faz justiça à dignidade humana, o fluxo da renda só tem uma direção: de quem tem renda para quem é incapacitado de obtê-la ou legalmente equiparado. A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA faz justiça ao mérito do esforço, da colaboração. Foi, por isso, que o Artigo 20 sentiu a necessidade de dizer onde, no espaço da JUSTIÇA SOCIAL, havia lugar para se aplicar o Princípio da Justiça Distributiva: no lado da obrigação da CONTRIBUIÇÃO. Segundo a LC 109, o papel do PATROCINADOR, no processo de funcionamento de um PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, consiste nisso: PAGAR A CONTRIBUIÇÃO. Papel que assumiu porque QUIS e LHE INTERESSAVA, mediante o contrato de patrocínio assinado com a EFPC, exatamente para EXIMIR-SE DA OBRIGAÇÃO MUITO MAIS ONEROSA DE PAGAR O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. E ainda teve a vantagem, o benefício, de dividir ESSE ÔNUS ECONOMICO DA CONTRIBUIÇÃO COM O PRÓPRIO BENEFICIÁRIO ÚNICO DESSA VANTAGEM PREVIDENCIÁRIA, o PARTICIPANTE.

E a LC 109 sabe que se é permanentemente tentado a destruir liames da solidariedade social tais como esse da PREVIDÊNCIA SOCIAL, tanto que confirma a obrigação do Estado de protegê-los de investidas como essa da “Reversão de Valores” para o Patrocinador: ART. 3º-VI-“A ação do Estado será exercida com o objetivo de... proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios”.

É o que esperamos do Conselho Nacional da Previdência Complementar, do Ministério da Previdência Social e dos Tribunais desta amada nação brasileira.

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