quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

31. A Vida Numa Conjuntura Inflacionária


Economia designa a atividade do indivíduo ou da comunidade humana, dirigida para a obtenção do seu sustento. Essa atividade individual ou coletiva não tem sempre o mesmo ritmo ou nível. Às vezes é muito fraca. Outras vezes é muito intensa. Diz-se que a economia é cíclica. Representada por uma linha, a economia não é, portanto, uma linha reta horizontal, nem um linha reta inclinada que se eleve continuamente, nem uma linha curva com ondulações perfeitas. A história da Economia é representada por uma linha quebrada em que se apresentam movimentos de ascensão (com seus picos) e movimentos de descida (com seus pisos). E isso não é de estranhar-se, porque o próprio indivíduo, no início da vida, não trabalha para sustentar-se. O trabalho surge posteriormente, mais cedo para uns, e mais tarde para outros. E finalmente, essa atividade vai decrescendo, até extinguir-se. A História da Economia relata que no início da década de 30, nos registros de operários de fábricas da cidade de Boston constam nomes de crianças de 2 anos de idade!
É óbvio que elevado nível de atividade econômica é um bem. Baixo nível é um mal. A História da Economia mostra que uma sociedade sem dinheiro tem baixo nível econômico, como foi o caso dos primórdios da Idade Média, em que os feudos eram economicamente auto-suficientes e pouco usavam o dinheiro. Foram os comerciantes que deram início, com as trocas, os mercados e o dinheiro, ao movimento que conduziu a Europa Ocidental à liderança da sociedade humana e transformou a face da terra. O indivíduo humano, porém, sempre tende para a troca de bens materiais e, para facilitar e agilizar essa atividade econômica, sempre cria um meio de troca (o dinheiro). Recentemente, durante as guerras, os prisioneiros costumavam, por ausência de cédulas, utilizar o cigarro como dinheiro. O dinheiro, portanto, é imprescindível para elevar o nível de atividade econômica. Povo sem dinheiro é povo miserável. Marx disse que o dinheiro constitui uma das mais importantes invenções humanas.
O dinheiro é o instrumento de trocas de mercadorias e, por isso, é uma medida de valor das coisas. O preço indica o valor das coisas, isto é, o valor de troca das coisas. Umas valem mais (a casa). Outras valem menos (a folha de alface). Assim como o nível da Economia é instável (sobe e desce), assim também o preço das mercadorias é instável. Quando uma coisa muito desejada é rara, o preço sobe (por exemplo, o preço do feijão nas épocas de seca). Quando uma coisa pouco desejada é abundante (os santinhos de propaganda para vereador em época de eleições são distribuídos gratuitamente), o preço cai. A História da Economia mostra que há também correlação entre a quantidade de dinheiro e o preço das coisas. Pouco dinheiro, preços baixos. Muito dinheiro, preços altos. A História da Economia mostra, portanto, que o aumento da atividade econômica, que é um bem, se faz acompanhar de um aumento da quantidade de dinheiro e do aumento dos preços. A História da Economia também registra épocas em que o nível da Economia se foi elevando tanto que não só atingiu o pleno emprego (poucas pessoas estavam desempregadas) como passou a um rápido e significativo aumento da quantidade de dinheiro e da velocidade de sua circulação, e dos preços. O aumento da quantidade de dinheiro e dos preços, desproporcional para o aumento do nível da Economia, é a inflação (a Economia se entumece de dinheiro e preço, sem que o nível da Economia suba). O ciclo econômico, então, atingiu o pico, isto é, o máximo de fábricas, lojas, campos e empregados já está sendo utilizado na produção do sustento da comunidade. Esse pico, esse ponto culminante do uso dos meios de produção, não é atingido abruptamente num determinado dia, mas aos poucos. À medida que a Economia se aproxima dele, surgem os sinais de enfraquecimento da atividade econômica, com o insucesso de fábricas e empresas economicamente mais fracas (menos eficientes, custos mais altos de produção, menos adaptadas ao mercado) e com o surgimento de desemprego setorial, sobretudo na área de bens de consumo não-duráveis (alimentação, vestuário etc.). A atividade se açoda noutros setores, mormente nos da produção e comércio de bens de produção. A especulação se aguça em toda a sociedade (até na forma de estoque de bens de consumo perecíveis por pequenos consumidores). Dá-se, por fim, o pânico, em que todos perdem, em que o nível da Economia desaba tal qual uma onda de violento maremoto se esfacela na praia! Não foi apenas a recessão que chegou. Foi a depressão econômica! A recessão é uma queda moderada e de curto prazo (de dois ou três meses) da atividade econômica. A depressão se caracteriza por alta taxa de desemprego por longo prazo. Dois pontos merecem ressaltar: os fatos históricos mostram que há desemprego na fase aguda da inflação (inexiste incompatibilidade entre inflação e desemprego) e que a inflação é um terrível mal econômico porque é caminho certo para a mais desastrosa depressão.
