Com efeito, a
CONTESTAÇÃO afirma no parágrafo 119 que “não houve aprovação de Reversão de
Valores, seja aos Participantes, seja ao Patrocinador” naquela operação
efetuada em janeiro de 2010, mas o simples cumprimento do artigo 23 da
Resolução CGPC 26/08: “A
DESTINAÇÃO DA RESERVA ESPECIAL PARA MELHORIA DOS BENEFÍCIOS DOS PARTICIPANTES E
ASSISTIDOS está condicionada à sua previsão no regulamento e na nota técnica
atuarial do plano de benefícios.”
Assim, a PREVI, muito singelamente, ao propor essa alteração do
regulamento que, é óbvio, deveria ser apenas de gasto da Reserva Especial em
melhoria de benefícios a participantes e assistidos, acrescentou também SUSPENSÃO
DAS CONTRIBUIÇÕES por três anos consecutivos, e mais A CRIAÇÃO DA “CONTA DE
UTILIZAÇÃO DA RESERVA ESPECIAL DO PATROCINADOR” para receber valor igual ao que
for destinado aos Participantes/Assistidos. (Nota Nº 102/2014/CGAT/DITEC/PREVIC,
parágrafos 9 e 11).
A PREVIC tudo aprovou. E demonstra que está convencida de que fez tudo
certo: “... NÃO HOUVE APROVAÇÃO DE REVERSÃO DE VALORES, seja para
participantes, seja para patrocinador. NÃO HOUVE, PORTANTO, DESCUMPRIMENTO DO
PREVISTO NA RESOLUÇÃO CGPC 26/2008.”
E a PREVIC justifica a sua autorização com o seguinte argumento: “... o
procedimento proposto pela PREVI... e aprovado por esta PREVIC/DITEC...
objetivou, dentre outros, o ATENDIMENTO DO PRECEITO CONSTITUCIONAL - §3º DO
ARTIGO 202 – na qual seria permitido o aporte de recursos a entidades de
previdência privada, pela União... inclusive suas... sociedades de economia
mista e empresas controladas direta ou indiretamente, somente na qualidade de
patrocinadoras de EFPC, sendo que nessa condição, EM HIPÓTESE ALGUMA, A
CONTRIBUIÇÃO NORMAL dessas patrocinadoras pode exceder a dos participantes.”
E a PREVIC explica essa sua estranha aprovação:
“Portanto, NÃO AUTORIZAR QUE TAIS RECURSOS PUDESSEM FICAR APARTADOS PARA
UTILIZAÇÃO EXCLUSIVA DO PATROCINADOR, evidentemente dentre as possibilidades
previstas na legislação – especialmente custeio de contribuições de sua
responsabilidade – e assim permitir que tais recursos viessem a ser utilizados
na recomposição das reservas matemáticas, favorecendo exclusivamente os
participantes do Plano de Benefícios 1, CONFIGURARIA ADMITIR QUE RECURSOS
PÚBLICOS FOSSEM UTILIZADOS EM AFRONTA DIRETA AO CITADO MANDAMENTO
CONSTITUCIONAL, PRINCÍPIO INSERIDO, ADEMAIS, NA PRÓPRIA CITADA RESOLUÇÃO CGPC
26.
Desta forma, entende-se que a aprovação da alteração do texto
regulamentar, do plano de benefícios em comento, atendeu não somente as
exigências, documentais e procedimentais, previstas na legislação, incluída a
combatida Resolução CGPC 26/2008, ... bem como aos preceitos do zelo e
prudência no trato com o patrimônio público.”
Eis aí. Estamos diante de um fato concreto daqueles que o artigo 3º-VI
da LC 109/01 confia nada menos que o próprio Estado se guie pelos interesses
dos Participantes e Assistidos.
