Para
mim, conferir a legalidade de uma regulamentação não é tão difícil assim. O
único e autêntico critério da legalidade é a LEI. A Lei ou é um mandamento ou
uma proibição. Assim, só se sabe se uma regulamentação é legal, cotejando-a com
a Lei.
Se
a regulamentação manda o que a Lei manda ou proíbe o que a Lei proíbe, a
regulamentação é legal. Regulamentação legal é aquela que respeita a Lei, está
conforme à Lei. Se a regulamentação proíbe o que a Lei manda ou manda o que a
Lei proíbe, ela é ilegal. Regulamentação é ilegal quando afronta a Lei, é
discrepante da Lei. Regulamentação contra a Lei (contra legem) é ilegal.
Mais,
uma regulamentação que manda o que a Lei não manda ou proíbe o que a Lei não
proíbe, também é ilegal, em razão do artigo 3º-II da Constituição Federal: “ninguém será obrigado
a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”. Uma
regulamentação além da Lei (praeter legem) também é ilegal.
A
principal lei é a Constituição. Logo, qualquer regulamentação que afronte a
Constituição Federal Brasileira, porque é inconstitucional, é igualmente
ilegal.
Toda
argumentação, desenvolvida naquela extensa CONTESTAÇÃO DA PREVIC, funda-se numa
afirmação: a RESERVA ESPECIAL É UM EXCEDENTE DE RESERVA, DESCONECTADO DO
OBJETIVO SOCIAL DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR (pagamento de benefícios
previdenciários).
Onde
se encontra isso dito na LC 109/01 e na LC 108/01?
O
artigo 7º da LC 109/01 manda que a EFPC administre o Plano de Benefícios
Previdenciários com o objetivo de se alcançar o EQUILÍBRIO ECONÔMICO,
FINANCEIRO e ATUARIAL.
O
artigo 21 manda que esse EQUILÍBRIO seja A META MÍNIMA.
Os
artigos 18 e 22 mandam que esse EQUILÍBRIO, estendido para todo o ativo da
EFPC, seja permanentemente perseguido e, mais, revisto financeira e
atuarialmente ao menos no final de cada exercício financeiro.
O
artigo 20 manda que recursos até 125% (Reservas Matemáticas e Reserva de Garantia) do valor dos benefícios
contratados sejam mantidos no ativo da EFPC.
O
mesmo artigo 20 diz que eventual EXCEDENTE de reservas, seja de que valor for,
a esses 125% (RESERVA ESPECIAL), pode permanecer por até três anos consecutivos
no ativo da EFPC.
O §3º do artigo 21 manda: “Na hipótese de retorno à
entidade dos recursos equivalentes ao déficit previsto no caput deste artigo,
... , OS RESPECTIVOS VALORES DEVERÃO SER APLICADOS NECESSARIAMENTE NA REDUÇÃO
PROPORCIONAL DAS CONTRIBUIÇÕES devidas ao plano ou EM MELHORIA DOS BENEFÍCIOS.”
E, por fim, o artigo 19 manda textualmente o seguinte:
“As CONTRIBUIÇÕES destinadas à
constituição de RESERVAS TERÃO COMO FINALIDADE PROVER O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS
DE CARÁTER PREVIDENCIÁRIO, observadas as especificidades previstas nesta Lei
Complementar.
A
Reserva Especial é RESERVA, e, portanto, de acordo com o artigo 19, reforçado
pelo §3º do artigo 21, tem, como as outras reservas (matemáticas e de
Contingência) a FINALIDADE LEGAL DE SOMENTE PAGAR BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS.
Por
fim, existe ainda o artigo 3º-VI que manda que o Estado, em assuntos de Previdência
Complementar, sempre se guie NA PROTEÇÃO “DOS INTERESSES DOS PARTICIPANTES E
ASSISTIDOS”.
Fica
aí por conta do leitor refletir e formar opinião a respeito desse supracitado princípio,
que guia todo o raciocínio da CONTESTAÇÃO DA PREVIC EM DEFESA DA LEGALIDADE DA
REVERSÃO DE VALORES.
Na
minha opinião esse supracitado princípio não consta da LC 109/01 e nem pode ser
extraído do texto da LC 109/01. Esse princípio é praeter legem e contra legem.
Não é legal. É ilegal.
Estabelecido esse princípio, a CONTESTAÇÃO parte para
a leitura do §3º do artigo 20 da LC 109/01: “Se a revisão do plano de
benefícios implicar redução de contribuições, deverá ser levada em consideração
a proporção existente entre as contribuições dos patrocinadores e dos
participantes, inclusive dos assistidos.”
