quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

331. As Mensagens da CONTESTAÇÃO DA PREVIC (continuação)

A CONTESTAÇÃO, todavia, já no seu final, traz revelação de que teria ocorrido fato jurídico ainda mais ousadamente ilegal do que a extrapolação via instituto da Reversão de Valores, na minha opinião.

Com efeito, a CONTESTAÇÃO afirma no parágrafo 119 que “não houve aprovação de Reversão de Valores, seja aos Participantes, seja ao Patrocinador” naquela operação efetuada em janeiro de 2010, mas o simples cumprimento do artigo 23 da Resolução CGPC 26/08: “A DESTINAÇÃO DA RESERVA ESPECIAL PARA MELHORIA DOS BENEFÍCIOS DOS PARTICIPANTES E ASSISTIDOS está condicionada à sua previsão no regulamento e na nota técnica atuarial do plano de benefícios.”
 
Assim, a PREVI, muito singelamente, ao propor essa alteração do regulamento que, é óbvio, deveria ser apenas de gasto da Reserva Especial em melhoria de benefícios a participantes e assistidos, acrescentou também SUSPENSÃO DAS CONTRIBUIÇÕES por três anos consecutivos, e mais A CRIAÇÃO DA “CONTA DE UTILIZAÇÃO DA RESERVA ESPECIAL DO PATROCINADOR” para receber valor igual ao que for destinado aos Participantes/Assistidos. (Nota Nº 102/2014/CGAT/DITEC/PREVIC, parágrafos 9 e 11).

A PREVIC tudo aprovou. E demonstra que está convencida de que fez tudo certo: “... NÃO HOUVE APROVAÇÃO DE REVERSÃO DE VALORES, seja para participantes, seja para patrocinador. NÃO HOUVE, PORTANTO, DESCUMPRIMENTO DO PREVISTO NA RESOLUÇÃO CGPC 26/2008.”

E a PREVIC justifica a sua autorização com o seguinte argumento: “... o procedimento proposto pela PREVI... e aprovado por esta PREVIC/DITEC... objetivou, dentre outros, o ATENDIMENTO DO PRECEITO CONSTITUCIONAL - §3º DO ARTIGO 202 – na qual seria permitido o aporte de recursos a entidades de previdência privada, pela União... inclusive suas... sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, somente na qualidade de patrocinadoras de EFPC, sendo que nessa condição, EM HIPÓTESE ALGUMA, A CONTRIBUIÇÃO NORMAL dessas patrocinadoras pode exceder a dos participantes.”

E a PREVIC explica essa sua estranha aprovação:

“Portanto, NÃO AUTORIZAR QUE TAIS RECURSOS PUDESSEM FICAR APARTADOS PARA UTILIZAÇÃO EXCLUSIVA DO PATROCINADOR, evidentemente dentre as possibilidades previstas na legislação – especialmente custeio de contribuições de sua responsabilidade – e assim permitir que tais recursos viessem a ser utilizados na recomposição das reservas matemáticas, favorecendo exclusivamente os participantes do Plano de Benefícios 1, CONFIGURARIA ADMITIR QUE RECURSOS PÚBLICOS FOSSEM UTILIZADOS EM AFRONTA DIRETA AO CITADO MANDAMENTO CONSTITUCIONAL, PRINCÍPIO INSERIDO, ADEMAIS, NA PRÓPRIA CITADA RESOLUÇÃO CGPC 26.

Desta forma, entende-se que a aprovação da alteração do texto regulamentar, do plano de benefícios em comento, atendeu não somente as exigências, documentais e procedimentais, previstas na legislação, incluída a combatida Resolução CGPC 26/2008, ... bem como aos preceitos do zelo e prudência no trato com o patrimônio público.”

Eis aí. Estamos diante de um fato concreto daqueles que o artigo 3º-VI da LC 109/01 confia nada menos que o próprio Estado se guie pelos interesses dos Participantes e Assistidos.