A PREVI hoje se ufana de ser orientada por uma governança corporativa,
sobre a qual já na década de 30 do século passado, os economistas Adolf Berle e
Gardiner Means afirmavam que administra as empresas no interesse dos próprios
executivos e, no século atual, os economistas a ela atribuem a formidável crise
econômica que atravessamos, e, cremos nós, é também responsável pela crise
econômica e política que o Brasil ora está atravessando, inclusive abalando as
estruturas da mais poderosa e promissora empresa nacional. O Conselho
Deliberativo da PREVI é presidido por representante do Patrocinador e detém o
voto de qualidade. Tudo ali se delibera na conformidade da vontade do
Patrocinador, que lhes garante extraordinária renda de gestão e futura
aposentadoria excepcional.
Examinemos detidamente, com efeito, a descrição do fato da aprovação
desta alteração de regulamento, feita pela própria PREVIC e assumida pela
CONTESTAÇÃO, para perceber quão irregular ela parece efetivamente ser. E, em se
comprovando essa irregularidade, estar-se-ia deparando com outro exemplo
daquilo que se afirmou no início deste trabalho que a hermenêutica, utilizada
pela PREVIC para demonstrar a legalidade de uma norma, parece consistir em
caçar um princípio jurídico que permita fundar uma argumentação favorável à
tese que lhe interessa provar, e aplica-la à norma em questão, mesmo que isso
implique em interpretá-la no sentido diverso do óbvio, e até mesmo a ele oposto.
Assim, o artigo 21 da Resolução CGPC 26/2008 trata apenas de melhoria de
benefícios. A PREVI, todavia, atrelou ao pedido de melhoria de benefícios o
pedido de suspensão de contribuição. A PREVIC, por seu turno, autorizou, com
base nesse artigo 21, a alteração do Regulamento no que diz respeito à melhoria
de benefícios, e mais, suspensão da contribuição para ambos os contribuintes e
a transferência de metade dos recursos da RESERVA ESPECIAL (R$7,5 bilhões) para
uma conta de uso autônomo do patrocinador, fato que não é previsto nem mesmo na
Resolução CGPC 26/08, porque não é, di-lo a PREVIC, reversão de valor.
A PREVIC diz que essa aprovação foi resultado da interpretação que os
seus executivos deram ao §3º do artigo 202 da Constituição Federal. Ora, o
fecho do caput desse mesmo artigo 202 diz que o único intérprete, o único
autêntico e válido intérprete desse artigo é a LC 109/01, e, em certas
circunstâncias, a LC 108/01. Ambas essas leis complementares dizem que a única
autoridade para interpretá-las é o CNPC (CGPC antigamente), desde que não
extrapole o espaço da lei. Isso é confirmado pelo Decreto 7123/10. Logo, segundo entendo, os competentíssimos
executivos da PREVIC e da PREVI não estão autorizados a se guiarem nesse tipo
de autorização diretamente pela luz de suas mentes, refletida pela Constituição
Federal, nem mesmo pela luz de suas mentes refletida pelas duas leis
complementares (artigo 5º da LC 109/01, confirmado pelo artigo 2º da LC 108/01).
E o artigo 20 da Resolução CGPC 26/08 diz que só existe uma maneira de se
transferir a reserva especial para o patrocinador, a saber, por Reversão de
Valores. Como pode a PREVIC achar que não transgrediu a Resolução CGPC 26/08?
Acontece que a própria PREVIC, e a
CONTESTAÇÃO no parágrafo 115 o endossa, reconhece o que manda o artigo 20 da Resolução
CGPC 26/08:
“... no artigo 20... são admitidas, em relação aos participantes e
assistidos e ao patrocinador, as seguintes formas de utilização da reserva
especial: i) redução parcial de contribuições; ii) redução integral ou
suspensão da cobrança de contribuições no montante equivalente a, pelo menos,
três exercícios; ou iii) melhoria dos benefícios, e/ou reversão de valores de
forma parcelada aos participantes, assistidos e patrocinador e/ou ao
patrocinador.” No artigo 20, portanto, só existe a forma reversão de valores
para transferir a reserva especial para o patrocinador. Como pode a PREVIC
afirmar com tanta tranquilidade e segurança que “não houve... descumprimento do
previsto na Resolução CGPC 26/2008.”?!
