sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

26. Comportamentos Surpreendentes


O sexo é matéria de incontestável marketing. Vende revistas, livros, mercadorias e serviços de todos os tipos. Proporciona renda ao cinema, teatro, televisão, artistas e modelos. Freud disse que o humor se nutre do erotismo. Quem ousaria contestá-lo ante o sucesso do humorismo nacional, mesmo aquele destinado ao público infantil?!... A minha geração, todavia, educada que foi segundo os severos princípios da moral católica maniqueísta, surpreende-se com homens a usar brincos e coque. Choca-se com a tranqüila e ousada convicção exibida em debates televisivos por homens e mulheres, que se vangloriam de haverem feito a opção homossexual que reputam de qualidade superior.
Inquestionável é que certas áreas do pensamento moderno científico encaram o homossexualismo como um dos muitos comportamentos sexuais componentes do vasto espectro que forma o desempenho humano. O homossexualismo é constatado até entre certas espécies animais, quando os indivíduos machos são apanhados em situação crítica de escassez de alimento e espaço vital. Alguns zoólogos afirmam que certas espécies também apresentam comportamento sexual em situações normais da existência. A História registra que certas civilizações favorecem o homossexualismo.
Intriga-nos o fato de que na civilização grega, inclusive nas fases mais esplendorosas, haja proliferado esse tipo de relacionamento sexual, quando o sexo na espécie humana parece vincular-se biologicamente à procriação. Há quem atribua o fenômeno à necessidade de cerceamento da explosão demográfica que então se operava naquela sociedade, enquanto outros autores o vinculam ao continuado e estreito convívio nudista entre os efebos de corpos embelezados pelos exercícios físicos e entediados pela vida castrense. Talvez essa circunstância explique o amor entre Pelópidas, general e estadista tebano, e Epaminondas, o grande estrategista militar da Confederação Beócia, tendo Pelópidas formado o Bando Sagrado de trezentos hoplitas, todos eles amantes gregos que haviam jurado combater ao seu lado até a morte. Sócrates, o sábio pai da Filosofia, assinalado por atos de bravura nos campos de batalha, apesar de notoriamente feio, ganhou igualmente fama pelos amantes masculinos a que se ligou. Foi amante de Platão, um dos maiores gênios da Filosofia. Enamorou-se à primeira vista pelo belíssimo jovem Cármides e veio a morrer ingerindo cicuta, condenado que foi à morte por envenenamento em virtude das persistentes acusações de ateísmo assacadas por Ânito, enciumado pelo amor entre Sócrates e Alcebíades, este último sobrinho de Péricles e um dos vultos mais importantes da sociedade grega no seu tempo. Dois jovens amantes e guerreiros, Harmódio e Aristogiton, deram início, com o assassinato de Hiparco por Harmódio, ao movimento político e sedicioso que desembocou na substituição da tirania psistrátida pela democracia de Clístenes, instituição política apanágio das civilizações grega e moderna. Will Durant relata que o homossexualismo era tão difundido na Grécia antiga que os rapazes eram os mais sérios rivais das heteras, as lindas cortesãs de Atenas. Os mercadores de Atenas importavam formosos jovens e os vendiam para se tornarem amantes dos homens mais idosos da cidade. A própria religião grega narra o mito do rapto do jovem troiano Ganimedes por Zeus, o deus supremo, disfarçado em águia, que, enamorado da extraordinária beleza do rapaz, o transportou para o Olimpo, a mansão dos deuses, onde foi substituir a filha Hebe nas funções de copeiro, o responsável pelo regime das chuvas na Terra. O homossexualismo praticado pela poetisa Safo, a maior da era anterior a Cristo, vastamente difundido na ilha de Lesbos, deu a designação de safismo ou lesbianismo ao homossexualismo feminino. Safo foi amante de todas as suas alunas na escola de poesia, música e dança que fundou na ilha. Quando os pais retiraram da escola a jovem Átis, Safo rogou-lhe: “Vai e sê feliz, mas lembra-te de mim, pois sabes o quão loucamente te amo”. E amarguradamente confessou: “Nunca mais hei de rever Átis e seria bem melhor para mim se tivesse morrido.”
Na Roma antiga também grassou o homossexualismo. Os rapazes romanos eram naquela época os rivais das cortesãs nos amores dos homens idosos. Os homens ricos compravam amantes gregos. Horácio declara que foi “ferido pelo dardo do amor por Lisico, que em matéria de ternura suplantava qualquer mulher”. Falecendo Popéia, a dama casada por cujo amor Nero mandou matar a mãe Agripina e a esposa Otávia, o imperador apaixonou-se pelo jovem Esporo, cuja beleza o assemelhava à própria Popéia, e fê-lo eunuco para torná-lo sua mulher. A demanda por eunucos era tão grande que os preços se elevaram de tal sorte que Domiciano proibiu a castração. Também aqui a alta taxa de lucro abrogou a lei na prática. Adriano, célebre como o maior administrador dentre os imperadores romanos, ficou igualmente lembrado na História pelo