A PREVI hoje se ufana de ser orientada por uma governança corporativa, sobre a qual já na década de 30 do século passado, os economistas Adolf Berle e Gardiner Means afirmavam que administra as empresas no interesse dos próprios executivos e, no século atual, os economistas a ela atribuem a formidável crise econômica que atravessamos, e, cremos nós, é também responsável pela crise econômica e política que o Brasil ora está atravessando, inclusive abalando as estruturas da mais poderosa e promissora empresa nacional. O Conselho Deliberativo da PREVI é presidido por representante do Patrocinador e detém o voto de qualidade. Tudo ali se delibera na conformidade da vontade do Patrocinador, que lhes garante extraordinária renda de gestão e futura aposentadoria excepcional.

Examinemos detidamente, com efeito, a descrição do fato da aprovação desta alteração de regulamento, feita pela própria PREVIC e assumida pela CONTESTAÇÃO, para perceber quão irregular ela parece efetivamente ser. E, em se comprovando essa irregularidade, estar-se-ia deparando com outro exemplo daquilo que se afirmou no início deste trabalho que a hermenêutica, utilizada pela PREVIC para demonstrar a legalidade de uma norma, parece consistir em caçar um princípio jurídico que permita fundar uma argumentação favorável à tese que lhe interessa provar, e aplica-la à norma em questão, mesmo que isso implique em interpretá-la no sentido diverso do óbvio, e até mesmo a ele oposto.

Assim, o artigo 21 da Resolução CGPC 26/2008 trata apenas de melhoria de benefícios. A PREVI, todavia, atrelou ao pedido de melhoria de benefícios o pedido de suspensão de contribuição. A PREVIC, por seu turno, autorizou, com base nesse artigo 21, a alteração do Regulamento no que diz respeito à melhoria de benefícios, e mais, suspensão da contribuição para ambos os contribuintes e a transferência de metade dos recursos da RESERVA ESPECIAL (R$7,5 bilhões) para uma conta de uso autônomo do patrocinador, fato que não é previsto nem mesmo na Resolução CGPC 26/08, porque não é, di-lo a PREVIC, reversão de valor.

A PREVIC diz que essa aprovação foi resultado da interpretação que os seus executivos deram ao §3º do artigo 202 da Constituição Federal. Ora, o fecho do caput desse mesmo artigo 202 diz que o único intérprete, o único autêntico e válido intérprete desse artigo é a LC 109/01, e, em certas circunstâncias, a LC 108/01. Ambas essas leis complementares dizem que a única autoridade para interpretá-las é o CNPC (CGPC antigamente), desde que não extrapole o espaço da lei. Isso é confirmado pelo Decreto 7123/10.  Logo, segundo entendo, os competentíssimos executivos da PREVIC e da PREVI não estão autorizados a se guiarem nesse tipo de autorização diretamente pela luz de suas mentes, refletida pela Constituição Federal, nem mesmo pela luz de suas mentes refletida pelas duas leis complementares (artigo 5º da LC 109/01, confirmado pelo artigo 2º da LC 108/01). E o artigo 20 da Resolução CGPC 26/08 diz que só existe uma maneira de se transferir a reserva especial para o patrocinador, a saber, por Reversão de Valores. Como pode a PREVIC achar que não transgrediu a Resolução CGPC 26/08?

Acontece que a própria PREVIC, e a CONTESTAÇÃO no parágrafo 115 o endossa, reconhece o que manda o artigo 20 da Resolução CGPC 26/08:

“... no artigo 20... são admitidas, em relação aos participantes e assistidos e ao patrocinador, as seguintes formas de utilização da reserva especial: i) redução parcial de contribuições; ii) redução integral ou suspensão da cobrança de contribuições no montante equivalente a, pelo menos, três exercícios; ou iii) melhoria dos benefícios, e/ou reversão de valores de forma parcelada aos participantes, assistidos e patrocinador e/ou ao patrocinador.” No artigo 20, portanto, só existe a forma reversão de valores para transferir a reserva especial para o patrocinador. Como pode a PREVIC afirmar com tanta tranquilidade e segurança que “não houve... descumprimento do previsto na Resolução CGPC 26/2008.”?!