O artigo 19 da LC l09/01 manda que se gastem as reservas previdenciárias
somente com o pagamento de benefícios previdenciários. A Reserva Especial é
reserva previdenciária. Como pode a PREVIC afirmar com tranquilidade e
segurança que pode gastá-la no pagamento de reversão de valores ou dessa inominável
transferência que diz não ser reversão de valores?!
O §3º do artigo 21 da LC 109/01 diz clara, textualmente que só existem
duas formas de se eliminar reserva excedente – flexibilizando para menos a
contribuição ou melhorando os benefícios previdenciários. Como pode a PREVIC
afirmar com tranquilidade e segurança que reversão de valores ou essa
inominável transferência são legais?
O §3º do artigo 20 da LC 109/01 diz que o Princípio da Proporcionalidade
Contributiva é para uso restrito ao caso do reequilíbrio via flexibilização da
contribuição. Como pode a PREVIC afirmar com tranquilidade e segurança o
contrário, e ampliá-lo para aplica-lo no caso do reequilíbrio via gastos de
reservas (pagamento de benefícios)?
O artigo 3º-VI manda que o Estado decida os assuntos controversos em
matéria de previdência complementar, guiando-se pelos interesses dos
participantes e assistidos (é o princípio generalíssimo “in dúbio pro misero”).
Como pode a PREVIC com tranquilidade e segurança decidir esta matéria da eliminação
da Reserva Especial contra os interesses dos participantes e assistidos (os
incapacitados) e a favor dos interesses do Patrocinador (os capitalistas)?!
O §3º do artigo 202 da Constituição Federal trata exclusivamente de
contribuição, enquanto o artigo 21 da Resolução CGPC 26/2008 trata
exclusivamente de alteração regulamentar relativa a melhoria de benefício. Como
pode a PREVIC com tranquilidade e segurança afirmar que procedeu corretamente
decidindo melhoria de benefício previdenciário enquadrando-a sob norma
constitucional de contribuição?! Como pode a PREVIC com tranquilidade e
segurança aceitar, num pedido de alteração de melhoria, matéria que não lhe diz
respeito?! E, se aceita, como pode decidir fatos naturais e jurídicos bem
diferentes segundo norma constitucional que só rege um deles?!
Contribuição é parte do patrimônio de doador (Participante/Assistido ou
Patrocinador) que decidiu transferi-la para a propriedade da EFPC. Benefício é
parte do patrimônio da EFPC que ela está obrigada contratualmente a transferir
para propriedade do Assistido. São, pois, fatos econômicos, financeiros e
contábeis muito diferentes.
São também fatos jurídicos bem diferentes.
A Contribuição do Patrocinador é gerada pelo Contrato de Patrocínio, que é
compromisso dele com a EFPC. O Patrocinador é o sujeito de obrigação e a EFPC é
o sujeito de direito. A contribuição transfere parte do patrimônio pessoal do
Patrocinador para o patrimônio fideijussório da EFPC. A Contribuição do
Participante é gerada pelo Contrato de Participação, que é compromisso
exclusivo dele com a EFPC. O Participante é o sujeito de obrigação da
Contribuição e a EFPC é o sujeito de direito. A contribuição transfere parte do
patrimônio pessoal do Participante/Assistido para o patrimônio fideijussório da
EFPC.
A partir dessa transferência o que
existe é o patrimônio fideijussório da EFPC. As contribuições do Patrocinador e
do Participante/Assistidos passam a integrar o ativo da EFPC sob o conceito
jurídico de reserva previdenciária. A EFPC tem direitos reais sobre o seu
patrimônio fiduciário. E os Participantes/Assistidos têm direito creditício
sobre esse patrimônio, representado pelo Certificado de Admissão, título
inegociável. Já o Patrocinador nenhum direito tem sobre esse patrimônio
fiduciário da EFPC. Patrocínio é apenas obrigação de pagar a contribuição. O
Contrato de Patrocínio não é mais do que um contrato de obrigação do
Patrocinador. Não lhe confere direito a coisa alguma.
