domingo, 2 de junho de 2013

262. Reversão de Valores, Afronta à Arquitetura Jurídica da LC 109/01 (continuação do texto 261)


A LC 109/01, portanto, foi elaborada exatamente para isso, para ser, desenhar o edifício jurídico da Previdência Complementar, realizar esses quatro conceitos: reservas, benefícios previdenciários, contratados e complementares.

A primeira preocupação do legislador foi criar blindagem jurídica para o empregador. Essa foi a primeira preocupação da engenharia jurídica que formulou a LC 109/01: “Art. 2o O regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, na forma desta Lei Complementar.”

Esse artigo está exatamente afirmando que a relação jurídica de previdência complementar é entre EPC e Participante! Ela está eliminando dessa relação o Empregador. Está protegendo o patrimônio do Empregador, que não responde por compromisso algum da EFPC. Focamos aqui tão somente a EFPC e os Planos de Benefícios Previdenciários de Benefício Definido.

A LC 109/01 herdou esse artigo da Lei 6435/77. E o advogado da ADI da Contraf-Cut afirma que o legislador também manifestou, na proposta daquela lei anterior, que ela também estava sendo instituída para blindar os recursos da Previdência Complementar: os recursos da EFPC (entidade fechada de previdência complementar) são reservas previdenciárias, são separados para serem gastos no pagamento de benefícios previdenciários apenas.

De fato, a EFPC é pessoa jurídica, sem fim lucrativo, sociedade civil ou fundação. É pessoa jurídica absolutamente distinta do Empregador, com patrimônio próprio, com administração própria e finalidade exclusiva: gerir planos de benefícios previdenciários. (Artigos 2º, 4º, 6º, 7º, 9º, 18, 19, 20, 21, 23, 31, 32,  e 35 da LC 109/01).

A EFPC é o INSS do Regime de Previdência Complementar. É como a apresenta o artigo 2º da LC 109/01: “O regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário...” A LC 109/01 blinda o Estado e o Empregador na pessoa jurídica da EFPC, da mesma forma que a Constituição Federal, no artigo 201, e as leis previdenciárias blindam este último no RGPS, conquanto se ache a ele legalmente vinculado para efeito de custeio. É arquitetura jurídica bem semelhante em ambos os casos, quanto à proteção ao Empregador e ao seu patrimônio.

E qual é o papel do Empregador? Ele é Patrocinador do Plano de Benefícios Previdenciários (Artigo 31). Claro que existe também o Instituidor. Mas, aqui interessa-nos tão somente o Patrocinador. E como se torna ele Patrocinador do Plano de Benefícios Previdenciários? Através do Contrato de Patrocínio, contrato de adesão (artigo 13). Esse contrato, ensina o Dr. Sergio d’Andreia Ferreira, é contrato de parceria entre o Empregador e a EFPC.  O Empregador se obriga a cooperar com a EFPC para que ela obtenha sucesso na gestão e execução do Plano de Benefícios Previdenciários. Ele é praticamente um compromisso de obrigação da parte do Empregador: a obrigação de pagar a contribuição pactuada para formar o patrimônio da EFPC, as reservas do Plano de Benefícios Previdenciários (Artigo 14-IV e 68). Adita-se também a obrigação de supervisionar o desempenho da EFPC (Artigo 41-2º), obrigação essa que cabe principalmente ao Estado (Artigo 3-II). Limita-se a estes dois deveres o papel legal do Patrocinador no Regime de Previdência Complementar.

Assim, esta é a caracterização do papel do Patrocinador na relação jurídica da Previdência Complementar: ele, sujeito das obrigações de contribuir e de supervisionar, em razão do Contrato de Patrocínio ao Plano de Benefícios Previdenciários, firmado com a EFPC, gestora e executora do Plano de Benefícios Previdenciários (LC 109/01 artigos 2º e 13). O Empregador não firma contrato algum com o empregado, com o Participante. O Empregador não é o gestor, nem o executor do Plano de Benefícios Previdenciários. A LC 109/01 criou a EFPC exatamente para fazer uma blindagem jurídica, econômica e financeira do Empregador.

Qual é, então, o interesse do Empregador em se tornar Patrocinador de um Plano de Benefícios Previdenciários? Ter bons e eficientes empregados, ter empregados satisfeitos e sem a preocupação existencial da seguridade social, evitar conflitos internos à empresa e no ambiente social. As empresas só florescem em ambiente de previsibilidade, ordem e paz social.