profundo amor devotado a Antígoo, jovem de rara beleza, cuja amizade com o imperador o povo equiparava à de Ganimedes com Zeus. Adriano chorou-lhe a morte prematura como a de uma mulher, erigiu-lhe um templo como a um deus e edificou à volta deste a cidade de Antinoé. O imperador Cômodo apreciava travestir-se e mantinha harém de trezentas mulheres e trezentos rapazes. Elagábalo entregava-se, vestido de mulher, a quem o solicitasse, diz Ibor. O mais célebre bissexual romano foi sem dúvida Júlio César, “homem para todas as mulheres e mulher para todos os homens”, em cuja entrada triunfal em Roma os soldados desfilando conclamavam as mulheres para que mantivessem cerradas as portas de casa, enquanto ele permanecesse na cidade, a fim de evitar o assalto sexual do imperador.
A Renascença chegou à Itália restaurando o fausto e inundando até a corte papal numa onda de sexualidade. Leonardo da Vinci, o pintor genial de “A Ceia” e de “Mona Lisa”, constituiu famoso exemplo de homossexualismo. Miguel Ângelo, que legou à posteridade a maior obra de pintura, juntamente com a maior obra de escultura e a maior obra de arquitetura, desgostava das mulheres. Não casou nem teve filhos. Dormia na mesma cama com seus auxiliares. Dedicou tal afeição a um de seus criados, que lhe partilhou a cama durante muitos anos, cumulou-o de presentes e lastimou-lhe profundamente a morte. Nem mesmo o papado, àquela época, teria sido imune à mencionada conduta sexual, na pessoa de Sisto IV, o papa da Capela Sistina, de Júlio II, o terrível papa guerreiro, e de Clemente VII, o papa desafortunado.
A galeria dos reis de França contém Henrique III que apreciava travestir-se, passear pelas ruas à noite na companhia de jovens parceiros e conceder ricos presentes a seus favoritos. Ousou até recepcionar na corte, travestido com generoso decote. Nenhuma história real, porém, ultrapassa neste aspecto, a memória de Eduardo II da Inglaterra, cujo primeiro amante foi assassinado pela nobreza escandalizada. Reincidindo na prática homossexual, a mulher, Isabel de França, e o amante destronaram-no e mataram-no.
Bem recentemente, a literatura francesa e a inglesa produziram gênios que professavam sem constrangimento o homossexualismo. Marcel Proust teve inúmeras experiências com homens da alta sociedade francesa e também com indivíduos da sua criadagem. André Gide foi amante de Oscar Wilde, entre outros parceiros. E o amor público por incontáveis jovens arrastou Oscar Wilde ao divórcio, pobreza, alcoolismo, decadência profissional e até à condenação a dois anos de trabalhos forçados.
Nos tempos atuais, o homossexualismo espraiou-se pelo mundo inteiro e recebe amparo legal nos países mais adiantados. Nem me parece nada estranho esse tratamento legal, quando a ciência identifica origens anatômicas, fisiológicas e até genéticas para tal comportamento. Não creio, porém, que o legislador haja pretendido ir além do reconhecimento do fato de que a probabilidade das respostas, característica da ação humana, fornece faixas de maior coincidência, mas admite também outras mais rarefeitas. Até parece que muitos entendem e aceitam o homossexualismo como um comportamento de minorias. Isso é alardeado em épocas de propaganda eleitoral em todos os países do mundo. Dizem até que Freud explicou o homossexualismo, ao nível psíquico, como uma frustração do desenvolvimento da sexualidade, uma parada provocada por um trauma de ordem sexual, ocorrido na infância. Dizem outros que o comportamento tem origem na inexistência do banho de testosterona que, em determinado momento do processo de desenvolvimento, o feto masculino recebe. Outros afirmam que a anatomia do cérebro homossexual apresenta disparidades com relação ao do heterossexual, este muito mais comum. Há também os que afirmam que a cultura familiar e a da sociedade civil têm influência sobre a tendência comportamental homossexual.
Tendência de origem orgânica ou psíquica ou cultural, o homossexualismo, comportamento humano inequívoco, realidade humana, de minoria ou não, merece respeito e possui direitos. A sociedade humana é de todos os homens e, nos tempos modernos, se reconhece como convivência das diferenças e de comportamentos muito diversos. A lei tem de respeitar as minorias. E a sociedade tem que aceitar o convívio esclarecido com as minorias sociáveis. Os comportamentos inaceitáveis restringem-se àqueles que impedem o uso legítimo dos direitos de outrem. Seja como for, os juízos de valor são relativos, muito particulares e próprios de cada indivíduo, de modo que o julgamento sobre a bondade ou a maldade de tal comportamento depende de tudo aquilo que cada um de nós é. Mas, isso já é o âmbito dos julgamentos morais, individuais. Situa-se no santuário secreto da mente de cada indivíduo. No âmbito da Lei e do Direito, as diferenças sociáveis devem ser respeitadas.
Isso é civilização superior: a convivência pacífica das diferenças sociáveis.
(Escrito no ano de 1988)

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