Assim, até mesmo as contribuições de
Particpantes/Assistidos e de Patrocinador são fatos jurídicos diferentes,
gerados por contratos diferentes, que se relacionam simplesmente porque esses
dois contratos se imbricam no polo do sujeito de direito, a EFPC. Esse é um dos
lampejos geniais da arquitetura do Regime da Previdência Complementar
Brasileira. Em razão disso, Patrocinador nada tem que ver com benefício
previdenciário. Os patrocinadores, as EFPC e os juízes são unânimes a afirmar
isso nos tribunais.
Em razão dessa imbricação, a LC 109/01
no §3º do artigo 20 reconhece a aplicação do Princípio da Proporcionalidade
Contributiva restritiva à eliminação da Reserva Especial via flexibilização da
contribuição, porque existem dois sujeitos de obrigação da contribuição e um
sujeito de direito á contribuição. Se este flexibiliza para um, deve
flexibilizar também para o outro.
O benefício, por seu turno, é gerado
exclusivamente pelo Contrato Previdenciário, relação jurídica cujo sujeito de
direito é o Participante/Assistido e o sujeito de obrigação é a EFPC. A essa
relação o Patrocinador é totalmente alheio, não está nem no polo de direito nem
no polo de obrigação. Ele consiste na transferência de parte do patrimônio
fideijussório (a reserva previdenciária) da EFPC para quem tem o direito de
recebe-lo, o Participante/Assistido. Só existe um único sujeito no polo de
direito e um único sujeito no polo de obrigação, desta relação jurídica
previdenciária. Aqui, portanto, inexiste a menor condição para aplicação do
Princípio da Proporcionalidade Contributiva.
Como pode a PREVIC com tranquilidade
e segurança afirmar que o §3º do artigo 202 da Constituição rege o fato
jurídico do Benefício?! Como pode a PREVIC com tranquilidade e segurança
afirmar que o fato jurídico do benefício também é regido pelo Princípio da
Proporcionalidade Contributiva?!
A Reserva Especial é reserva. Reserva só pode ser gasta no pagamento de
benefícios previdenciários (artigo 19 da LC 109/01, que não é citado uma única
vez que seja pela PREVIC nessa CONTESTAÇÃO, porque a Reversão de Valores é
simplesmente a amputação desse artigo; confirmado pelo §3º do artigo 21 e pelo
sentido restritivo do §3º do artigo 20). E, repita-se, o artigo 19 é o mais
importante artigo da LC 109/01, porque ele trata exatamente da Reserva
Previdenciária, a garantia do pagamento do benefício previdenciário, que é a
base constitucional do Regime da Previdência Complementar, o fato jurídico
principal de que trata a LC 109/01, a lei básica da previdência complementar.
Como pode a PREVIC afirmar com tranquilidade e segurança que essa
autorização foi um ato administrativo legal?
E o mais impressionante, o interesse do Patrocinador foi em tudo
protegido! Com efeito, ele teve como os Participantes/Assistidos a vantagem da
suspensão da Contribuição. Mais, Reversão da Contribuição (que a PREVIC diz que
ele não teve) ele recebeu como vantagem inominável (diz a PREVIC), enquanto a
CONTRIBUIÇÃO DOS PARTICIPANTES/ASSISTIDOS permanece lá nas RESERVAS
MATEMÁTICAS, porque estes, os Participantes/Assistidos, diz a própria PREVIC,
receberam BENEFÍCIO (previdenciário) ESPECIAL TEMPORÁRIO, isto é, MELHORIA DE
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO!
Esta é a minha opinião. O leitor amigo reflita e veja se estou com a
razão.
Fim
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