Mas, isso constitui ônus excessivo, insustentável, exclamaria alguém! A contribuição é ônus relativamente módico, que, com o tempo, poderá até reduzir-se ou mesmo extinguir-se. E mais, ao longo do tempo, a EFPC bem administrada que se torna autossustentável, nem mesmo transfere o ônus do seu custo para a sociedade, já que ela passa a contribuir de tal forma para o bem econômico da sociedade que se mantém apenas com parte das vantagens econômicas, que gera para a sua sociedade. O patrimônio das EFPC é poupança de longo prazo, fator importantíssimo para o desenvolvimento econômico das nações nos tempos atuais. A EFPC cria condições econômicas e sociais, favoráveis à sobrevivência e desenvolvimento das empresas. A EFPC, portanto, interessa, e muito, ao empregador. Isso já o afirmou Bismark, o pai da previdência social moderna, ao cria-la.

Voltemos ao estudo da LC 109/01. Vimos que o papel do Patrocinador é o de reforço de garantia do Plano de Benefícios Previdenciários. Já a relação previdenciária propriamente dita reside no negócio jurídico gerado pelo Contrato de Participação, que é o contrato de filiação, contrato também de adesão, do empregado ao Plano de Benefícios Previdenciários, firmado com a EFPC. Nessa relação jurídica aparece como sujeito da obrigação de pagar o benefício previdenciário a EFPC e como sujeito do direito de receber os benefícios previdenciários o Participante. Por outro lado, aparece como sujeito da obrigação de pagar a contribuição o Participante e como sujeito do direito de recebe-la a EFPC. (Artigo 8º e 14-III)

O Contrato de Participação é o âmago da relação de Previdência Complementar. Nela não entra o Patrocinador, porque ele só participa do Contrato de Patrocínio. O Contrato de Participação é somente entre EFPC e Participante, com relação ao Plano de Benefícios Previdenciários, que tem o Empregador como Patrocinador, como Protetor, como Garantia. A EFPC é o INSS do RPC, insistamos. Isso é reconhecido por Patrocinadores e EFPC em todas as ações judiciais em que a relação previdenciária complementar é discutida. É o escudo jurídico dos Patrocinadores.

Assim, a engenharia jurídica da LC 109/01, tendo como modelo a própria engenharia jurídica do RGPS, desenha o edifício do RPC, onde contratualmente, contrato de adesão:
- o Patrocinador, pelo Contrato de Patrocínio, só tem a obrigação de pagar a contribuição e cooperar com o Estado na supervisão da EFPC (artigos 14-IV, 41-2 e 68);
- o Participante, pelo Contrato de Participação, tem a obrigação de pagar a contribuição e o direito de receber o benefício previdenciário (Artigo 8º e 14-III);
- a EFPC, por esses dois e distintos contratos, tem o direito de receber a contribuição do Empregador e do Empregado, e tem a obrigação de pagar o benefício previdenciário ao empregado participante assistido, e somente a este.  (Artigos 14-IV, 8º e 14-III).

Assim, Excelência, não existe a menor lógica, a menor legitimidade de técnica hermenêutica na aplicação do Princípio de Isonomia (equidade contributiva), extensiva do tratamento igualitário nas Contribuições para as despesas com o Pagamento de Benefícios. Nas Contribuições os DOIS, Patrocinador e Participante, são sujeitos da obrigação de pagar contribuição à EFPC. Já nas despesas com o Pagamento de Benefícios, existe apenas UM sujeito de direito aos benefícios, o Participante! E tudo isso fruto de dois contratos distintos. Desta forma, o instituto da Reversão de Valores afronta a própria arquitetura da LC 109, a finalidade para qual a LC 109/01 foi promulgada! Há algo de mais absurdo? A Resolução, regulamento ancilar, destrói o próprio senhor ao qual serve! Tem razão aquele advogado, quando afirmou: “fato inédito no Direito brasileiro!”

Não se encerre este assunto sem alertar para o exato sentido de benefício, a saber, vantagem. A Reversão de Valores é uma vantagem. Só que, no nome e no intuito para que foi criada, não é um benefício previdenciário. E, atente-se para o absurdo, já que, pelo artigo 19 da LC 109/01, deveria ser!
(continua)
 

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