Esse mandamento de aplicação do Princípio da
Proporcionalidade Contributiva é ou não RESTRITIVO: ”SE”? Limita-se ou não,
exclusivamente, ao caso de REDUÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES? Como, então, pode ser
conforme a Lei torna-lo AMPLO (isto é, fazer o contrário do que a Lei manda),
ampliá-lo, estendê-lo para além do que a Lei manda? Isso é ou não é DUPLAMENTE
ILEGAL, porque é contra legem e praeter legem?
Note-se que, não apenas aqui, mas também em outras
partes da CONTESTAÇÃO, se me dá a impressão de que o arcabouço da argumentação
consiste nisto: fixa-se um princípio jurídico (com fundamento ou sem
fundamento) e aplica-se a uma norma legal (violando o óbvio sentido da norma)
para se pretender apresentar uma argumentação que torne a Reversão de Valores
legal. Ao menos, muitas vezes, é esse o sentimento que me provoca.
Então, estabelecido que a RESERVA ESPECIAL É EXCEDENTE
DESCONECTADO DA FINALIDADE SOCIAL DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR (pagar benefícios
previdenciários) e que no gasto dela se aplica o Princípio da Proporcionalidade
Contributiva, infere-se que a Reversão de Valores é legal! A Reserva Especial,
portanto, deveria ser gasta devolvendo a Contribuição, acrescida da renda
superveniente, aos Contribuintes (Participantes/Assistidos e Patrocinador).
Na
minha opinião, essa conclusão é falsa e a Reversão de Valores é ilegal, porque
as duas premissas são falsas, como acho que ficou acima provado. Reflita o leitor e tire suas próprias
conclusões.
Ademais,
afirma a CONTESTAÇÃO que gastar a RESERVA ESPECIAL somente no pagamento de
benefícios previdenciários aos Participantes/Assistidos seria ENRIQUECIMENTO
SEM CAUSA, ILÍCITO, dos Participantes/Assistidos. Isso, por dois motivos,
porque a Lei proíbe que estes percebam benefício maior que o contratado. E
porque transferir para Participantes/Assistidos a parte que cabe ao
Patrocinador é conceder-lhes vantagem indevida, causando dano ao Patrocinador,
o que fere os artigos do Código Civil.
Admitida
a legalidade da Reversão de Valores, é claro, que gastar a RESERVA ESPECIAL
somente no pagamento de benefícios previdenciários aos Participantes/Assistidos
seria um dano para o Patrocinador. Acontece, como achamos que já provamos
acima, que a Reversão de Valores é ilegal. Logo, o segundo argumento do
enriquecimento ilícito não tem poder de convencimento, a nosso ver.
Também
achamos que essa é a mesma situação do primeiro argumento, já que o §3º do
artigo 21 claramente admite “melhoria dos benefícios” e isso é reconhecido
possível até pela Resolução CGPC 26 (artigos 2º e 20).
Concluímos,
então, que a argumentação da CONTESTAÇÃO a favor da legalidade da Reversão de
Valores não procede, a nosso ver.
Não
quero encerrar esta primeira parte deste estudo, sem tratar de um argumento de
autoridade, o de Wladimir Novaes Martinez, autor de muitas obras sobre Direito
Previdenciário, utilizado pela CONTESTAÇÃO, citando estre trecho de uma obra,
publicada no ano de 2003:
“:
“... dependendo da convenção, parte do seu montante (a derivada da fração
patronal) poderá voltar aos cofres da provedora através de entrega pura ou
compensação futura.”
Infelizmente
a CONTESTAÇÃO não se dignou citar obra mais recente e muito mais robusta do
autor, publicada em junho de 2011, onde dedica um capítulo, o último da obra, o
capítulo CCXIV, precisamente a este assunto: Destino do Superávit.
O
autor afirma claramente: “Com fulcro no §3º (do artigo 20 da LC 109/01), tem-se
que a decisão do CD pode ser: a) reduzir contribuições, alterando, desta forma,
o custeio do plano de benefícios da entidade; ou b) majorar o valor das
prestações mantidas.”
A
interpretação do autor é tão restritiva que acrescenta: “...participantes
ativos e assistidos...encontram-se em situações diferentes. Enquanto os
participantes assistidos fazem jus ao benefício convencionado... participantes
ativos... possuem uma expectativa de direito ao seu benefício. Nesse sentido,
não há falar em isonomia entre os participantes ativos e os participantes
assistidos; os participantes assistidos têm direito ao benefício pactuado com a
entidade... e, ainda, a irredutibilidade deste benefício.”
É
esta exatamente a última lição da mais conspícua obra do autor Wladimir Novaes
Martinez, que tem a extensão de 1504 páginas!
(continua)
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