A
Lei 6435/77 é um histórico documento. Precedeu, é óbvio, à proclamação da
Constituição Brasileira de 1988 e aos Governos neoliberais de Margareth
Tchatcher na Inglaterra e de Ronald Reagan nos Estados Unidos, princípio
político do recente movimento neoliberal e globalizador da economia mundial.
Ela
possui linhagem. Foi inspirada nos ideais do Estado do Bem Estar Social, que
nasceu no século XIX com Bismarck. O Estado do Bem Estar Social desenvolveu-se
com as medidas sociais do Estado Inglês no início do século XX, a criação da
OIT, a irrupção de Estados Socialistas, as teorias econômicas de John Maynard
Keynes e as políticas do New Deal de Franklin Delano Roosevelt. Por fim, consolidou-se
com os estudos de William Beveridge na década de 40 do século passado, quando estes
se transformaram, no governo do Primeiro Ministro britânico, Clement Attlee, em
diretrizes políticas do Estado de Bem Estar Social.
A
Constituição Brasileira de 1988 estrutura a organização da sociedade brasileira
exatamente nos moldes de um Estado do Bem Estar Social. Sociedade de cidadãos
livres, iguais, dignos, operosos, empreendedores e solidários. Compreende-se,
por isso, a vibração e o orgulho do Presidente da Assembleia Constituinte, o
deputado Ulysses Guimarães, naquele dia 5 de outubro de 1988, de pé, em frente
a todos os constituintes e, pela televisão, frente a todos os brasileiros,
braço direito erguido e vibrante, empunhando o opúsculo da Nova Constituição,
proclamando com orgulho a Nova Constituição Brasileira, a “Constituição
Cidadã”!
Em
razão disso, a Lei 6435/77 continuou em vigor. Ela nada mais consubstanciava
que a longa tradição da sociedade brasileira, solidária e do bem estar social,
que, li, se iniciara com Braz Cuba, quando criou uma Caixa Montepio na cidade
de Santos, no princípio da colonização do território nacional.
Essa
lei compunha-se de cinco capítulos. Os dois mais importantes capítulos eram o
segundo, “Das Entidades Abertas”, e o terceiro, “Das Entidades Fechadas”. Admitia
Entidade ABERTA de Previdência com fins lucrativos e SEM FINS LUCRATIVOS. Já a
LC 109/01 só admite Entidade Aberta na forma de sociedade anônima. Toda
Entidade Aberta, pois, atualmente é empresa, isto é, tem fins lucrativos. Por
outro lado, a LC 109/01 repete a exigência de que toda Entidade Fechada seja
pessoa jurídica sem fins lucrativos.
Já
vimos, em texto anterior, que o artigo 46 da Lei 6435/77 mandava que o excesso
de reservas de uma EFPC, acima do nível da Reserva de Contingência, fosse gasto
no reajuste dos benefícios, isto é, aumento dos benefícios. Ela mandava,
portanto, que o que a LC 109/01 denomina RESERVA ESPECIAL fosse gasto no
pagamento de benefícios previdenciários aumentados. Já vimos que a LC 109 não
replica esse mandamento da Lei 6435/77, porque ele já está contido no seu
artigo 19 e no próprio nome RESERVA ESPECIAL que ela apõe àquela sobra no
artigo 20.
Já
vimos, também, no texto anterior, que o legislador da LC 109/01 sabia
exatamente que são AS DESPESAS COM PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS
CONTRATADOS QUE REEQUILIBRAM UM PLANO DE BENEFÍCIOS DESEQUILIBRADO POR EXCESSO
DE RESERVAS, quando se reduz ou se suspende o pagamento de Contribuições do
Patrocinador e do Participante. A RESERVA ESPECIAL pode desaparecer somente com
o pagamento de benefícios rotineiros, feitos com recursos da Reserva
Matemática. Essa redução ou suspensão
nada mais faz que EVITAR O AGRAVAMENTO DO EXCESSO DE RESERVA. Evita o aumento
de excesso. Facilita o reequilíbrio.
Pois
bem. Essa Lei 6435/77 encarava com tal respeito essa destinação das RESERVAS
PREVIDENCIÁRIAS que, até o excesso de reserva nos Planos de Benefícios das
Entidades ABERTAS sem fins lucrativos, ela mandava que fosse gasto no pagamento
de benefícios assistenciais e culturais aos participantes:
“Art.
23 - Nas entidades abertas sem fins lucrativos, o resultado do exercício,
satisfeitas todas as exigências legais e regulamentares no que se refere aos
benefícios, será destinado à constituição de uma reserva de contingência de
benefícios e, SE AINDA HOUVER SOBRA, A PROGRAMAS CULTURAIS E DE ASSISTÊNCIAS
AOS PARTICIPANTES, aprovados pelo órgão normativo do Sistema Nacional de
Seguros Privados.” Nada para o Patrocinador.
Ainda
naquele ano de l977, a Lei 6462/77 proibiu “a concessão de benefícios sob a
FORMA DE RENDA VITALÍCIA...”, superior ao valor do salário de referência com
pequeno reajuste para mais.