As épocas históricas mais famosas pela inflação foram: a era dos descobrimentos (quando o ouro das Américas, e sobretudo do Brasil, afluiu para a Europa), a época da Revolução Francesa (com os famosos “assignats”), os tempos da Guerra da Independência e da Guerra Civil dos Estados Unidos (com os “greenbacks”) e, a experiência mais célebre de todas, os primeiros anos da década de 20 da República de Weimar (Alemanha). Galbraith denomina esta última de a inflação suprema!
Inflação, pois, é o aumento generalizado dos preços, ou o aumento dos preços de todos os produtos, ou o aumento do nível médio dos preços. A inflação é galopante, quando se dá a competição entre os salários e os preços: os salários sobem, porque os preços subiram, e os preços sobem, porque os salários subiram. A inflação galopante é o círculo vicioso do aumento de salários e preços. Hiperinflação é um grande aumento do nível de preços.
A inflação deve ser combatida, porque ela é um mal social e individual. Ela destrói a sociedade e infelicita a grande maioria das pessoas. É isso que pretendemos mostrar, descrevendo a vida dos alemães nos primeiros anos da década de 20. Há ainda um aspecto insidioso na inflação: ela anestesia o indivíduo e a sociedade, mediante a chamada “ilusão inflacionária” em que cada indivíduo pensa que está lucrando com ela, até tornar-se vítima clara dela.
No ano de 1920, os preços internos (isto é, dos produtos fabricados na Alemanha) subiram 9%. No final do ano de 1921, o nível dos preços internos era 35 vezes maior que no início. No final de 1922, era 42 vezes maior que no final de 1921. Em 27 de novembro de 1923, era 964.000.000 (!!!) de vezes maior que no final de 1922.
Já no início de 1920, quando os preços eram apenas 14 vezes mais altos que os de 1913, os habitantes das grandes cidades alemãs como Frankfurt, em pleno inverno europeu que registra baixíssimas temperaturas, não podiam adquirir carvão para se aquecer. O bonde, o transporte popular da época, funcionava no máximo uma hora por dia, tanto quanto durava o fornecimento de gás, porque as usinas termoeléctricas e as companhias de gás não tinham condições financeiras para obter carvão. Por falta de carvão e óleo, as máquinas de muitas empresas estavam avariadas e retornara-se ao trabalho manual. A maioria dos alemães foram forçados a restringir suas necessidades, deixando de lado metade do que era indispensável a uma alimentação normal. Naquele mesmo ano, escritores eram de opinião que o alemão parecia ter perdido a esperança na vida e estar possuído pelo desespero, ao experimentar que a situação se degradava diariamente e que se desfazia o que fora conseguido.
A partir de 1921, o custo de vida (isto é, o preço dos produtos de primeira necessidade) aumentava mais depressa do que os salários. Em 1922, o salário de um operário qualificado perdeu cerca de 25% do seu valor. A remuneração de um professor universitário representava em 1913 quase sete vezes o do operário qualificado. Em 1923 é apenas o dobro. E isso apesar dos esforços dos sindicatos dos trabalhadores por reajustes cada vez mais freqüentes dos salários. No verão de 1923, o acordo previa pagamento de salários semanal nas terças-feiras. Mais tarde, passou para três vezes na semana. Depois diariamente, e de manhã. O aumento salarial do funcionalismo público e dos militares também era diário em 1923!
Apesar de tudo isso, o salário real era inferior ao de antes da guerra, chegando até a menos metade. As profissões liberais (médicos, professores particulares, artistas e outros trabalhadores intelectuais) tiveram perdas maiores que as dos operários e funcionários públicos. Por isso, o assalariado tinha de se proteger contra a inflação galopante correndo para trocar o dinheiro por bens, como todos os outros cidadãos faziam. Em 1923 os preços subiam de hora em hora, ou melhor, continuamente. Um jornalista estrangeiro surpreendeu-se quando lhe pediram 24 mil marcos por um sanduíche de presunto que, na véspera, lhe custara 14 mil. Um consumidor contou que, enquanto o tomava num bar, o café passou de 5 mil para 8 mil marcos. Um turista entrou num restaurante, pagou um dólar e pediu toda a comida a que tinha direito. Depois de consumir uma lauta refeição e quando já se preparava para sair, o garçom se apresenta com um prato de sopa, esclarecendo: “O dólar acaba de subir novamente.” Um jornalista ressalvou que felizmente os salários estavam sendo aumentados e que os vencimentos dos ministros tinham sido elevados de 23 milhões, dez dias atrás, para 32 milhões de marcos. Na região do Sarre, os mineiros, que recebiam em francos, quando subiam da mina, ao invés de desejar a costumeira boa sorte aos que desciam, perguntavam: “Quanto está?” Queriam informar-se da taxa do franco. Só se falava em comprar e vender francos. A cada queda do marco, empregados e operários pagos em franco arremetiam para as lojas para adquirirem todo tipo de mercadorias.

(Continua)

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