O artigo 19 da LC l09/01 manda que se gastem as reservas previdenciárias somente com o pagamento de benefícios previdenciários. A Reserva Especial é reserva previdenciária. Como pode a PREVIC afirmar com tranquilidade e segurança que pode gastá-la no pagamento de reversão de valores ou dessa inominável transferência que diz não ser reversão de valores?!

O §3º do artigo 21 da LC 109/01 diz clara, textualmente que só existem duas formas de se eliminar reserva excedente – flexibilizando para menos a contribuição ou melhorando os benefícios previdenciários. Como pode a PREVIC afirmar com tranquilidade e segurança que reversão de valores ou essa inominável transferência são legais?

O §3º do artigo 20 da LC 109/01 diz que o Princípio da Proporcionalidade Contributiva é para uso restrito ao caso do reequilíbrio via flexibilização da contribuição. Como pode a PREVIC afirmar com tranquilidade e segurança o contrário, e ampliá-lo para aplica-lo no caso do reequilíbrio via gastos de reservas (pagamento de benefícios)?

O artigo 3º-VI manda que o Estado decida os assuntos controversos em matéria de previdência complementar, guiando-se pelos interesses dos participantes e assistidos (é o princípio generalíssimo “in dúbio pro misero”). Como pode a PREVIC com tranquilidade e segurança decidir esta matéria da eliminação da Reserva Especial contra os interesses dos participantes e assistidos (os incapacitados) e a favor dos interesses do Patrocinador (os capitalistas)?!

O §3º do artigo 202 da Constituição Federal trata exclusivamente de contribuição, enquanto o artigo 21 da Resolução CGPC 26/2008 trata exclusivamente de alteração regulamentar relativa a melhoria de benefício. Como pode a PREVIC com tranquilidade e segurança afirmar que procedeu corretamente decidindo melhoria de benefício previdenciário enquadrando-a sob norma constitucional de contribuição?! Como pode a PREVIC com tranquilidade e segurança aceitar, num pedido de alteração de melhoria, matéria que não lhe diz respeito?! E, se aceita, como pode decidir fatos naturais e jurídicos bem diferentes segundo norma constitucional que só rege um deles?!

Contribuição é parte do patrimônio de doador (Participante/Assistido ou Patrocinador) que decidiu transferi-la para a propriedade da EFPC. Benefício é parte do patrimônio da EFPC que ela está obrigada contratualmente a transferir para propriedade do Assistido. São, pois, fatos econômicos, financeiros e contábeis muito diferentes.
 
São também fatos jurídicos bem diferentes. A Contribuição do Patrocinador é gerada pelo Contrato de Patrocínio, que é compromisso dele com a EFPC. O Patrocinador é o sujeito de obrigação e a EFPC é o sujeito de direito. A contribuição transfere parte do patrimônio pessoal do Patrocinador para o patrimônio fideijussório da EFPC. A Contribuição do Participante é gerada pelo Contrato de Participação, que é compromisso exclusivo dele com a EFPC. O Participante é o sujeito de obrigação da Contribuição e a EFPC é o sujeito de direito. A contribuição transfere parte do patrimônio pessoal do Participante/Assistido para o patrimônio fideijussório da EFPC.
 

A partir dessa transferência o que existe é o patrimônio fideijussório da EFPC. As contribuições do Patrocinador e do Participante/Assistidos passam a integrar o ativo da EFPC sob o conceito jurídico de reserva previdenciária. A EFPC tem direitos reais sobre o seu patrimônio fiduciário. E os Participantes/Assistidos têm direito creditício sobre esse patrimônio, representado pelo Certificado de Admissão, título inegociável. Já o Patrocinador nenhum direito tem sobre esse patrimônio fiduciário da EFPC. Patrocínio é apenas obrigação de pagar a contribuição. O Contrato de Patrocínio não é mais do que um contrato de obrigação do Patrocinador. Não lhe confere direito a coisa alguma.
 