Tão
sagrada era essa destinação única (os Participantes) dos gastos de reservas
previdenciárias, tão sério era aquele compromisso (sem fins lucrativos) das EFPC
que a segunda alteração na Lei 6435/77, promovida já pelo Presidente Fernando
Collor, governo declaradamente neoliberal, através da Lei 8020/90, apenas
ordenava que a SOBRA DE RESERVA, isto é, o excesso sobre a Reserva de
Contingência, fosse eliminada mediante a simples redução das Contribuições do
Patrocinador e Participante, respeitado o Princípio de Proporção Contributiva,
em se tratando de EFPC ligada a entidade estatal. Aquele Governo Neoliberal
tinha o claro entendimento de que:
-
a redução de Contribuições é benefício, sim, mas não é benefício previdenciário;
pode até ser considerado malefício previdenciário;
-
reserva previdenciária, até mesmo sobra de reserva previdenciária, tem
destinação, digamos, sagrada, a saber, os Participantes;
-
quando se reduz ou se suspende a Contribuição, gasta-se Reserva Matemática nos
pagamentos contratados de benefícios previdenciários, fazendo-se baixar o nível
de reservas ao da Reserva de
Contingência e, assim, desaparece a SOBRA, a ATUAL RESERVA ESPECIAL;
-
que aquela caracterização “SEM FINS LUCRATIVOS” é algo muito sério, a saber, a
EFPC não existe para enriquecer os Participantes nem, muito menos, o Patrocinador.
O
artigo 18 da LC 109/01 existe exatamente para isso, para evitar AS SOBRAS
EXCESSIVAS:
“Art. 18. O plano de custeio, COM PERIODICIDADE
MÍNIMA ANUAL, estabelecerá O NÍVEL DE CONTRIBUIÇÃO necessário à constituição
das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das
demais despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador
e fiscalizador.”
Explico exatamente o que, na minha opinião, toda essa
legislação entende por superávit, sobra, excesso de reserva previdenciária,
RESERVA ESPECIAL. No fim do exercício, o atuário apresenta o valor da Reserva
Matemática. Esse valor representa, em valor atual, todo o custo de todos os
pagamentos de benefícios contratados de um Plano de Benefícios, até o pagamento
do último compromisso. Esse cálculo atuarial leva em consideração as condições
de aplicação em um mercado de dinheiro normal. Hoje, conclusão atuarial, o
Plano de Benefícios tem recursos para pagar todos os compromissos
previdenciários, sem necessitar nem mesmo das contribuições futuras de
Participantes e Patrocinador.
Pois bem. Acrescente-se a esse valor, para efeito de
garantia, mais 25% desse valor, a Reserva de Contingência. Ainda há reserva
sobrando? Esse valor é a Reserva Especial. O Plano de Benefícios não precisa
desse valor. O que fazer com ele?
A Lei 6435/77
mandava recalcule-se o valor dos benefícios. A Lei 6462/77 mandava gaste-se em
pagamento de benefício temporário. A Lei 8020/90 mandava reduzam-se as
Contribuições de ambos, Participantes e Patrocinador, respeitando-se o
Princípio de Proporção Contributiva. Já a Lei 109/01 manda: Reserva Especial
para revisão do Plano de Benefícios. Isto é, refaçam-se todos os cálculos
atuariais. Realmente há sobra? Paguem-se benefícios ou transitórios ou os
contratados com valor refeito, se o valor da Reserva Especial o permitir.
Mas, então, por que
existe a condicionante do §3º do artigo 20: “Se a revisão do plano de
benefícios implicar redução de contribuições, deverá ser levada em consideração
a proporção existente entre as contribuições dos patrocinadores e dos
participantes, inclusive dos assistidos.”?
Porque o ambiente
econômico, financeiro e político pode ser tal que não garanta a
autossuficiência das Reservas Monetárias, acrescidas da Reserva de
Contingência. É, então, que a RESERVA ESPECIAL desaparece com o simples gasto
das Reservas Matemáticas nos pagamentos dos benefícios rotineiros contratados.
Assim, o mandamento da Lei 8020/90 só se aplica em situações críticas do
mercado de dinheiro. Ela é insuficiente para solucionar todos os casos de
desequilíbrio de um Plano de Benefícios por excesso de reservas previdenciárias,
como imaginava a Lei 8020/90.
Permito-me encerrar com uma observação. Leio no
opúsculo “Da Caixa Montepio à PREVI”, publicado no ano de 2004, sob o patrocínio
de diversas empresas, com evidente intuito de comemorar o centenário da PREVI,
e com o apoio e contribuição também evidentes da PREVI, que esta sofreu
intervenção em dezembro de 2000, com base nos artigos 51 e 54 da Lei 6435/77,
“para adotar as medidas necessárias à implementação do instituto da paridade.”
Curioso que esse enquadramento à norma da paridade
consistiu na repartição do excesso de reserva previdenciária entre
Participantes e Patrocinador, em lugar de dar cumprimento ao que então ordenava
a Lei 8020/90, na redução ou suspensão das Contribuições.
Creio que o interventor pensou que estava cumprindo
fielmente a Lei 8020/90. Na minha opinião, a devolução de recursos ao
Patrocinador constituiu um benefício não previdenciário, porque pago a pessoa
jurídica, despindo-se da feição protetiva alimentar. Tratou-se de um benefício
econômico, financeiro, lucrativo, de cunho capitalista. Nada previdenciário,
mesmo que tenha sido destinado para pagamento de obrigações previdenciárias
outras do Patrocinador, porquanto assumidas antes e na qualidade de Empregador.
Outra observação: até o ano 2008, as modificações na
Previdência Complementar se processaram mediante leis. Em 2008, utilizou-se uma
resolução, a Resolução CGPC 26/08 criou o instituto da Reversão de Valores.
Os doutos sabe-lo-ão explicar melhor que eu.
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