Assim, até mesmo as contribuições de Particpantes/Assistidos e de Patrocinador são fatos jurídicos diferentes, gerados por contratos diferentes, que se relacionam simplesmente porque esses dois contratos se imbricam no polo do sujeito de direito, a EFPC. Esse é um dos lampejos geniais da arquitetura do Regime da Previdência Complementar Brasileira. Em razão disso, Patrocinador nada tem que ver com benefício previdenciário. Os patrocinadores, as EFPC e os juízes são unânimes a afirmar isso nos tribunais.
 

Em razão dessa imbricação, a LC 109/01  no §3º do artigo 20 reconhece a aplicação do Princípio da Proporcionalidade Contributiva restritiva à eliminação da Reserva Especial via flexibilização da contribuição, porque existem dois sujeitos de obrigação da contribuição e um sujeito de direito á contribuição. Se este flexibiliza para um, deve flexibilizar também para o outro.

O benefício, por seu turno, é gerado exclusivamente pelo Contrato Previdenciário, relação jurídica cujo sujeito de direito é o Participante/Assistido e o sujeito de obrigação é a EFPC. A essa relação o Patrocinador é totalmente alheio, não está nem no polo de direito nem no polo de obrigação. Ele consiste na transferência de parte do patrimônio fideijussório (a reserva previdenciária) da EFPC para quem tem o direito de recebe-lo, o Participante/Assistido. Só existe um único sujeito no polo de direito e um único sujeito no polo de obrigação, desta relação jurídica previdenciária. Aqui, portanto, inexiste a menor condição para aplicação do Princípio da Proporcionalidade Contributiva.
 

Como pode a PREVIC com tranquilidade e segurança afirmar que o §3º do artigo 202 da Constituição rege o fato jurídico do Benefício?! Como pode a PREVIC com tranquilidade e segurança afirmar que o fato jurídico do benefício também é regido pelo Princípio da Proporcionalidade Contributiva?!


A Reserva Especial é reserva. Reserva só pode ser gasta no pagamento de benefícios previdenciários (artigo 19 da LC 109/01, que não é citado uma única vez que seja pela PREVIC nessa CONTESTAÇÃO, porque a Reversão de Valores é simplesmente a amputação desse artigo; confirmado pelo §3º do artigo 21 e pelo sentido restritivo do §3º do artigo 20). E, repita-se, o artigo 19 é o mais importante artigo da LC 109/01, porque ele trata exatamente da Reserva Previdenciária, a garantia do pagamento do benefício previdenciário, que é a base constitucional do Regime da Previdência Complementar, o fato jurídico principal de que trata a LC 109/01, a lei básica da previdência complementar.

Como pode a PREVIC afirmar com tranquilidade e segurança que essa autorização foi um ato administrativo legal?   

E o mais impressionante, o interesse do Patrocinador foi em tudo protegido! Com efeito, ele teve como os Participantes/Assistidos a vantagem da suspensão da Contribuição. Mais, Reversão da Contribuição (que a PREVIC diz que ele não teve) ele recebeu como vantagem inominável (diz a PREVIC), enquanto a CONTRIBUIÇÃO DOS PARTICIPANTES/ASSISTIDOS permanece lá nas RESERVAS MATEMÁTICAS, porque estes, os Participantes/Assistidos, diz a própria PREVIC, receberam BENEFÍCIO (previdenciário) ESPECIAL TEMPORÁRIO, isto é, MELHORIA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO!

Esta é a minha opinião. O leitor amigo reflita e veja se estou com a razão.

Fim






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